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Sociedade

DANIEL LIMA - 28/04/2022

O jovem Ageu Rosas Galera foi condenado em júri popular a nove anos e quatro meses de prisão em sentença proferida pelo juiz-presidente da Vara do Júri e das Execuções Criminais de São Bernardo, Gustavo Kaedei. O julgamento foi encerrado nesta madrugada. O advogado Alexandre Marques Frias e os promotores criminais Leandro Henrique Ferreira Leme e Thelma Cavarzere atuaram de forma brilhante para conter uma avalanche sofisticada de inverdades.  

Chega ao fim, portanto, o período mais tenebroso, pedagógico e esclarecedor da minha vida.  

Saí de uma morte biológica certa e escapei por pouco de uma morte moral. Dei entrada no Hospital São Bernardo naquela tarde de primeiro de fevereiro de 2021 e saí do Fórum de Justiça de São Bernardo próximo a três horas da madrugada de hoje. Foram 452 dias. 

Vou ser breve na edição de hoje. Estou esgotado física e emocional após uma noite praticamente insone. Foram horas e horas de um choque de realidade do que chamaria de dinâmica processual levada ao escrutínio de sete jurados populares. O tribunal do Júri é reflexo da sociedade nestes tempos de radicalismos. Senti isso na pele e na alma.  

MENTIRA SOFISTICADA  

A constatação de que um feixe de mentiras sofisticadas pode, diante de um júri popular, valer mais que uma verdade simples, torna a vida muito semelhante a uma encruzilhada. O céu e o inferno nunca pareceram tão vizinhos. 

Embora o placar final possa sugerir um alívio individual, uma vitória insofismável, um desafogo psicológico, a condenação de meu agressor representou cumulativamente, mas em sentido inverso, um golpe igualmente contundente.  

Conviver com essa dualidade será provavelmente o caldo de sentimentos que prevalecerá como extrato derradeiro de uma batalha da verdade contra a mentira.  

E acreditem: a mentira quase saiu vitoriosa. A condenação é um alívio e uma dor. O alívio é para o jornalista Daniel Lima. A dor para Daniel José de Lima, a pessoa física da pessoa jurídica. 

MUITA SUBJETIVIDADE  

Num próximo texto, que vai esperar por minha recomposição físico-emocional, vou detalhar a megaoperação empreendida pelos dois lados da batalha no Fórum de São Bernardo.  

O que parecia um jogo de placar elástico de crime em linha reta de fatos e provas, tornou-se emaranhado recheado de mentiras e ilações. A materialidade quase sucumbiu à subjetividade. A destreza técnica na análise dos fatos quase se dobrou à engenhosidade esperta com arranjos tecnológicos de um industrializador de pareceres sob encomenda que se apresenta como perito técnico.  

Ricardo Molina, o pronto-socorro de quem geralmente está em apuro judicial, é um capítulo à parte que ficará para outro dia. 

RESULTADO DRAMÁTICO  

Ao fim da disputa encerrada nessa madrugada, o jornalista Daniel Lima se viu salvo num resultado dramático. Resultado semelhante ao do placar ao fim de 10 dias de internação hospital de Daniel José de Lima, seis dos quais entre a vida e a morte na UTI.  

Entre fevereiro de um ano e abril do ano imediatamente posterior, configurou-se uma ponte de aprendizados, dores, sofrimentos e frustrações. De ambos os lados.  

Os detalhes que cercaram o exaustivo julgamento encerrado nesta madrugada requerem abordagens específicas.  

UM ALVO DUPLO  

Acredito que é uma leitura obrigatória a quem pretenda entender a sistemática de funcionamento do Poder Judiciário, especificamente com um Tribunal do Júri a produzir a sentença final.  

Em linhas gerais, a condição de vítima de um crime fútil e que, portanto, pareceria de fácil resolução pelos jurados, acabou se transformando em sofisticadíssima teia de subjetividades e intangibilidades. 

Fui à arena carregando evidente desvantagem tática: a pessoa física Daniel José de Lima, vítima indefesa de um jovem emocionalmente desequilibrado naquela tarde de primeiro de fevereiro, teve de carregar o peso e a responsabilidade social do jornalista Daniel Lima.  

MISTURANDO TUDO  

O que significa isso? Além de Daniel José de Lima, um pai de família que vive praticamente no anonimato, discretíssimo com suas cachorras, o jornalista Daniel Lima também foi atropelado pelo advogado do agressor.  

A combatividade do jornalista, que gera ônus e bônus, foi levada à tribuna. Desativou-se sorrateiramente a chave de ignição do enfrentamento aos podres poderes. A discrição da pessoa física foi combatida com malabarismos de uma narrativa prevalecentemente onírica. No vale-tudo de uma causa perdida, o advogado do agressor pescou em águas turvas. 

Enquanto meu agressor participava do júri popular com postura teatral que sugeria personalidade de vítima, a duplicidade da vítima de verdade era observada e atacada pelo seu representante legal.  

ROUPAGEM DE PUREZA  

Combatividade profissional própria dos indignados virou sinônimo de intolerância na esgrima unilateral da orquestra de defesa do réu. Ferocidade ganhou roupagem de pureza, quase de candura.  

O julgamento do caso do pet shop teve como peça central uma bifurcação de dois enredos antagônicos: a defesa do réu mergulhou no mais insidioso mecanismo de sofisticação de mentiras para esterilizar ramificações conexas de um crime extraordinariamente banal.  

A defesa de Ageu Galera construiu uma roda-gigante de diversionismo para embevecer os privilegiados usuários do passaporte do parque de entretenimento da decisão final. Os jurados têm o poder supremo.  

LÓGICA CARTESIANA  

Os promotores criminais e meu advogado seguiram a lógica cartesiana de testemunhas e provas que jamais transgrediram informações prestadas às autoridades policiais e ministeriais.  

Mal sabiam que embarcaram naquelas 17 horas no trem fantasma em que a verdade precisaria ser exercitada continuamente. Entre uma composição e outra da locomotiva do processo judicial, havia sabotadores da realidade dos fatos.  

Saí nesta madrugada do Fórum de Justiça de São Bernardo ao mesmo tempo aliviado e triste.  

Daniel José de Lima e Daniel Lima salvaram-se biologicamente e moralmente.  

De fato, Daniel José de Lima já fora vitorioso ao deixar com vida Hospital São Bernardo no dia 10 de fevereiro.  

Já o jornalista Daniel Lima só pode comemorar discreta e respeitosamente a sentença judicial quase ao raiar de 452 dias pós-tiro no rosto. 

ASSASSINATO MORAL  

A tristeza que não é hipocrisia e tampouco politicamente correta com que deixei o Fórum de Justiça foi a reprodução conceitual do que já dissera 48 horas após o crime cometido no pet shop, numa entrevista para o SBT: perdoava meu jovem agressor.  

Fosse outro o resultado do júri popular, e não tenho por que sufocar essa projeção, não saberia que rumo tomaria o jornalista Daniel Lima para juntar os cacos físicos e emocionais de Daniel José de Lima.  

Na sequência de um assassinato não consumado no pet shop, teria de suportar o assassinato moral que se estabeleceria no julgamento em que o embaralhamento ameaçou destroçar o que parecia uma fortaleza inexpugnável de um crime tão banal quanto estúpido. 

ABAIXO DA CINTURA  

Apesar de todos os pesares, de golpes abaixo da cintura do que chamaria de ética num embate, ao fim do julgamento me aproximei e conversei durante algum tempo com o advogado de meu agressor.  

O advogado de Ageu Galera defendeu meu agressor usando todos os truques possíveis. Abracei-o respeitosamente e lhe confessei ao ouvido a frustração de não ter podido me dirigir ao jovem que quase me matou e que ainda me aplica no corpo e na alma dores daquela tarde de violência.  

FALTOU UM ABRAÇO  

Queria abraçar meu assassino imprevidente e lhe dizer com a sinceridade e a generosidade de um pai ao se dirigir a um filho: lamento os próximos tempos que você continuará a viver na prisão. 

Ageu Galera tem idade e tempo suficientes para correções de rota. O assassinato moral de Daniel Lima abalaria intensamente o homem comum Daniel José de Lima.  

Prestei depoimento durante mais de uma hora ao tribunal do Júri. Queria ter isso apenas como pessoa física, mas não deixaram. Acabei vencendo duas batalhas, mas não há como ser feliz quando se observa que essa disputa poderia muito bem não ter existido jamais.  

O crime no pet shop é uma aberração que abateu duramente a vida dupla de Daniel José de Lima e de Daniel Lima. Só seria pior em caso de absolvição de meu agressor. É exatamente sobre isso, ou seja, de ter havido condenação apertada, que tratarei em outro texto. As mentiras engendradas quase se consagraram. 



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