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Sociedade

DANIEL LIMA - 25/11/2021

Não é segredo para ninguém que me acompanha com alguma fidelidade e criticidade, para não dizer maldade e bondade, porque é do jogo de quem sai na chuva da análise, que um dos laboratórios de observação a que me dedico chama-se “redes sociais”.  

Mais especificamente o movimento das peças materiais e sensoriais do regionalismo do Grande ABC sob essa ótica, ou seja, a ótica comportamental pós-surgimento e adensamento de ferramentas digitais. Estou de olho permanente nesse mundo de realidades antes sufocadas ou verbalizadas em nichos, mas agora escrachadas.   

Isto posto e exposto, eis que vou ao acervo de CapitalSocial (que também absorve parte relevante da revista de papel LivreMercado) para detectar a origem, a peça inicial, a moedinha da sorte, da expressão “redes sociais”. E a encontrei num contexto geneticamente original, por assim dizer, do que se configura como consagração de um modelo de uso de tecnologia mundo afora.  

Ou seja, não temos um primeiro exemplar fora do enquadramento natural. “Redes sociais” no sentido técnico-sociológico que se conhece, não metafórico.  

Texto de 10 anos  

Redes sociais significam comunidades que interagem utilizando-se de ferramentas que, ante inevitáveis entrechoques, normalmente as afastam, ou as mantêm distantes entre si. Assim, dá-se origem às tribos digitais.  

A gente jamais esquece a primeira vez que calça um sapato, veste uma cueca, mas não conseguiria identificar o primeiro “redes sociais” que utilizei como jornalista.  

Recorri à mesma tecnologia que sustenta as redes sociais para encontrar a origem da expressão com minhas digitais. Está lá na edição de 19 de dezembro de 2011, sob o título “Somente torcida organizada da imprensa ignora risco de goleada”.  

O texto faz referência ao ambiente esportivo que cercou a decisão do Mundial de Clubes entre o Santos e o Barcelona. Acho que vale a pena os leitores terem acesso àqueles parágrafos entre outros motivos porque não parece haver muitas mudanças em relação ao que tivemos e teremos no futuro numa possível final entre uma equipe brasileira e a melhor equipe europeia.  

Distância mitigada  

Verdade que nem os últimos campeões sul-americanos que foram ao Mundial nem os últimos campeões europeus que também foram ao Mundial contam com a mesma dimensão de contrastes de aparatos técnicos e táticos de Barcelona versus Santos, um treinamento de luxo para os espanhóis.  

Fora isso, seria loucura acreditar que a margem de manobra de favoritismo do campeão europeu correria risco de esgarçar-se nos 90 minutos.  Não à toa ó último campeão mundial não-europeu foi o organizadíssimo Corinthians de Tite, em 2012 diante de um Chelsea menos nobre.  

Francamente, não acreditei que ao fuçar nos arquivos encontraria “redes sociais” inaugural como expressão vinculada à Editoria de Esportes. Fiquei mais ou menos decepcionado. Preferia-a vinculada à “Sociedade”, que ali é o melhor lugar a instalar o conceito que mais me enfeitiça ao tratar do assunto.  

Ver “redes sociais” inaugural na Editoria de Esportes é uma decepção, porque no fundo é uma espécie de autoacusação à qual capitulo, porque jurava por todos os santos que minha maior preocupação desde sempre quando se trata da abrangência psico-comportamental sob essa marca seria mesmo o regionalismo, a regionalidade, sob o guarda-chuva local.  

Mais em “Imprensa”  

De qualquer modo, não posso me martirizar porque dos 406 textos em que “redes sociais” aparece como protagonista ou linha auxiliar, apenas 13 estão em “Esportes”, ao passo que em “Sociedade”, aparece com 78 matérias, ante 61 de “Administração Pública”.  

A liderança de “redes sociais” está na Editoria de “Imprensa”, com 106 apontamentos. Não poderia dar outro campeão mesmo, porque mídia e redes sociais são quase a mesma coisa desde que o jornalismo partidário e ideológico tomou conta do barraco de intolerâncias, radicalismos e tudo o mais.   

Para os leitores terem uma ideia mais precisa do significado mais recente de “redes sociais” no mundo da informação, porque está a reboque da explosão do uso de aplicativos da Internet, entre as supostamente melhores cabeças do Grande ABC reunidas em duas edições de “Nosso Século XXI”, não há uma única obra que tenha enquadrado a mobilização de usuários com o uso de tecnologia de bolso e de bolsa.  

Longe do século  

Nosso Século XXI são duas obras coordenadas por este jornalista e também pela jornalista Malu Marcoccia, quando à frente da revista LivreMercado. Foram edições marcantes em formato de livro que contaram, somadas, com quase meia centena de articulistas convidados a projetarem o futuro do Grande ABC neste século, tendo, claro, o suporte do passado vivido até então. 

Uma leitura minuciosa de todo aquele material possivelmente encontrará aqui ou acolá algo equivalente a “redes sociais”, mas provavelmente sem que a imaginação chegasse ao estágio de algazarra participativa destes dias.  

Sim, algazarra participativa, porque as redes sociais (e aí entram em campo vários textos que já elaborei em passado recente, publicados aqui) são uma imensidão de contraditórios e paradoxos que, principalmente em termos de Grande ABC, modificam estruturalmente a gênese colaborativa.  

Viramos uma sucursal ordinária dos grandes temários nacionais e desprezamos nossas prioridades.   

Tanto é verdade que de fato pretendia escrever hoje sobre um dos aspectos dessa barafunda, já que a última vez em que me meti nessa seara foi em agosto último. Mudei de ideia em relação ao escopo inicialmente imaginado porque entrou em campo a ideia de resgatar o primeiro artigo de “redes sociais”. Foi aí que encontrei o Barcelona e o Santos daquela final do Mundial de Clubes.  

Final do Mundial  

Um texto que completará logo-logo 10 anos e sobre o qual não faria leve mudança sequer, porque o tempo fluido nas emoções do futebol não é um tempo diferente do diariamente observado no laboratório de desinformação das redes sociais em geral.   Acompanhem aquela análise: 

M Somente santista incauto ou fanatizado demais poderia esperar outro resultado que não a goleada na final do Mundial de Clubes para o Barcelona. Os fanáticos acreditam em tudo, mas os incautos muitas vezes são instrumentalizados por terceiros. Principalmente pela Imprensa patrioteira. A humilhação que poderia ter números muito além dos 4 a 0, porque o time basco tirou o pé no segundo tempo, deveria ser uma lição para a maioria dos cronistas esportivos, para os repórteres e editores de jornais, telejornais, radiojornais e webjornais. Colocar durante toda a semana Santos e Barcelona no mesmo patamar foi uma heresia que só teria de dar no que deu, ou seja, num desastre descomunal de expectativa frustrada. O tom das manchetes e dos noticiários dos jornais mais sérios colocava o Santos parelho ao Barcelona e Neymar em igualdades de condições com Messi. 

Mais final do Mundial    

 O futebol brasileiro recebeu ontem uma lição do time espanhol. O Santos pagou o pato, mas qualquer um de nossos melhores times teria passado pelo mesmo vexame, ou pior ainda. Somente quem ignora o futebol internacional e principalmente o deslumbrante Barcelona seria capaz de acreditar em jogo equilibrado. A força do marketing, que comanda o futebol em todas as instâncias nacionais, principalmente a TV, não pode ser um convite à estupidez. Nosso futebol é de segunda linha na hierarquia dos clubes, principalmente quando estão em confronto os territórios europeus que mais investem em contratações, casos de Espanha, Itália e Inglaterra. Isso significa que o Santos seria coadjuvante fosse quem fosse o finalista europeu. Menos o Barcelona, evidentemente. O time de Messi, Xavi, Iniesta e tantos outros é de outra galáxia e escanteou o Santos ao papel quase inexpressivo de figurante.  

Mais final do Mundial    

 Costumo dizer que o Barcelona joga futebol, enquanto os demais times do mundo pensam que jogam futebol.   

O grande equívoco da imprensa patrioteira é que levou muita gente a acreditar que o Santos teria condições semelhantes de vitória às do Barcelona. Sei muito bem a resposta que recebi -- um olhar fulminante -- de um amigo santista quando quinta-feira, em almoço, lhe indiquei que o Santos de domingo contra o Barcelona seria o Al-Sadd que acabara de ser goleada por 4 a 0 pelos espanhóis no Japão. Sei exatamente o que ele pensou: somos campeões da Libertadores, bicampeões mundiais de clubes, pentacampeões mundiais de seleção, chavões que todos os torcedores procuram utilizar para contrapor-se às evidências.  

Mais final do Mundial    

 Também num bolo familiar, apostei num 4 a 1 para o Barcelona. Bobagem acreditar que foram puros palpites ou discriminação clubística. Coleciono faz bom tempo os principais jogos do Barcelona. Muitas vezes revejo-os em casa enquanto pedalo a bicicleta ergométrica com a qual revezo minhas corridas no Parque Celso Daniel. É impossível parar o Barcelona. Equipes muito mais qualificadas que o Santos já tentaram e deram com os burros nágua. Uma ou outra derrota aqui e acolá sempre é possível, porque futebol não é ciência exata. Mas em condições normais de tempo e temperatura, não dá outra.  

Mais final do Mundial    

 Não vou desfilar uma porção de vetores que fazem do Barcelona o time dos sonhos de qualquer torcedor. Prefiro direcionar os faróis de alguma luminosidade crítica à Imprensa. O ambiente de torcida organizada é um escândalo. Pratica-se jornalismo subserviente demais ao marketing, ao bom-mocismo, à industrialização da hipocrisia. Caímos num modelo de jornalismo de entretenimento que ultrapassa todos os limites críticos. Não é crime informar aos leitores, ouvintes e telespectadores que o Santos teria ante o Barcelona missão quase impossível, de conquistar o título. Que terminar o jogo com uma derrota discreta seria um baita resultado. Essa era a lógica.  

Mais final do Mundial    

 Exceto um ou outro palhaço travestido de alguma coisa que lembra jornalismo e que pauta comportamento principalmente à frente da TV com o deboche típico dos ignorantes que só olham para os resultados do Ibope, o que prevalece é a crítica de ocasião. Há uma tendência generalizada do jornalismo à acomodação, a seguir a manada. Monitorados permanentemente pelas redes sociais, os cronistas esportivos têm horror à contrariedade e à sinceridade. Fazem o jogo que interessa à plateia. Submetidos a uma prestação de contas do que falaram antes do jogo de ontem, seriam sumariamente levados à desmoralização. Como dizer que o Barcelona era favorito absoluto ao título, que Neymar é bom para caramba mas não chega ainda aos pés de Messi, entre outras verdades incontestáveis, se o patrulhamento eletrônico e mesmo dos companheiros de trabalho se manifestará demagogicamente?  

Mais final do Mundial    

 Pois é assim que funciona em tantas outras esferas a atividade jornalística. Os medíocres plasmam determinadas definições e agem severamente para desqualificar o bom senso. Não somos o País do jeitinho por acaso. É uma cultura nacional que vai muito além da consagração de dar um nó numa dificuldade burocrática ou legal qualquer. É um modus operandi que solidifica em muitos casos o mau-caratismo. O triunfalismo é o esconderijo dos mal-ajambrados. Já conheço esse filme, principalmente fora das quatro linhas. Na economia regional, por exemplo. A desindustrialização que desfraldei com estudos minuciosos que o diga. 



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