O fato mais importante da política no sentido estrito no Grande ABC não só neste século mas ao longo da história é que temos dois prefeitos que durante mandatos paralelos romperam os grilhões do provincianismo que os encapsulavam na região. Antes disso, nenhum titular de Paço Municipal saiu da mesmice municipalista, ou no máximo avançou algumas metros em direção à vizinhança.
Se a dupla articulação de Orlando Morando e Paulinho Serra vai se traduzir em ganhos administrativos com repercussões econômicas e sociais é outra história da qual trataremos quando oportuno mas sem a menor pretensão à adivinhação. Até porque política é sinônimo de especulação. Nada que se estenda à Economia, por exemplo.
Politicamente, politicamente e politicamente, os prefeitos Paulinho Serra e Orlando Morando alcançaram nesta temporada um grande sucesso, embora uma avaliação apressada aqui e acolá engesse a plasticidade dos acontecimentos à rigidez de resultados numéricos.
Com e sem máscara
Orlando Morando e Paulinho Serra são tão vitoriosos que deveriam comemorar os resultados ruidosamente no Natal e no Ano Novo. Com máscara ou sem máscara.
É melhor com máscara de verdade e sem máscara metafórica, porque máscara metafórica lembra o Flamengo na final da Libertadores diante do Palmeiras.
A temporada foi fértil para os dois prefeitos que representam 62% do PIB Regional.
Mais para Orlando Morando. O tucano encerrará o ano como um aliado vencedor das prévias do PSDB para a presidência da República e a perspectiva ainda mais sólida de que poderá ser candidato a vice-governador na chapa de Rodrigo Garcia, o vice-governador de João Doria já escalado para a missão de esticar mais quatro anos do PSDB em São Paulo.
Conglomerado garantidor
Embora em menor intensidade, a temporada para o também tucano Paulinho Serra foi interessantíssima como aliado do gaúcho Eduardo Leite, opositor de Doria, derrotado nas prévias.
Paulinho faz parte de um conglomerado de partidos políticos de influência estadual e estadual. Não é um integrante qualquer, um preenchedor de espaço por conta de arranjos laterais.
A coordenação regional da candidatura de Eduardo Leite foi uma costura bem arquitetada que integra a articulação iniciada em janeiro e que o aproxima de gente que pode ocupar postos-chave no Estado e no País. Inclusive o petismo de Lula da Silva nessa aproximação com Geraldo Alckmin que, oficializada ou não, poderia estender-se na informalidade no segundo turno.
Paradoxalmente, e esse é um ponto que deve levar à reflexão, quem está ganhando mais na temporada quando se consideram termos relativos é quem perdeu as prévias, ou seja, Paulinho Serra, sempre em relação a Orlando Morando.
Questão de patamar
A explicação é simples: Orlando Morando ganhou mais, muito mais, mas já vinha de patamar de prestígio estadual e nacional elevado, embora discreto. Paulinho Serra ganhou menos, mas ganhou relativamente mais, porque era simplesmente um prefeito municipal, sem abrangência diretiva tanto em nível estadual quanto federal.
As prévias perdidas foram uma vitória na ocupação de espaço político-partidário por Paulinho Serra. Até porque as prévias foram perdidas por um placar muito menos elástico do que se propagavam na campanha. Nove pontos percentuais de diferença é resultado de clássico do futebol em tempo de posse de bola.
Quando a diferença é bem mais elástica, tudo indica que o time grande que enfrentou outro time grande já não é tão grande assim. Como o Corinthians diante do Flamengo no primeiro turno do Campeonato Brasileiro. A ficha alvinegra caiu ali. Era reforçar ou reviver o rebaixamento de 2007.
Lucros e perdas
A aparente contradição envolvendo os dois principais prefeitos do Grande ABC precisa ser levada em conta em qualquer conjectura. A política é dinâmica e o jogo é prolongado, com prorrogação e até cobrança de penalidades máximas.
E esse esticamento vai se dar no ano que vem, quando a onça da disputa presidencial e da disputa estadual vai beber água.
Orlando Morando e Paulinho Serra, caso uma grande surpresa não ocorra, estarão em campos opostos. Campos opostos? Quem garante?
Embora seja um desastre à pretendida regionalidade do Grande ABC no campo institucional com variantes econômicas e sociais, o rompimento pessoal e político entre Orlando Morando e Paulinho Serra está na raiz do sucesso de ambos na arena política.
Mais que apenas um
Não fosse o mal-estar nas relações que os colocam distantes entre si e seus respectivos agrupamentos partidários, provavelmente teríamos descortinado para o ano que vai chegar a ascensão exclusiva do tucano de São Bernardo, com Paulinho Serra a reboque.
Ora, bolas, se isso é verdade, o Grande ABC teria apenas uma opção no espectro político-partidário com participação efetiva de um representante local para ser levado em contra em tratativas estadual e federal.
Com Paulinho e Orlando se estranhando e medindo forças, concorrenciais na luta por espaço de destaque, dobramos nossa potencial tração de influenciar investimentos e atenção de esferas de poder sempre reticentes ao Grande ABC.
Dobramos mesmo, de verdade. Não é um jogo de subterfúgios político-matemáticos, no qual a dobra seria de fato a divisão de um único todo. Não confundam essa dobra com a dobra complexa de Dilma Rousseff.
Cenários perfeitos
Muitas especulações eleitorais poderiam ser feitas para procurar dimensionar também especulativamente em que situação tanto Orlando Morando quanto Paulinho Serra estariam em dezembro do ano que vem.
Quem seria capaz de arriscar todas as fichas em cenários perfeitos?
E o que seria cenário perfeito para um e nada bom para o outro? Vamos especular, então?
Para Paulinho Serra embrenhar-se de vez no poderio político nas instâncias estadual e federal, e com isso sonhar com um pós-segundo mandato estelar, nada melhor que uma vitória do grupo ligado ao ex-prefeito Gilberto Kassab em São Paulo, quer Geraldo Alckmin, que sai do PSDB, quem sabe com Marcio França. E no âmbito nacional, com Geraldo Alckmin de vice de Lula da Silva. Vitória de João Doria possivelmente o sufocaria, embora nada seja definitivo em política. Tanto que já foram aliados festivos.
Tempo decide
Orlando Morando terá construído o caminho para o paraíso eleitoral se for vice da chapa do vencedor Rodrigo Garcia ao governo do Estado e João Doria sair da condição já precária de terceira via federal e atropelar os demais concorrentes.
Aparentemente, tanto o primeiro quanto o segundo cenários são improváveis, mas as perspectivas são voláteis demais a 11 meses das eleições. O sucesso eleitoral de Rodrigo Garcia, a partir da transparência midiática de virar governador em abril do ano que vem, alteraria os gráficos das pesquisas eleitorais atuais.
Isto posto, e sempre considerando o quadro pré-eleitoral deste dezembro, o perdedor formal mas não contextual das prévias para o governo do Estado com Eduardo Leite, ou seja, Paulinho Serra, teria mais cacife à vitória com os candidatos do amplo espectro político-partidário no Estado de São Paulo (incluindo-se o PT dentro de uma composição com o aparato de Geraldo Alckmin) e no País (com Geraldo Alckmin reforçando posições de centro-direita de Lula) do que propriamente o grande vencedor das mesmas prévias tucanas, no caso Orlando Morando, que utilizaria armas menos flexíveis do PSDB estadual e federal.
Como se observa, temos pela frente provavelmente uma sucessão do que temos colecionado de sucesso político nesta temporada. Não interessa se dividido ou não, o capital político-institucional do Grande ABC neste começo de terceira década do novo século sugere otimismo sustentável.
Quem sabe seja esse o caminho das pedras à recomposição de parte do tecido econômico que se foi durante décadas de sombreamento político?