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Caso Celso Daniel

DANIEL LIMA - 01/02/2022

O time do “Crime de Encomenda” enviesadamente manipulado vai ser massacrado no mata-mata do Caso Celso Daniel pelas verdades do time do “Crime Comum” ou haverá uma reviravolta nos próximos episódios a ponto de o jogo tornar-se mais equilibrado? 

Tenho minhas convicções baseadas em fatos e provas, não é uma previsão aleatória, de torcida organizada. O domínio da versão de “Crime Comum” foi acentuado ao fim da primeira semana do seriado da Globoplay. 

Essa é uma constatação a que se chega após o primeiro tempo (os dois episódios da semana que passou) de um jogo de quatro tempos.  

O segundo tempo do jogo de ida, nesta semana, com dois novos capítulos, deverá encaminhar ainda mais essa avaliação ou teremos lances não necessariamente surpreendentes, mas que podem alterar o controle do time de “Crime Comum?  

Xô AMADORISMO!  

Contra fatos, argumentos e provas só subsiste a especulação sem compromisso com a realidade, mas quem disse que o Caso Celso Daniel é para amadores, para marinheiros de primeira viagem?  

Decidi atribuir ao Caso Celso Daniel da Globoplay uma metáfora de mata-mata do futebol pela simples razão de que é inapropriado tratar cada episódio como peça independente no tabuleiro dessa obra-prima do jornalismo em forma de cinema.  

Um obra-prima de jornalismo que deveria ser aproveitada em possíveis próximos incidentes espetaculosos pelos jornalistas que se pretendem sabedores de tudo mas que não passam de escravos de terceiros manipuladores.  

O Caso Celso Daniel não é o único de derrapagem midiática, mas é o mais emblemático porque vai além do aspecto criminal. É adrenalina político-partidária pura.  

JOGO DRAMÁTICO  

A comemoração de gol em forma de depoimentos (e são dezenas de depoimentos) pode ser precipitada quando se olha cada tempo, ou o conjunto de dois episódios, sem atentar para o enredo que chegará. Uma declaração aqui, outra ali, pode ser sufocada mais adiante. O documentário é um jogo dramático em que lances de risco aparecem a todo instante.  

Daí à conclusão de que é preciso esperar pelo menos o segundo tempo do primeiro jogo de mata-mata é um passo. O que estaria reservado nos episódios três e quatro a ponto de a vantagem de “Crime Comum” ser colocada em xeque pelo contraditório de “Crime de Mando”? 

Já tivemos alguns exemplos de reviravolta no primeiro tempo desse mata-mata de dois capítulos. Quem festejou a versão de “Crime de Encomenda” num determinado trecho, viu-se frustrado em seguida. E isso vai se repetir muitas vezes. As deformações ao longo do tempo foram estruturais. Mas nada impede que, mesmo que precariamente, a recíproca seja verdadeira, mesmo que falsa.  

FESTEJO PRECIPITADO  

Querem um exemplo: quem festejou, torcendo que está pelo time do “Crime de Encomenda”, com as declarações atabalhoadas de Sérgio Gomes da Silva no primeiro depoimento à Polícia Civil, imediatamente após o sequestro, pode observar que a pressa é inimiga da perfeição e o estado emocional é um ingrediente muitas vezes contraproducente a avaliações-padrão. Os psicanalistas explicam bem essas coisas. 

Sérgio Gomes da Silva contou uma história sobre o arrebatamento de Celso Daniel que não condizia tecnicamente com o factível. O equívoco em forma de auto-heroísmo, como destacou o advogado Roberto Podval, cansou de ser publicado nos jornais e noticiado nas emissoras de televisão. E o que também se apresentou em seguida à época como correção foi praticamente ignorado pela mesma mídia da primeira versão. 

Do que se trata? Numa gravação para a televisão com um especialista em câmbio automático da Pajero utilizada por Sérgio Gomes da Silva, explicou-se em detalhes que o veículo não saia do lugar e que por isso facilitou a ação dos sequestradores.   

MANOBRA DESASTROSA 

O motorista era Sérgio Gomes da Silva, que vinha do jantar em São Paulo com o prefeito Celso Daniel. Sabe-se, porque foi assim em outros encontros semelhantes, que Sérgio Gomes sorvia taças de vinho um pouco além da conta.  

A manobra de Sérgio Gomes foi desastrosa porque neutralizou a marcha automática. Tudo foi bem explicado e reproduzido num dos episódios da Globoplay. A tese furada de que Sérgio Gomes facilitou voluntariamente o sequestro de Celso Daniel foi desmascarada. O veículo que ele dirigia perdeu a força de tração porque o câmbio automático fora desativado pelo câmbio menor, de redução, explicou o especialista.  

Quem é do ramo automotivo sabe que o especialista entrevistado pela TV Bandeirantes relatou com fundamentação técnica o que ocorrera com o veículo.  Mais que fundamentação: foi didático na gravação.  

Foi por conta do depoimento desastroso, reconhecido pelo próprio advogado de Sérgio Gomes, o criminalista Roberto Podval num depoimento emocionante à Globoplay, que, também, o Ministério Público costurou a tese do time do “Crime de Encomenda”.  

DETALHES MECÃNICOS  

O MP não atribuiu a Sérgio Gomes da Silva o pecado de desconhecer tecnicamente o veículo que usava. Preferiu a acusação de que Sérgio Gomes da Silva agira propositadamente para facilitar o arrebatamento do prefeito.  

Sérgio Gomes, em outro depoimento, foi mais realista e modesto: não passava mesmo de um motorista, no sentido simplório ou simplificado da expressão. Ou seja: não entendia nada de mecânica.  

Roberto Podval tanto quanto Luiz Eduardo Greenhalgh, destacados à época pelo Partido dos Trabalhadores para acompanharem os desdobramentos policiais e ministeriais do assassinato do prefeito, foram contundentes, enfáticos e certeiros nos depoimentos que prestaram à produtora Escarlate.  

Vinte anos depois, tempo que o time do outro lado se perdeu nas brumas de inconsistências, os dois advogados consubstanciaram as ações que realizaram e que, desta feita, ganharam espaço numa mídia importante.  

Ou alguém duvida do poder de alcance sistêmico da série documental ao longo das próximas décadas?  

ARBITRAGEM EQUILIBRADA 

O diretor Marcos Jorge e sua equipe da Escarlate transformaram o Caso Celso Daniel num grande clássico do futebol, com dois times em campo. E o sistema de mata-mata metafórico é provavelmente a melhor maneira de entender e de decifrar o que virá e o que se concluirá ao fim de oito capítulos.  

A arbitragem de Marcos Jorge e equipe é isenta, equilibrada, cuidadosa e irreparável ao se considerar o primeiro tempo do mata-mata.  

Como foi repartido em oito capítulos e como a Globoplay apresentará semanalmente dois capítulos sequenciais, nada melhor que acentuar a imagem e o sistema de mata-mata. 

Cada dois capítulos, ou seja, cada semana, significará um tempo de jogo de um sistema de disputa de quatro tempos. 

Cada jogo, para que os leigos entendam, tem dois tempos. O primeiro tempo do primeiro jogo, repito, já foi encerrado. Agora as equipes estão nos vestiários. Descansando para o segundo tempo.  

FALTA UM TEMPO 

Depois do segundo tempo, esta semana, teremos o primeiro tempo do jogo de volta. E, em seguida, o tempo final. Tudo a cada sete dias. Serão longos sete dias de pressões e especulações. Ou alguém tem dúvida de que a politização externa do seriado, já mensurável nas redes sociais, não elevará decibéis partidários?  

São quatro semanas definitivas para quem esperou 20 anos e se sujeitou a muita picaretagem, inclusive em forma de supostos documentários. Fajutos, fajutos e fajutos. São fake news em forma de cinematografia. Sem contar livros que derraparam entre outras razões porque foram colagens malfeitas de publicações imprecisas de jornais.  

No futebol não metafórico, em jogos de mata-mata, o primeiro confronto geralmente é no estádio do time que fez campanha menos produtiva em relação ao outro finalista, ou que eventualmente perdeu o sorteio de mando de jogo.  

No Caso Celso Daniel, a expectativa era de que o time mandante há duas décadas, o time do “Crime de Encomenda”, começaria com larga vantagem. Que nada.   

VERSÃO DERRAPA  

A versão de “Crime Comum”, que também muitos chamam de “Crime Urbano” saiu na frente. E muito na frente.  

“Crime de Encomenda” começou a derrapar. Comemorações antecipadas subestimariam o poder de fogo do time do “Crime de Encomenda”. Até porque, e a história está aí para ser esquadrinhada, o time do “Crime Comum” proporcionou muitas oportunidades de gol ao adversário. 

O jogo exposto pela Globoplay é de alto nível técnico e tático. O primeiro tempo dos dois primeiros episódios deixou a certeza de que a arbitragem não sofrerá nenhum tipo de contratempo. É calibradamente justa. Não distorce o resultado. Não inventa penalidade máxima. Não expulsa ninguém do campo de jogo. Não permite botinadas.  

Cabe, entretanto, aos analistas, raros no Caso Celso Daniel, decifrarem as entranhas de verdades, meias-verdades e mentiras. O lugar-comum de copiar e colar sempre dominou narrativas.  

NADA DE FAVORITISMO 

O erro da equipe do “Crime de Encomenda” que entrou em campo na telinha da Globoplay foi acreditar em favoritismo. Se não reagir, vai virar pó junto com as falácias dos 20 anos de cobertura jornalística reticente, quando não favorável à versão dos promotores criminais de que Celso Daniel foi abatido porque se revoltou com o esquema de desvios de dinheiro da Prefeitura de Santo André.  

Aliás, começaram a virar pó. Afinal, agora temos dois times em campo. O “Crime de Encomenda” não joga mais sozinho. Pode, claro, continuar a prevalecer na percepção da população, mas não resistirá à crítica especializada. Mesmo que a crítica especializada ainda saiba pouco sobre o crime.  

Os dois sinais mais robustos de que o time do “Crime de Encomenda”, de interesse do governador Geraldo Alckmin, pode sofrer um revés histórico é que alguns de seus players pararam no tempo de uma tese já contundentemente estraçalhada. Se não reagirem, babau.  

ATAQUE FRÁGIL  

O irmão do prefeito Celso Daniel, Bruno Daniel, o então secretário de Segurança Pública Marco Vinicio Petrelluzzi e o promotor criminal José Reinaldo Guimarães fugiram da raia de um ponto essencial do Caso Celso Daniel.  

Eles nem de longe tocaram num aspecto que os comprometeu como integrantes da versão de “Crime de Encomenda”. É verdade que os próximos episódios vão ser mais explícitos quanto a isso, mas, 20 anos depois, ao baterem na mesma tecla, chega-se facilmente à conclusão de que pararam no tempo. Vão mudar no segundo tempo?  

Do que se trata afinal a primeira sinalização de que esse trio do time do “Crime de Encomenda” está perdido no tiroteio das conclusões?  

Eles simplesmente evocaram com sutileza ou mais explicitamente que o prefeito de Santo André foi assassinado por conta de desvios de dinheiros. 

CAINDO EM CONTRADIÇÕES  

Ora, ora, eles todos sabem porque o tempo tratou de esclarecer tudo, que essa versão não se sustenta. Não só por causa de eventuais adversários de análise, mas por eles mesmos, especialmente o promotor criminal José Reinaldo Guimarães e Bruno Daniel.  

A versão de que Celso Daniel não sabia do esquema de arrecadação paralela e se revoltou foi a primeira iniciativa da força-tarefa do MP para levar ao público a versão opositora às evidências de crime urbano.  

Em seguida, eles mesmos foram a público revelar que Celso Daniel sabia do esquema, mas ficou revoltado porque havia desvios para o Caixa Três.  

Mais em seguida, Celso Daniel, na versão do MP, não só sabia e admitia o esquema por conta de financiamento de campanha eleitoral que colocaria Lula da Silva na presidência da República, como também participava da operação.  

Mal se deram conta que entregaram de bandeja a incongruência de crime de mando.  

RESULTADO PROJETADO 

O resultado que se projeta nesse mata-mata do Caso Celso Daniel parece cristalino no horizonte quando os três depoimentos do time do “Crime de Encomenda” seguem o ritual de 20 anos atrás. E que eles próprios sufocaram na sequência das investigações. 

Não chega a surpreender que integrantes do time de “Crime de Encomenda” estejam num mato sem cachorro, encalacrados pelo tempo e pelos fatos. Mais que isso: é compulsório que estejam no mato sem cachorro.  

Afinal, ao engendrarem a tese de “Crime de Encomenda”, simplesmente apostaram nas trevas das investigações e dos contraditórios. E se deram mal, muito mal.  

Tudo faz parte da história real. Eles só tornaram a imprecisão uma explicação convincente à opinião pública porque o governo de Geraldo Alckmin deu ordens e calou toda a força-tarefa da Policia Civil que atuou no caso em três investigações diferentes e constatou que o time do “Crime Comum” dominava todos os lances reais.  

POLICIA CONVINCENTE  

E o primeiro tempo do mata-mata da Globoplay, ou seja, os dois primeiros episódios levados ao ar na quinta-feira, revelaram a unidade avaliativa e conclusiva da força-tarefa da Polícia Civil (e mostrará provavelmente nos próximos capítulos também da Policia Federal) de que o “Crime Comum” demarcou a trajetória de Celso Daniel na Terra.  

A sequência de depoimentos de representantes da cúpula da Policia Civil de São Paulo que atuavam naquele começo de século abalado com a morte de Celso Daniel é o que poderia ser resumida como uma série de jogadas que já se afiguram como gols no mata-mata.  

Com sustentação fática baseada na experiência de investigações e sobremodo em provas, as forças policiais representadas no primeiro capítulo do documentário tornaram o time do “Crime de Encomenda” bizarro e barulhento exército de Brancaleone investigativo. Será que haverá mudança no segundo tempo?  

DESAFIOS À VISTA  

Os confrontos virtuais em forma de gravações desnudam falseadores explícitos ou implícitos da verdade dos fatos. Se os confrontos fossem presenciais, com direito a contraditórios face a face, o time do “Crime de Encomenda” teria sido duramente nocauteado. Ou há espaço que comporte resultado oposto?  

Essa mata-mata seriado tornará desafiador aos falseadores dos fatos arrancar as tatuagens informativas que os identificarão em qualquer fórum qualificado que trate de investigações criminais sustentáveis e consagradoras. A tarefa que eles têm pela frente é, portanto, desafiadora.  

Talvez nessa altura do campeonato de transparência de uma decisão típica de mata-mata os defensores da versão de “Crime de Encomenda” devam rezar para que as avarias não sejam ruinosas no imaginário popular.  

Eles contam com a nítida vantagem de que está tão cristalizada a ideia de “Crime de Encomenda” que não está fora de prumo e rumo a possibilidade de, ao fim da série documental, mesmo com esperada vitória técnico-documental-testemunhal do “Crime Comum” a plateia majoritária esteja convencida de que o VAR interferiu no resultado. É quase impossível virar o placar do jogo na população. A cultura telenovelesca torna o imaginário real. Celso Daniel é o mocinho da história, como jamais poderia deixar de ser, e seu melhor amigo, Sérgio Gomes da Silva, estigmatizado como “Sombra”, menos nobre no porte físico, cor escurecida, virou vilão. Sem dó nem piedade. 



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