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Economia

DANIEL LIMA - 12/04/2022

A cultura manufatureira do Grande ABC de grandes, médias e pequenas indústrias que geraram mobilidade social e o surgimento de uma classe média consistente está se esvaindo de forma inexorável sem que, ao longo dos últimos 35 anos (entre 1985 e 2020, conforme dados oficiais) tenha havido reação adequada. Longe disso.  

Em todo esse período, apenas o prefeito Celso Daniel no campo institucional e de planejamento e o prefeito Orlando Morando no campo prático movimentaram pedras de mudanças.  

No caso de Orlando Morando, avolumam-se investimentos públicos importantíssimos na área de logística, um dos calcanhares de Aquiles da competitividade regional.  

Qualquer que seja o referencial à análise do comportamento do setor industrial do Grande ABC pós-surgimento do movimento sindical e da guerra fiscal, além do destrutivo governo de Fernando Henrique Cardoso e do Rodoanel, sempre haverá desfecho preocupante.  

APENAS PERFUMARIAS 

A perda é tão vigorosa e estrutural quanto o desprezo do Clube dos Prefeitos a iniciativas reformistas. Preferem-se perfumarias que sempre ganham manchetes a cada novo prefeito dos prefeitos que assume o cargo.  

O titular de plantão nos últimos anos, diretamente ou ao escolher um preposto, é Paulinho Serra, de Santo André. O tucano que bate asas em direção a outras agremiações partidárias, mas segue como tucano, tem-se especializado em desperdiçar tempo com marketing fajuto. Sem contar definições táticas estapafúrdias na condução da Prefeitura.  

Uma das empreitadas a que se está dedicando e para tanto escala batalhão de arrivistas esportivos tem a mira posta na sustentação de uma agremiação genérica chamada Santo André Futebol Clube. O clube pretende rivalizar-se com o original Esporte Clube Santo André, embaralhando o jogo da concessão do Estádio Bruno Daniel. Seria, na verdade, um intermediário de intermediários.  

AMBIENTE DE MUDANÇAS   

Voltando ao que interessa hoje, desta feita fizemos cálculos que tratam da relação entre o número de empregos industriais com carteira assinada em cada um dos municípios do Grande ABC e as respectivas populações.  

O desgarramento é inquietante. O ambiente industrial que se respirava na sociedade regional há 35 anos desaparece aos poucos. Pior que isso, e que muitos não enxergam: não existe matriz substituta ao vácuo produtivo. O setor de serviços tem outra tessitura tanto sociológica quanto econômica -- é disperso e agrega pouco valor adicional, que não se reproduz em mobilidade social.  

A queda da participação relativa do emprego industrial formal no total da população da região é de 66,06%. Ou seja: de cada 100 empregos correlacionados à demografia, 66 despareceram em 35 anos. Todos os municípios perderam no período.  

Em termos relativos quem mais perdeu, até porque está mais sensível aos tormentos macroeconômicos, foi São Bernardo da Doença Holandesa Automotiva.  

A participação de São Bernardo caiu 73,05%. Mas quem conta com o ambiente mais rarefeito do setor industrial é Santo André, Viveiro Industrial do Hino Oficial que não resiste às mudanças.  

NÍVEL MAIS BAIXO  

Santo André caiu 69,04% no período (um pouco abaixo de São Bernardo, portanto), mas o trabalhador industrial é quase uma raridade com apenas 3,43 empregos para cada grupo de 100 habitantes. São Bernardo conta com 8,13 na mesma comparação.  

A participação do emprego industrial em São Caetano em relação à população caiu de 23,66% em 1985 para 11,66% em 2020. Apesar dos pesares, sobretudo porque a demografia auxilia tremendamente, já que a população praticamente não cresceu no período, São Caetano ostentava em 2020 a maior proporção de trabalhadores em confronto com o total de moradores.  

Diadema também sofreu duro golpe no período analisado: contava com 23,35 trabalhadores industriais para cada grupo de 100 moradores e, na ponta da comparação, em 2020, viu-se reduzida a 8,66%. Mesmo assim, é mais que o dobro de Santo André.  

CONTABILIDADE CRUEL   

Mauá registrou queda menos agressiva: contava com 6,60 trabalhadores industriais com carteira assinada para cada grupo de 100 moradores em 1985 e passou para 4,13 em 2020. Em Ribeirão Pires a proporção baixou de 13,15% para 5,27% e em Rio Grande da Serra era 5,24% e caiu para 2,06%.  

Esses são os resultados em 1985 de uma contabilidade que registra 337.640 empregos industriais formais para uma população de 1.832.589 milhão de habitantes nos sete municípios. Em 2020 eram 2.824.817 moradores e um total de 176.561 empregos formais industriais.  

Como se observa, o emprego formal no setor de transformação foi derrubado em 47,50%, enquanto a população aumentou 54,14%. A soma dos dois fatores tem significado extraordinariamente péssimo para o Grande ABC: o setor que mais produz riqueza se esvai aos poucos e a população cresce com fortes demandas em infraestrutura física e social.  

As prefeituras do Grande ABC, de maneira geral, recorreram ao aumento da carga tributária própria após a constatação de que a geração de riqueza em queda reduzia os repasses estaduais e federais.  

Além disso, o processo de aumento da carga tributária própria foi acelerado após o fim da farra inflacionária, determinada pelo Plano Real, em 1994. O IPTU aumentou, em oposição ao estágio anterior, de quase marginalidade nas receitas. Preferiam, os prefeitos de plantão, investir nos ganhos inflacionários do mercado financeiro.  

Não custa lembrar que o Grande ABC se descuida há muito tempo da imperiosidade de atacar institucionalmente os problemas decorrentes da desindustrialização.  

CIDADE FUTURO  

Escrevi para a revista de papel LivreMercado (antecessora de CapitalSocial) em novembro de 1997 (portanto há praticamente 25 anos) o que disse o consultor espanhol Jordi Borja, que atuou na recuperação de Barcelona e já prestara consultoria a diversas cidades da Europa e América Latina. Ele acabara de fazer um passeio de helicóptero tendo ao lado o prefeito Celso Daniel.  

Borja passou cinco dias em Santo André para conhecer a cidade e, principalmente, para sensibilizar os quadros da Prefeitura e a comunidade convidada para o lançamento oficial do Projeto Santo André Cidade Futuro, lançada no Teatro Municipal. 

O que disse Jordi Borja de tão interessante assim que valeria a pena recapitular tanto tempo depois? Veja o que escrevi para a edição de novembro de 1997 de LivreMercado: 

 A frase mais marcante do consultor alvejou a antiga síndrome de periferia que não só Santo André, mas todo o grande ABC tem em relação à Capital vizinha tão poderosa. Ele disse com a franqueza típica dos catalães que esse sentimento, embora não-fictício, não deve ser encarada com fatalidade, mas como desafio a ser vencido. Talvez a melhor mensagem que Borja deixou no final daquele ano para reflexão, além da necessidade de exorcizar o sentimento de Gata Borralheira da região, tenha sido a sugestão de que os shopping centers de tantos encantos não podem continuar a ser referência de desenvolvimento econômico. O consultor espanhol teve pouco tempo para conhecer Santo André, mas tudo que viu e ouviu foi suficiente para propor reversão do quadro de negativismo que a desindustrialização deixou – escrevi.  

MAIS CIDADE FUTURO  

Nos parágrafos seguintes, completei as explicações do consultor internacional trazido por um Celso Daniel de referências transformadoras distante de disputas paroquiais e, mais que isso, invasivas: 

 Ele disse que o lado positivo da debandada industrial é a existência de muitas áreas potencialmente aproveitáveis não só para a instalação de equipamentos públicos que melhorem a qualidade de vida da população, mas também para a formação de conjunto de alternativas econômicas encontradas mais facilmente em São Paulo. Borja citou áreas de saúde, turismo, cultura e tecnologias de ponta como factíveis de sensibilização de investimentos.  

Vamos retomar, aos poucos, mais significados historicamente desprezados do projeto Santo André Cidade Futuro. Uma empreitada naquela Santo André que vinha de uma brutal desindustrialização, mitigada mas não encerrada no novo século.  

A rarefação do emprego industrial no ambiente de Santo André e da região deveria servir de objeto emergencial a políticas públicas. O prefeito Paulinho Serra, um dos sucessores de Celso Daniel, prefere a mediocridade de políticas partidárias e eleitorais que incluem até a tomada do Esporte Clube Santo André.  



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