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Política

DANIEL LIMA - 16/12/2021

Quem ficou em cima do muro da hesitação, do comodismo, da covardia, da cautela, de qualquer coisa semelhante ou mesmo de algo mais nobre, também perdeu na goleada imposta pelo Superior Tribunal Eleitoral (STE) hoje, ao decidir que José Auricchio Júnior é mesmo tetraprefeito de São Caetano, um ano depois de a vitória eleitoral ter virado novela propícia a todos os tipos de especulação.  

Deu sete a zero no placar na manhã desta sexta-feira. Estou inconformado porque apontei seis a um. Contrariei a mim mesmo. No fundo estava certo de que seria sete a zero.  

Tanto que sempre me referi a placar semelhante imposto pela Alemanha ao Brasil na Copa do Mundo de 2014. Mas seis a um está alí como dimensão do disparate do processo. Só não deu réplica do sete a um dos alemães porque o tribunal só comporta sete ministros. Um Marco Aurélio Mello renitentemente resistente a unanimidades, e agora aposentado no STF, teria resolvido tudo.   

Goleada ou esculhambação  

Não tinha jeito mesmo: ou a goleada se consumava de forma expressiva ou informações precedentes em forma de evidências e provas materiais não teriam valor algum quando se tratasse de Justiça Eleitoral ou de qualquer tipo de instância colegiada cujo corregedor-geral é também relator.  

O que o ministro Luiz Roberto Barroso fez hoje de manhã, e o que se seguiu com os demais magistrados, não passou de uma gravação em múltiplas vozes e argumentos conexos das razões que determinaram a condução legal de José Auricchio Júnior ao cargo conferido pelos eleitores de São Caetano.  

Em suma, o dinheiro denunciado como irregular que entrou na conta da campanha de 2016 em forma de doação teria sido à revelia do prefeito eleito naquela disputa. A Justiça Eleitoral, nas palavras de Barroso, prefere sempre prestigiar a legitimidade a salvo de picuinhas. O ministro Barroso não usou esses termos, mas quis dizer isso quando chutou para escanteio as alegações dos denunciantes.  

Demora demais  

Não tenho conhecimento físico do processo e mesmo se o tivesse não teria o que fazer, porque não sou especialistas em Justiça Eleitoral. Entretanto, creio em razões suficientes de que há escassez de elementos que ligariam o prefeito eleito em 2016 e doadoras ilegítimas, sem respaldo econômico-financeiro. Mas que a situação posta remete a probabilidades de manobras no futuro, não há como negar. Uma jurisprudência estaria a caminho.  

Por isso mesmo é que fico encafifado com a demora à resolução do problema. Exatamente um ano depois, o STE chega à conclusão de que tomaram na mão grande da manipulação um quarto do mandato de Joé Auricchio Júnior. 

Dessa forma, Auricchio se torna tetraprefeito menos tetraprefeito que outro tetraprefeito da região, no caso o petista José de Filippi Júnior, de Diadema, que emplacou o quarto mandato de forma integral.  

Estava tão na cara que José Auricchio ganharia a parada que não faltaram nos últimos tempos uma mais que desinibida movimentação do então ex-prefeito e prefeito cassado por endereços de visibilidade em São Caetano.  

Hão de convir os eleitores e leitores que não é praxe entre os que se sentem acuados participar de eventos juntamente com fieis correligionários. Quando a vaca vai para o brejo ou já está no brejo, o que mais se pretende mesmo é fugir de qualquer coisa que lembre gente, porque línguas de trapo não faltam quando se está na fogueira de reputação chamuscada. Submergir socialmente é uma virtude dos agredidos, dos contrariados e dos alvejados.  

Aliás, a visibilidade dos últimos tempos de José Auricchio contrastava com a mudez e a discrição de Fabio Palacio, concorrente principal nas eleições de novembro que chegou em segundo lugar e que estava por assim dizer na bica por um revés de Auricchio.  

Conselhos influenciadores  

Palacio possivelmente tenha chegado à conclusão de que terá de esperar mais um mandato de Auricchio para exibir musculatura rumo ao Palácio da Cerâmica. Sem contar, entretanto, que Tite Campanella ganhou força na interinidade, independentemente do desempenho que tenha tido, com aplausos e contestações. Notabilidade e notoriedade são quase que irmãos siameses na política.  

Quando se trata de disputa eleitoral em São Caetano é preciso ficar atento. Não há nada que se assemelhe à cultura municipalista da cidade de perfil econômico e social mais equilibrado do Grande ABC. Há entranhamento extraordinário de supostos formadores de opinião e tomadores de decisão em São Caetano. 

Vou tentar explicar rapidamente. Há três dezenas de conselhos comunitários em plena atividade em São Caetano. Cada conselho é composto por inúmeros moradores, com ramificações diretas ou indiretas no Paço Municipal. É gente que praticamente controla a opinião publicada em São Caetano. O que não significa que seja controle da opinião pública. 

Pública e publicada  

Entre opinião pública e opinião publicada existe grande distância. A primeira é dominada pelos formadores de opinião, elite da sociedade. A segunda é do conjunto da população propriamente dito.  

Se opinião publicada fosse opinião pública, o tetraprefeito José Auricchio Júnior não teria tido apenas 42% dos votos válidos em São Caetano em novembro do ano passado. Os números seriam muito mais caudalosos.  

Há, como se observa, descolamento entre uma coisa e outra. Mas não existe uma coisa que se sobreponha a outra coisa. Ou seja: Fabio Palacio ou quem quer que seja ainda não desenvolveu embocadura de sustentação à reviravolta do eleitorado. Algo que o catapulte a favoritismo teimosamente negado. 

Há certa uniformidade socioeconômica em São Caetano, que comporta a maior parcela de ricos e classe média do Grande ABC, e também a menor participação relativa de pobres e miseráveis. Por isso, a resiliência é maior.  

Controle do Executivo  

Tanto que neste século, como se o século passado não fosse suficiente, São Caetano cai pela tabela no PIB dos Municípios. O setor industrial viveu um terremoto. Mas o ajuste populacional quase intocável em quantidade, de 160 mil almas, e a excessiva evasão da População Economicamente Ativa, que procura a Capital e municípios da região para trabalhar, torna o capital social menos sujeito a chuvas e tempestades.  

É aí que os conselhos comunitários, muito bem concatenados por quem está no poder, entram em campo e dão de goleada na opinião pública mais severamente crítica.  

Por essas e outras, qualquer debate que se coloque no gramado esburacado do processo eleitoral tumultuado em São Caetano precisa considerar muito mais que o vetor político, mas também o conjunto da obra sociológica, por assim dizer.  

São Caetano, em suma, tem um Poder Executivo fortíssimo como condutor dos destinos da sociedade local. Para o bem e para o mal.  



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