Clique aqui para imprimir




Esportes

DANIEL LIMA - 06/12/2021

O Grande ABC conta nestes tempos de futebol como sinônimo de negócios com quatro grandes equipes, consideradas pequenas-grandes, pequenas-médias e pequenas-pequenas quando se tem o calendário e a história do futebol brasileiro como referências. Três desses times (Santo André, São Bernardo e Água Santa de Diadema) vão disputar a Série A-1 do Campeonato Paulista da próxima temporada. O São Caetano passa por rigorosa reformulação que sugere voltar a brilhar. Com tudo isso, não tem mais sentido o futebol do Grande ABC ficar à sombra dos grandes times da Capital.  

Para lidar com a realidade nua e crua, até se admite que as quatro equipes fiquem à sombra dos grandes times da Capital, mas não podem ficar à sombra dos grandes times da Capital inclusive no próprio quintal do Grande ABC -- e de forma tão passiva. É preciso reagir.  

É o que estamos vivenciando na política, com Paulinho Serra e Orlando Morando invadindo searas do Estado e da União, articulando movimentações que os credenciam a um jogo político mais bem jogado, quem sabe com resultados econômicos e sociais indispensáveis? 

Goleada em casa  

A diferença entre uma coisa (estar à sombra) e outra (sair da sombra regional) é abissal. Não tem sentido o quarteto perder de goleada e sem reação o jogo interno para os times grandes da maior Capital da América Latina. Está na hora de levantar os mastros. E aproveitar o embalo do próximo campeonato.  

O ideal é que todos saiam a campo com um mote de participação das três equipes da região na maior competição estadual do País – e no noticiário que dá conta de que o São Caetano abandonou de vez o período de derrotas após derrotas e conta com novo investidor. A fase-Ibis do São Caetano parece encerrada.  

Contar com três equipes na Série A-1 Paulista é uma situação que se repete pela segunda vez na história do profissionalismo regional. A primeira foi em 2012, quando Santo André, São Bernardo e São Caetano dividiram a responsabilidade de representar a região. O Santo André foi rebaixado.  

Pela segunda vez  

Neste século esta é, portanto, a segunda vez que temos um trio na Série A-1. Já imaginaram na próxima temporada a região contar também com o São Caetano, sem rebaixamento algum?  

O novo presidente do clube-empresa, Manoel Sabino Neto, assegura que novos tempos virão. Numa entrevista ao Diário do Grande ABC de hoje ele faz abordagens interessantes. Cuidaremos disso em outro artigo.  

Três equipes em 12 participantes já é expressiva participação relativa no Estado. Tanto quanto a Capital, desconsiderando-se o Santos que é da Vila Belmiro e do mundo. Quatro então, sai de baixo. Quantidade incrementa a qualidade se houver plano de voo. Nada que deva ser confundido com a eliminação do combustível do futebol em forma de rivalidade. Um remédio que vira veneno quando levado para fora do gramado.  

Puxando os demais  

Talvez por ser o mais tradicional, contar com a maior torcida e ser o único clube associativo do quarteto, o Santo André possa iluminar o futuro do futebol do Grande ABC. Por ter mais embocadura, o Santo André pode trilhar um caminho que os demais compulsoriamente seguiriam, embora já tenham adotado recortes distintos em forma de clube-empresa.   

Trata-se de um paradoxo a potencial liderança do Santo André. O clube é o primo-pobre do futebol da região quando se leva em conta as quatro maiores forças. Vive da escassez financeira que, em resposta, aguça a criatividade e a competência. Mas tudo tem limites.  

O Santo André tem um orçamento baixíssimo para a Série A-1 e disputa de vez em quando, apenas de vez em quando, o calendário nacional, no segundo semestre, quando consegue vaga na Série D do Campeonato Brasileiro. Foi o caso desta temporada.  

Mais que o esperado  

O Santo André tem uma especialidade admirável: quando menos se acredita no que p0de fazer dentro de campo, mais faz dentro de campo. Falta fazer fora de campo. E esse fazer fora de campo, que refletiria no fazer dentro de campo com mais brilho, parece já ter data marcada.  

O Santo André é o melhor endereço esportivo da região para lançar uma campanha de valorização do produto chamado futebol junto aos consumidores locais. Isso não quer dizer que os demais estão fora do jogo.  

“Um time de muitos, um time de todos” é um mote providencial que revelaria o sentido de uma reestruturação do futebol da região de olho na nascente e promissora avalanche de clube-empresa, agora que chegou a SAF, a Sociedade Anônima do Futebol, modalidade legal que rebaixa custos tributários por um bom tempo, entre outras vantagens a investidores e empreendedores.  

Momento especial  

A SAF chega no momento certo e ganhará incremento na medida em que, como já ocorre, vários clubes brasileiros, inclusive entre os 12 maiores, já se consolidam na iniciativa ou dão os primeiros passos. Atlhetico Paranaense, Vasco, Botafogo, a lista começa a crescer. O América de Minas também está incluído entre os novos clubes-empresa.  

O Santo André decidiu preliminarmente que vai aderir à SAF. Providência esperada, porque sem a SAF o Santo André tem adiante, no futuro próximo e distante, um grande ponto de interrogação.  

O modelo associativista do Santo André se dissolve na medida em que perde memória e o trabalho coletivo mais robusto com a morte biológica de importantes conselheiros e torcedores.  

O Santo André está exposto cada vez mais ao olhar crítico de associados do clube plantado no Parque Jaçatuba. Há um choque cultural entre o Santo André do futebol e o Santo André dos associados, porque o primeiro veio muito antes do segundo. Não existe ganhos sistêmicos esperados. 

Parceiro de qualidade  

É preciso buscar um parceiro empresarial de qualidade que reforce a marca longeva. Um parceiro que entenda do riscado. Nada de sonhar com o improvável modelo do Bragantino, de Bragança Paulista, incorporado pelo Red Bull.  

Mas é indispensável que seja uma combinação de especialistas em formar jogadores, vender jogadores, produzir receitas e na soma de todos os fatores, sustentar a equipe em posições satisfatórias nas competições com consequentes ganhos locais em imagem e institucionalidade.  

A São Caetano dos primeiros anos deste século do Azulão e a Santo André de período semelhante com o Ramalhão campeão da Copa do Brasil contavam com mais autoestima dos moradores. É assim que funciona essa máquina invisível de progressão econômica e social.  

De muitos e de todos  

Há ganhos intangíveis do Santo André forte no futebol. Ganhos de marketing e da marca Santo André. Imaginem Bragança Paulista sem futebol e, agora, principalmente, sem o Red Bull. Quem a encontraria com destaque no mapa de qualquer coisa relevante? Bragança Paulista deixou de ser a terra da linguiça para virar o paraíso de uma multinacional de futebol.  

Um time de muitos, um time de todos é a síntese do mote que o Esporte Clube Santo André precisa utilizar para tornar a negociação da SAF um lance de sucesso. Virar clube-empresa é situação irreversível para quem não quer se tornar estatística de apequenamento ou desaparecimento no mundo do futebol. Tanto que o Santo André já foi um time pequeno-grande do futebol brasileiro. Hoje é um time pequeno-médio mais por conta do histórico do que pelo desempenho nas últimas temporadas. O São Caetano também é um pequeno-médio na escala nacional. Água Santa e São Bernardo são pequenos-pequenos.   

Mais que uma cidade  

A paixão pelo azul e branco do Santo André não deve ter as digitais do conservadorismo de dirigentes voluntários. Clube-empresa não é o abracadabra que resolve tudo, mas pode, se bem aplicada a legislação, perpetuar com glórias uma marca que vem do século passado.  

Possivelmente o Santo André tenha sido bafejado pela sorte de resistir à modalidade de clube-empresa sem a SAF, depois da experiência de cinco anos com a Saged. Agora há indícios de que a regulamentação da atividade empresarial com ferramental jurídico garantista a investidores tornará o Santo André objeto de interesses sólidos.  

O controlador do Santo André, que vai adquirir a responsabilidade de dar ao clube o desempenho que a proximidade com a Capital exige, ou seja, um destaque razoável, precisa entender que vai administrar uma agremiação inserida num Município de quase 800 mil habitantes e que, por situar-se no Grande ABC, conta potencialmente com quase três milhões de habitantes.  

Os demais grandes times domésticos do Grande ABC também não podem perder essa perspectiva de municipalismo encorpado pelo regionalismo. A subjetividade de pertencimento regional envolve o equivalente a mais da metade da população do Uruguai. E é disso que se trata “um time de muitos, um time de todos”. 

Segundo de muitos  

Qualquer pesquisa sobre preferência clubística dos moradores do Grande ABC vai colocar os times grandes da Capital nos primeiros lugares. Os times locais vão aparecer lá embaixo, como coadjuvantes. Menos o Santo André, mas também o Santo André.  

Entretanto, quando se acrescentar à pesquisa a pergunta sobre qual é o clube regional do coração do torcedor de Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos, nossas agremiações ganharão visibilidade.  

Nenhum instituto especializado foi a campo ainda com esse tipo de questionamento. Os dirigentes dos quatro grandes clubes da região devem brigar por isso. As agências de publicidade e o marketing de grandes empresas levariam muito em conta essa realidade subjugada pela desproporcional cobertura da mídia.  

Camisa dividida 

Já se foi o tempo em que sugerir que se dividisse a camisa do Santo André soava heresia. Em 18 de março de 1984, estava Editor de Esportes do Diário do Grande ABC quando utilizei essa expressão “camisa dividida”, num texto preparado pelo saudoso jornalista Luiz Carlos Sperandio, um apaixonado pelo Ramalhão.  

O título “Camisa dividida controversa não seduz torcedores do Ramalhão” possivelmente não teria vez nestes dias. É a antítese de “um time de muitos, um time de todos” que, acredito, tenha boa guarida junto aos torcedores do Santo André e dos outros três grandes da região. Reproduzo alguns trechos daquela matéria que já completou 37 anos de edição. Leiam:  

 Quem faz parte da pequena parcela de torcedores que comparece ao Bruno Daniel exibindo, na mesma camisa, o escudo do Santo André e de qualquer outra equipe grande de São Paulo? Eles não são muitos. Não somam 0,1%, tendo como base o jogo de domingo passado contra o Operário: 12 camisas divididas entre os 12.644 torcedores. e apesar de minoria absoluta, esses torcedores de todas as idades estão criando novo tipo de torcida do Santo André. Explica-se: não seriam de certa forma fiéis radicais, a ponto de querer exibir uma nova paixão, sem, no entanto, esconder o amor antigo? Essa espécie de cultores à bigamia esportiva é, na verdade, nova vitória do Santo André que está invadindo terreno alheio e trazendo ao Bruno Daniel gente que, no mesmo horário, poderia estar no Morumbi, Canindé, Parque Antártica ou Vila Belmiro.  

Mais camisa dividida 

 As outras duas torcidas do Santo André são conhecidas de longa data. O primeiro grupo foi nascendo junto com o clube, em 1968. É formado por torcedores que têm no Santo André o segundo clube do coração. Afinal, todos eles já morriam de amores por Corinthians, Palmeiras, Santos, São Paulo, e até mesmo a Portuguesa, que aos poucos vai trocando com o próximo Santo André à condição de quinta força nas bilheterias paulistas. E depois surgiram os andreenses autênticos. Apesar do noviciado, o Santo André já pode afirmar que possui torcida própria, desvinculada das equipes tradicionais. E entre esses torcedores, muitos que viviam a primeira infância em 1977 e 1978, e que foram habilmente catequizados pelas campanhas inovadoras de Reinaldo Toledo.   

Mais camisa dividida  

 Foi a época em que o ex-dirigente visitou escola por escola do Município para entregar ingresso gratuito para as crianças. Os alunos que iam ao estádio acompanhados pelo pai ou responsável, voltavam orgulhosos por ter ganho uma camiseta, pôster, flâmula, bandeira do Santo André. O ego da criança se satisfez; ela se sentiu importante e hoje, em sua maioria absoluta, não troca o Santo André por time nenhum. Prova de que é o Santo André quem invade a área adversária é dada pelo corintiano José Alves de Lima, também conhecido por Bahia na equipe de futebol do Semasa. Bahia diz que resolveu adquirir a camisa em dezembro: “Fui comprar uma do Corinthians bicampeão. Mas quando vi essa do Corinthians e do Santo André, não tive dúvidas. Desfilei com ela pelas ruas de Alagoas, para onde viajei no fim do ano, e foi a maior glória, bacana mesmo. E não sou só eu. No meu bairro (Vila Linda) muitos amigos possuem camisas do Santo André junto com São Paulo e Santos”. E esse nordestino de 46 anos garante que no confronto direto, é Santo André: “Olha, assistir ao vivo, não aguento. Mas fico com o radinho ligado lá em casa e torço para o Santo André”.  

Mais camisa dividida 

 (...) Adilson Zanichelli, 27 anos, morador na Vila Humaitá, não tem dúvidas em torcer para o Santo André num confronto direto com o seu São Paulo: “Sou tricolor desde que nasci mas passei a amar o Santo André também. Principalmente depois que subiu para a Primeira Divisão”. E Adilson responde no pé da letra sobre a duvidosa combinação de cores em sua camisa listrada – vermelho, preto e azul – no pano de fundo para os escudos: “Gosto é gosto. O que seria do vermelho se todos gostassem do amarelo?”. Sérgio Gouveia, 25 anos, se diz hoje mais andreense que são-paulino. Garante que seu novo amor está sedimentado em viagens pelo Interior, durante a Segunda Divisão, em brigas com torcedores do Aliança, fatores – segundo ele próprio — suficientes para ter hoje o Santo André como primeiro time.  

Mais camisa dividida   

 (...) José Carlos Marinho compareceu ao jogo com uma camisa que se está familiarizando na região afora – vermelha do vôlei da Pirelli. Não uso a do Santo André nem a do Corinthians. E nunca usaria uma dividida: “Acho feio, não dá presença. Ou o cara se veste de San o André ou de Palmeiras. Os dois juntos não dá”. Marinho reside na Vila Lucinda, tem 27 anos e, num confronto direto com o Corinthians, garante que nem vai ao estádio: “Fico em casa dormindo. Só acordo depois do jogo para saber do resultado. Não sou masoquista, né…” E o que fala Hilário Bosísio, italiano da Mooca, que relegou o Corinthians a segundo plano, depois que se instalou com uma vendinha em Santo André? Pois Hilário aprova: “É melhor que o torcedor venha com camisa dividida do que sem o distintivo do Santo André. De qualquer maneira o torcedor está divulgando o time de lá e o time daqui também. Eu aprovo”.  

Mais camisa dividida 

 Para Fernando Leça, deputado que não perde jogo do Santo André quando está na região, a camisa dividida é uma forma de conciliar a preferência do torcedor: “Por mais que goste de um time novo como o Santo André, o torcedor corintiano jamais irá renunciar ao antigo clube. É uma maneira de conciliar as duas paixões. Agora, imagino que fica difícil para o torcedor quando existe o confronto direto. De qualquer maneira, ela está aprovada”. “Essa história de amor único está acabando”. É assim que Angelo Gaiarsa observa, desde seu apartamento nas Perdizes, em São Paulo, os torcedores que acompanham o Santo André usando dois distintivos na mesma camisa: “De regra, o homem escolhe um partido para espinafrar o outro. O amor único, consequentemente, só pode gerar a guerra. Se o homem aprendesse a amar este e aquele partido também, os conflitos terminariam”. 



IMPRIMIR