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Economia

DANIEL LIMA - 13/04/2022

Os entrevistados da versão TV do jornal Repórter Diário que responderam ao jornalista Leandro Amaral sobre o futuro do Grande ABC diante do processo de desindustrialização continuada seguiram o caminho esperado. Pegaram atalhos informativos que lhes convém e seguiram em frente. Nada melhor que o contraditório, mesmo que virtual. 

Eles, acadêmicos e sindicalistas, fugiram de temáticas locais de fios desencapados. Preferiram a estrada vicinal mal-ajambrada de políticas nacionais, com evidente recorte temporal protetivo aos antecessores do atual governo federal.  

Como não é possível montar um mosaico sem todas as peças, as peças utilizadas acabam inúteis. Ou seja, caíram em contradição. Quando a verdade inteira dá espaço a meias-verdades, abrem-se veredas à desconfiança.  

Quando em uma ou outra intervenção a região passou a ser o foco de declarações dos entrevistados, voltou-se a políticas que fracassaram no passado. São experimentos que se comprovaram pirotécnicos.  

PASSIVOS LOCAIS  

Os entrevistados do Repórter Diário exercitaram intervenções explicitamente categorizadas como meias-verdades. Nada diferente do que a maioria de acadêmicos e sindicalistas, entre outros, praticam quando questões da região são postas à mesa.  

Há um clamoroso temor de que podem se dar mal com os respectivos públicos internos, castradores dos fatos consumados.  

Quando um conjunto gravíssimo de problemas da região é omitido por entrevistados que ostentam títulos de doutores, pós-graduados e o escambau, o que se expressa em forma de conhecimento prático ou teórico se esboroa. E foi o que aconteceu nesse caso.  

Nacionalizar o quanto se pode a desindustrialização é uma prática esperta para retirar a parte de responsabilidade que cabe aos agentes locais.  

REALIDADES DIVERSAS  

O que esses entrevistados e tantos outros que desfraldam a bandeira de políticas nacionais de desenvolvimento (com absoluta razão, mas muita demagogia) ainda não compreenderam é que, à parte tudo que se costura como verdade de um País de desindustrialização precoce, há inúmeros municípios que crescem na atividade, enquanto outros fracassam.  

Aliás, como estamos cansados de mostrar aqui há mais de três décadas. Resumo? Problemas nacionais não imunizam agentes locais da responsabilidade pelo andar de carruagem trôpego. 

Fico feliz quando a pauta jornalística regional sai do lambe-lambe costumeiro de lustrar a bota de agentes políticos e sociais que pouco produzem ou produzem insuficientemente tendo na outra ponta a gravidade do quadro econômico regional.  

Pautas que tratem do Desenvolvimento Econômico do Grande ABC deveriam ser obrigatoriedade ética, para não dizer de sobrevivência, ou autossobrevivência. Ou de cidadania informativa.  

PONTOS CRÍTICOS  

Antes de passar aos finalmente, deixem-me explicar o conceito de meias-verdades com que qualifico declarações dos entrevistados do jornal Repórter Diário. 

Meia-verdade é a verdade consistente dita de forma responsável, mas que, por conveniências de matizes insondáveis ou não, omite pontos contraditórios que levam a avaliação a um território mais robusto de compreensão, entendimento e consistência.  

Qualquer avaliação sobre o processo de desindustrialização do Grande ABC que não leve em consideração os pontos que listo em seguida (e que já foram esmiuçados aqui ao longo dos anos) ganha viés de ignorância explícita ou acovardamento ético. Uma ou as duas coisas juntas.  

De imediato, e sem recorrer ao acervo do que já escrevi sobre os fatores da desindustrialização do Grande ABC, relaciono alguns pontos que os entrevistados do Reporter Diário sequer resvalaram e que provavelmente jamais resvalarão porque se o fizerem vão conhecer na própria carne o que passo como jornalista sem temores de retaliações: 

a. Limitações físicas de acesso ao Rodoanel Mário Covas, o que tornou a competitividade regional aquém do que já era grave antes da obra. 

b. Logística interna danosa aos preceitos de suprimento de fábricas. 

c. Mão-de-obra com cultura de trabalho que poucos lugares dispõem, mas com vícios do trabalho que também poucos lugares dispõem. 

d. Doença Holandesa Automotiva e Doença Holandesa Químico-Petroquímica, que tornam a competição interna canibalesca ao atendimento às grandes empresas. Pequenas e médias sofrem com a concorrência autofágica. 

e. Ambiente Sindical historicamente hostil e que recrudesce ao sabor do calendário eleitoral. 

f. Ausência de qualquer elemento que sugira Planejamento Econômico Estratégico, seja no âmbito municipal ou regional. 

g. Institucionalidade em frangalhos. Entidades de classe e sobretudo instâncias públicas, como o Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Econômico, são, na prática, ficções, manipuladas por interesses políticos e sem arcabouço técnico-material para agirem consistentemente. 

h. Barafunda fiscal, em forma de um cipoal de alíquotas municipais que se rivalizam e tornam incompreensível aos investimentos, quando não estimulam um desastre de competitividade reversa. 

i. Fragilidade político-institucional por conta da periferização geopolítica que, quando enfrentada, não ultrapassa o campo da política partidária propriamente dita. Somente em situações de gravidade econômica, como a retirada da Ford, há reações que não passam de jogo de cena.  

Vou repassar o texto publicado do Reporter Diário (sob o título “Apesar da saída de montadoras ABC mantém perfil industrial, dizem especialistas”), que é um resumo das entrevistas na versão TV.   

REPORTER DIÁRIO  

Apesar da perda de grandes empresas, como a Ford, em 2019, e recentemente com o anúncio da Toyota de deixar São Bernardo, o ABC ainda pode continuar como região industrial, mas os investimentos em tecnologia, inovação e pesquisa são indispensáveis para que a indústria local continue competitiva. Algumas alternativas, como mapeamento do setor e a reconversão industrial já começaram. Para falar sobre o assunto o RDTv desta segunda-feira (11/4) ouviu o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, Aroaldo Oliveira da Silva; o professor Lúcio Flávio da Silva Freitas, docente de Ciências Econômicas da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e economista do Grupo Euro 17; e Fábio Danilo Ferreira, diretor-adjunto da Agência de Inovação da UFABC (Universidade Federal do ABC). O diretor-adjunto da Agência de Inovação da UFABC diz que a saída de empresas, sobretudo montadoras, traz um grande impacto para a região, na cadeia produtiva, comércio e serviços. Fábio diz que a falta de uma política industrial para o País é culpada pela queda da participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto). “A gente não consegue falar disso sem olhar um aspecto mais amplo, que é de uma política industrial que se mostrou pouco efetiva nos últimos anos.  A gente vê a queda da participação da indústria no PIB, sem contar a pandemia, a gente tem um baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento”, afirma.  

MAIS ENTREVISTA 

Ressalta que no ranking de inovação, que tem mais de 100 países, o Brasil está 57ª posição, porque tem baixa participação de empresas em produção tecnológica. “A gente precisa, aqui no ABC, discutir como articular melhor os atores do sistema de ciência, tecnologia e inovação para poder superar esses desafios. A gente não vai conseguir ter uma indústria eficiente e competitiva se não tem investimento em inovação”, adverte. Para o professor da USCS, o movimento de desconstrução industrial já acontece desde os anos 1990 e o Brasil não se preparou para a mudança, fenômeno que em outros países ocorreu de forma natural, com migração de empregos da indústria para serviços. Lúcio lamenta que o Brasil tenha a perda de protagonismo da indústria, o que é complicado porque a indústria paga salários mais altos e exige mais qualificação. Em parte, diz, isso é um processo natural para alguns setores. Cresce muito a indústria e depois, com o aumento da renda começa a demandar mais serviços, no entanto, isso aconteceu no Brasil cedo demais sem que a renda tivesse crescido suficiente.  

MAIS ENTREVISTA  

“A indústria representava 40% do PIB nos anos “1980 e hoje mal passa de 11% então é claro que o ABC, que é uma região mais industrializada que outras, sofre mais intensamente o processo”, diz Freitas. “Quanto ao que fazer eu diria que tem que incentivar a tripla hélice, governo, setor produtivo e as universidades. Aproximar esses agentes para inovarem e modernizarem o setor industrial é o caminho que a gente tem de tomar com certa urgência”, continua. O presidente da Agência de Desenvolvimento disse que em maio a região terá um grande evento reunindo empresas, universidades e o poder público, mas a ideia é fazer grupos de trabalho permanentes. Adianta que será feita a discussão sobre o futuro da indústria, mas não vai ser uma atividade isolada, será um debate sobre a indústria, com os atores da região, as universidades, os trabalhadores, as empresas “mas a gente quer fazer a atividade e prosseguir com alguns grupos de trabalho setoriais. Estamos discutindo principalmente com as unidades do CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) na região e associações empresariais para termos um diagnóstico setorial. Queremos entender o que cada setor planeja para o futuro, fazer um balanço setorial para depois a gente encerrar com o poder público regional – consórcio e prefeituras – para desenhar um pacto regional. A gente tem dialogado com o consórcio para pensar os próximos passos para não deixar mais a indústria sair do ABC”, diz Aroaldo Oliveira da Silva.  

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O dirigente concorda com Freitas e Ferreira sobre a falta de política industrial para o País. “Na medida que a gente não tem uma política industrial nacional, tem um desmonte da indústria, queda da renda dos trabalhadores e aumento do desemprego, e a indústria vai ser afetada em algum momento”, afirma. Fábio Danilo Ferreira diz que o problema é a maturidade da política de inovação do País. Acredita que falta maturidade mesmo do Brasil como um todo de questões ligadas à indústria mais competitiva e mais inovativa. A lei de inovação é de 2004, diz, completa 18 anos. Só em 2016 veio o marco da inovação que completou o ciclo em 2018. São legislações recentes e por mais que já existam e repliquem experiências internacionais, o Brasil está atrasado. “A gente precisa se apropriar delas e entender melhor como tirar benefícios. Se olhar as agências de fomento, antes a gente tinha muito mais o movimento da universidade, do pesquisador, hoje se tem projeto e linhas de fomento que vão muito mais para as empresas ou para parcerias entre institutos de pesquisas e empresas. Enxergo que a gente precisa amadurecer sobre como se apropriar desses instrumentos de inovação que estão postos e como tirar esse proveito, como a gente pode se articular conseguir aproveitar melhor essas oportunidades de fomento que existem. E como fazer um projeto mais coordenado aqui para a região”, completa. 

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O presidente da Agência reforça o entendimento de que o emprego industrial perdido nos últimos anos não foi totalmente absorvido pelo setor de serviços e diz que é possível recuperar o protagonismo da indústria do ABC. “O triste no Brasil é que a gente fez esse processo muito acelerado sem organizar de forma mais estruturante a economia. O nosso setor de serviços não está organizado, mais Estruturalmente, presta serviços mais qualificados, com mão de obra mais qualificada e agrega valor. Mas a gente pode corrigir o rumo, porque a nossa região é industrial, a gente tem um parque industrial”, ressalta. Aroaldo Oliveira da Silva cita algumas medidas tomadas. Conta que em duas semanas foi retomado o polo de cosméticos de Diadema. Santo André tem uma indústria da borracha importante e duas iniciativas importantes, uma com a UFABC, onde começa a fazer um trabalho com as empresas sobre reconversão industrial. Para as empresas que estão com metade da capacidade ociosa o que é possível fazer com o equipamentos delas, de diferente do setor automotivo? Isso o poder público pode dar suporte, é uma parceria”, diz.   

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Outra parceria é com a USCS, que lançou o hub de inovação que já tem um trabalho de mapeamento das empresas; um dos pilares é a indústria 4.0 e como as indústrias podem se atualizar tecnologicamente. “Temos uma região organizada para a indústria, tem capacidade, tem um território de conhecimento que está voltado para a indústria. Somos uma região industrial e tem de usar o potencial de todos os atores que para dar suporte para essa indústria”, finaliza. O professor da USCS é da mesma opinião, segundo Freitas, o ABC continuará com vocação para indústria. “A vocação industrial não vai deixar de existir, a indústria é forte e continuará assim. A solução não é reorientar a economia do ABC, mas tirar dela o que ela pode oferecer”, completa Lúcio Flávio da Silva Freitas. 



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