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Economia

DANIEL LIMA - 10/12/2021

Acabamos de medir o tamanho do rombo do casco do navio da perda de emprego industrial no Grande ABC nos anos mais terríveis depois da última década do século passado, quando perdemos 100 mil trabalhadores industriais com carteira assinada. Entre janeiro de 2015 e dezembro do ano passado (os dados são oficiais, do Ministério do Trabalho, mas a análise é nossa) foram destruídos 62.161 postos de trabalho. Uma hecatombe que equivale a 22 fábricas da Ford, que deixou São Bernardo em 2019.  

Não é exagero dizer que uma bomba foi atirada no tormentoso território do Grande ABC no período que corresponde à recessão contratada pelo governo petista de Dilma Rousseff, que passou pela recuperação pífia do governo de Michel Temer e chegou também com números baixíssimos do governo Jair Bolsonaro, e inclui os efeitos do primeiro ano dos estragos provocados pelo Coronavírus.  

Entretanto, é um erro crasso debitar todos os problemas do setor industrial ao que os economistas chamam de fatores exógenos, no caso à região. Também carregamos muita culpa no cartório. 

Começo de tudo  

Tudo começou para valer nos anos 1980, quando se iniciou a guerra sindical, passando em seguida por guerra fiscal, pelo desalmado elitismo do governo Fernando Henrique Cardoso e por vários outros pontos de afundamento, inclusive a construção excessivamente restritiva à acessibilidade do trecho sul do Rodoanel. Chegamos ao fundo do poço ou esse poço não tem fundo?  

É por essas e outras que defendemos a construção do Pacto pela Governança Regional tendo a Economia como carro-chefe.  

Ou o Grande ABC se organiza ou novas manchetíssimas como a de hoje vão se repetir, porque já se repetiram no passado nas páginas de LivreMercado/CapitalSocial.  

Contra os interesses  

Nunca foi fácil enfrentar o terrorismo de gente recalcitrante, quando não retaliadora, que não quer ver a verdade revelada. E muito menos analisada. Essa gente é unida para perseguir, mas desunida para revolver.  

Pegamos mais uma vez carona na debandada da Ford para projetar a perda de empregos industriais no Grande ABC. A referência choca porque é preciso que choque mesmo. 

Fizeram tanto barulho com a notícia que dava conta da retirada da fábrica norte-americana como se o Grande ABC e particularmente São Bernardo já não tenham sido impactados por muitos empregos industriais destruídos ao longo dos anos. 

A conta que fiz para chegar à conclusão de que são 22 fábricas da Ford que debandaram nos últimos seis anos leva em consideração que aquela unidade desativada às margens da Rodovia Anchieta contava com 2,8 mil trabalhadores diretos. Gente de chão de fábrica e de gabinetes, de executivos de várias áreas.  

Mais com FHC  

A menos de 10 dias dos festejos de fim de ano, período que marca o recesso produtivo no Brasil, vamos procurar destrinchar mais dados sobre as durezas do prélio de queda do emprego formal na região, além do industrial.  

Mas não há como deixar de centralizar fogo nos seis anos de recessão intermitente no País e particularmente no Grande ABC.  

Não são pouca coisa mais de 60 mil carteiras assinadas dizimadas num território que parecia ter chegado ao extremo da perda de mão de obra durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando foram eliminados 85 mil postos de trabalho.  

O governo FHC especializou-se em soterrar pequenas e médias empresas industriais da região. Completou o serviço do sindicalismo brutal que botou pequenas e grandes indústrias no mesmo saco de exigências.  Como se os custos relativos da mão de obra e de outros indicadores de cesta básica de competitividade fossem equivalentes na estrutura de custos.  

Falso dourado  

A recuperação econômica do Grande ABC durante os anos dourados mas insustentáveis de Lula da Silva, principalmente no segundo mandato, não passou de brisa ante a tempestade histórica. Há quem pegue o período de Lula da Silva, de exceção, como regra de suposta perda cíclica do emprego industrial. Ou seja: sugere-se que perder empregos industriais é algo passageiro, logo superado pelos ganhos de empregos industriais. Há cegueira ideológica em proposições assemelhadas.  

A degringolada industrial do Grande ABC, que embute não só perda de emprego formal, mas muito Valor Adicionado, de PIB Industrial, não é obra do acaso. Vem de longe e impunemente. Não fomos capazes de criar barreiras de contenção nas áreas de serviços, de baixo valor agregado. Tanto que os salários médios de trabalhadores de serviços são em média 30% mais em conta.  

Capital exemplar  

A Capital do Estado, vizinha e imponente, tem cada vez menos participação industrial no PIB e nos empregos do setor. E nos dá um banho de bola em crescimento geral. Não faltam endereços de médios e grandes municípios paulistas que seguem avançando. O G-22 que construímos mostra isso. 

O estoque de emprego industrial em dezembro do ano passado no Grande ABC (período de extremo oposto da calibragem quantitativa desde artigo, que é janeiro de 2015) caiu para 176.561 postos de trabalho. Exatamente 62.161 abaixo de dezembro de 2014, que registrava 238.722. O resultado de 2014 era bem acima da herança deixada por FHC, mas não resistiu às intempéries e tornou-se inferior em 2020.   

No cômputo gera do desempenho do emprego industrial no Grande ABC nos seis anos analisados, a queda média é de 26,03%. Ou seja: de cada 100 trabalhadores que constavam da folha de pagamento nas fábricas, 26 foram demitidos.  

A situação mais grave se registrou em São Bernardo e em São Caetano, praticamente empatadas em viuvez industrial com queda semelhante de pouco mais de 28% do estoque acumulado ao longo dos tempos.  

Os números de São Bernardo e de São Caetano estão um pouco acima de Santo André, que também acusou duros golpes, mesmo tendo o setor industrial cada vez menos relevante em emprego e em Valor Adicionado.  

Menos participação  

A participação do emprego industrial no conjunto de trabalhadores do Grande ABC esvai-se a cada nova temporada. Em 2014, eram 29,15% trabalhadores na indústria de transformação para cada 100 empregados com carteira assinada em todos os setores – comércio, serviços, construção civil, administração pública – enquanto em dezembro do ano passado passou para 24,36%.  

São 4,79 pontos percentuais de diferença, ou 16,43%. Não é pouca coisa para uma atividade que segue como carro-chefe de desempenho econômico.  

Santo André é o Município do Grande ABC que conta com a menor fatia de trabalhadores industriais em relação aos demais. São apenas 12,24%, resultado dos 24.722 postos industriais em confronto com os 201.916 de todos os setores.  

O índice de participação do emprego industrial em relação ao conjunto de empregos é mais expressivo em São Bernardo, com 27,81%. São 68.641 empregos nas fábricas ante 246.846 do total.  

São Caetano em segundo  

São Caetano já foi o Município com menor emprego industrial relativo ao total, mas Santo André o superou. O índice de São Caetano é de 18,23%, resultado de 18.879 empregos industriais ante 103.581 no total.  

Os demais municípios da região dependem mais da força industrial: Diadema conta com 44,16% do total de empregos em todos os setores, Mauá com 30,59%, Ribeirão Pires com 31,60% e Rio Grande da Serra com 30,16%. Nos anos 1970, o Grande ABC registrava mais de 80% de empregos gerais no setor industrial.  

Veja o comportamento do emprego industrial formal no Grande ABC nos 60 meses a partir de janeiro de 2015. Quando forem revelados os dados desta temporada teremos, provavelmente, a “inauguração” de uma ou duas, quem sabe três fábricas da Ford. É muito pouco. Nosso fôlego industrial é tão curto quanto incendiador da qualidade de vida de quase três milhões de habitantes.  

Município por Município 

Alguns pontos de iluminação aqui e acolá não nos tiram de uma penumbra alucinadora. Ou achamos uma ou mais variáveis à recomposição econômica, independentemente da indústria, ou seguiremos brejo adentro.   

1. Santo André contava em dezembro de 2014 com 33.439 trabalhadores industriais. Em dezembro de 2020 contabilizava 24.772. Perda líquida de 8.667 postos de trabalho, equivalente a 25,92% do estoque acumulado. 

2. São Bernardo contava em dezembro de 2014 com 92.211 trabalhadores industriais. Em dezembro de 2020 contabilizava 68.641. Perda líquida de 13.570 postos de trabalho, equivalente a 28,67% do estoque acumulado. 

3. São Caetano contava em dezembro de 2014 com 26.410 trabalhadores industriais. Em dezembro de 2020 contabilizava 18.879. Perda líquida de 7.531 postos de trabalho, equivalente a 28,52% do estoque acumulado.  

4. Diadema contava em dezembro de 2014 com 53.028 trabalhadores industriais. Em dezembro de 2020 contabilizava 36.982. Perda líquida de 16.046, equivalente a 30,26% do estoque acumulado.  

5. Mauá contava em dezembro de 2014 com 24.099 trabalhadores industriais. Em dezembro de 2020 contabilizava 19.735. Perda líquida de 4.365, equivalente a 17,80% do estoque acumulado. 

6. Ribeirão Pires contava em dezembro de 2014 com 7.968 trabalhadores industriais. Em dezembro de 2020 contabilizava 6.544. Perda líquida de 1.424, equivalente a 17,87% do estoque acumulado. 

7. Rio Grande da Serra contava em dezembro de 2014 com 1.567 trabalhadores industriais. Em dezembro de 2020 contabilizava 1.058. Perda líquida de 509, equivalente a 32,48%.  



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