Não sei que sentimento os rotarianos vão destilar ao tomarem conhecimento do que está circulando na praça regional, especialmente na praça de Santo André.
Santo André, como se sabe ou deveria saber, é uma cidade em que o autoritarismo oficial ganhou densidade diante da fragilidade da oposição e da adesão em massa de boa parte da mídia a uma narrativa articulada para confundir.
Santo André é um dos lugares do planeta em que o autoritarismo vira opinião publicada.
Não sei o que os rotarianos poderão dizer, mas é bom que saibam, se já não souberem, que estão colocando o prefeito Paulinho Serra como “governador” do clube de serviços. A candidatura a governador do Estado, como se vê, virou anedota política.
EXEMPLOS FLUVIAIS
A mídia regional está aí nos arquivos da internet para comprovar que há algo de extrema gravidade política a ser explicado.
Como pode cultuarem tanto a possibilidade de Paulinho Serra candidatar-se ao governo do Estado, ou a vice-governador, dependendo da temporalidade da abordagem, e, de repente, candidaturas praticamente definidas, o tucano não aparece em noticiário algum? Virou pó. Caiu de quatro, numa linguagem esportiva muito utilizada nesta segunda-feira pós-massacre.
Estou cada vez mais me encaminhando a uma certeza avaliativa que não pretendia expor quando vejo Paulinho Serra iniciando o sexto ano de dois mandatos.
ESPERANÇA DE MELHORA
Acreditava que Paulinho Serra poderia ser, apesar de fundas diferenças, espécie de Celso Daniel redivivo. Vou explicar antes que me chamem de louco.
Celso Daniel foi um prefeito medíocre na primeira gestão, entre 1989 e 2002. Dominado por facções radicais, que compunham uma franja do petismo em Santo André, Celso Daniel cedeu inclusive à vontade de um dos irmãos receptivo à mulher, tornando-a rebelde secretária de Educação por algum tempo. O rompimento perdurou até o assassinato.
Celso Daniel sofreu as consequências de um PT ainda rebelde demais para a tradição conservadora de uma Santo André oligárquica e que tinha nos acordos sempre longe dos holofotes com os empresários de transporte público as empreiteiras de sempre.
Celso Daniel encontrou dificuldades também porque prometera, em campanha, combater os transportadores de gente que não eram assim tão éticos quanto alguns herdeiros disseram à mídia em geral pós-assassinato de Celso Daniel. Celso Daniel comandava um PT estatizante e tudo o mais.
DANDO A VOLTA
No segundo mandato, a partir de janeiro de 1997, após eleger-se deputado federal, Celso Daniel iniciou reviravolta até que, morto em janeiro de 2002, consolidou-se com ampla vantagem o maior prefeito regional da história do Grande ABC.
Não foi o maior prefeito municipal porque a comparação exigiria estudos profundos, mas, sob o ponto de vista de integração de Santo André à regionalidade e a um novo modelo econômico, sem dúvida está muito à frente de antecessores e de sucessores.
Dos antecessores porque, sempre é bom acrescentar, o fantasma da desindustrialização não se prenunciara fortemente. Houve tempos em que 50% do orçamento destinavam-se a investimentos. Santo André era um canteiro de obras permanente.
CONDOMÍNIO DIFUSO
Esperava-se que Paulinho Serra fizesse deste que é o segundo mandato um cavalo de pau na gestão de Santo André, porque fora medíocre nos primeiros quatro anos. E o que vejo com clareza solar é que lhe meteram goela abaixo um Cavalo de Troia.
A gestão de Paulinho Serra virou o que chamaria de condomínio de interesses difusos de matizes político-eleitorais. Há gente de todos os quadrantes ideológicos e pragmáticos, por assim dizer.
A gestão de Paulinho Serra está recheadíssima de petistas. Tudo pelo controle autoritário da gestão pública, que se espalha às principais instituições do Município. É um poder monolítico. Quanto mais monolítico ante os interesses da sociedade, mais corrosivos ao futuro do Município.
COMO EXPLICAR?
Não pretendo entrar para valer no mérito de Paulinho Serra ter-se dobrado a uma infinidade de interesses que inclusive se entrechocam porque a gulodice geral é exagerada. Não é esse o caso hoje.
O que vale mesmo neste momento é tentar entender por que o prefeito de Santo André desapareceu dos radares eleitorais. Cadê a candidatura a governador ou a vice-governador? Cadê o cacique Gilberto Kassab que supostamente o apadrinhou e o deixou na mão?
Enquanto Paulinho Serra estatela-se no tablado eleitoral e faz das tripas coração para não perder a mão que embala a candidatura da mulher à Assembleia Legislativa, seu vizinho e adversário político, o também tucano Orlando Morando, nada de braçadas.
REVERSO DO VEXAME
A candidatura de Morando a governador está fora de cogitação não porque o outro lado o ignorou ou o desprezou. Diferentemente disso. O outro lado, do tucano Rodrigo Garcia, o homenageou exatamente no dia em que assumiu o Palácio dos Bandeirantes e anunciou candidatura ao governo do Estado.
Tanto é verdade que Rodrigo Garcia visitou pessoalmente Orlando Morando. Eles se entenderam quanto à decisão de Orlando Morando preferir seguir no Paço de São Bernardo. Aliás, nada diferente do que se imaginava, diante da instabilidade (por assim dizer) do tempo e da temperatura eleitoral no Estado.
Orlando Morando foi um diplomata da política. Em nenhum instante fez qualquer menção a uma das facetas de preferir continuar prefeito, ou seja, o horizonte aparentemente sombrio para o candidato indicado por João Doria. Preferiu mencionar uma pesquisa junto à população, que o teria comovido a ficar onde está, sob o peso alternativo de ser considerado traidor do eleitorado que o elegeu pela segunda vez.
MULHER VALORIZADA
Mais que isso: valorizou o passe da mulher, deputada em primeira legislatura, sugerindo a possibilidade dela sim, não ele, formar chapa majoritária do PSDB em São Paulo, ao lado de Rodrigo Garcia. Do outro lado, a mulher de Paulinho Serra ganhou vaga num partido auxiliar do PSDB onde possivelmente terá uma banda larga político-ideológica, inclusive com o PT, para buscar cadeira legislativa.
Entenderam a dinâmica que coloca Orlando Morando e Paulinho Serra em polos distintos?
Praticamente da mesma idade cronológica, Orlando Morando é politicamente a experiência na juventude. Paulinho Serra é politicamente a esclerosa precoce na juventude.
COMANDANTE E NÁUFRAGO
Orlando Morando tem como sustentação da carreira a garantia de que não está submetido à vontade de qualquer agrupamento político, empresarial ou institucional além da natural navegação em águas democráticas de entendimento.
Paulinho Serra deve ter percebido que é um náufrago político. Flertou e se deixou dominar por inúmeras facções de um negócio chamado disputa eleitoral e futuro pós-prefeito.
Paulinho Serra está submetido a um torniquete de articuladores hábeis que o colocam como suposta liderança do processo, mas cujos resultados e nuances frustram quem imagina que o comando é mesmo articuladamente concentrado em quem foi eleito pela população.
Aliás, uma senhora eleição quando se observam os números (48% dos votos disponíveis), mas cuja estrutura avassaladora só foi possível porque se vendeu a alma da própria gestão.
CONTROLE MONOLITICO
A falta de competidores em Santo André transformou a Prefeitura num amontoado de sanguessugas. Eles se acotovelam em busca de nacos subtraídos da população. Os bons quadros também existem, mas são submetidos ao domínio político-eleitoral que geralmente não faz rima com qualidade administrativa.
Ainda mantenho nesga de esperança de que Paulinho Serra possa dar guinada e transpirar modernidade gerencial numa Prefeitura que não pode ser submetida indefinidamente à vontade do entorno que a sequestrou.
Exposto excessivamente por conta de um marketing mequetrefe que o coloca a cada entrevista numa espécie de comício verbal (“minha gente, nossa gente”), Paulinho Serra deve ter percebido que a vitória de 2018, da forma avassaladora que se deu, está custando muito caro à sociedade de Santo André.
O embevecimento é uma bolha curtida pelos aquinhoados da administração, mas não resiste às durezas do prélio que é longo e cansativo.
Estou preocupado com eventual reação dos rotarianos de Santo André por ter transmitido aos leitores a anedota que viceja em todos os cantos.
Certamente ou provavelmente não foi, essa anedota, uma formulação de algum rotariano, mesmo que um rotariano mordaz, porque rotariano mordaz não combina com haraquiri avaliativo de um marketing que não sai da toca para dar explicações à sociedade.
Ou seria a emenda das explicações pior que o soneto do silêncio?