Clique aqui para imprimir




Economia

DANIEL LIMA - 01/11/2021

Há 24 anos produzi para a revista LivreMercado, antecessora de CapitalSocial, um diagnóstico detalhado de 11 pontos essenciais à consolidação do Clube dos Prefeitos (Consórcio de Prefeitos) rumo ao século que emergiria. O tempo passou na catinga da fumaça e recorrentes e inúteis propostas se deram. A ausência de Celso Daniel mudou tudo. As inutilidades práticas se deram na corrente de eventos, alguns inclusive com representantes das montadoras de veículos, nada suficientemente profundo e comprometedor entre as partes envolvidas.  

Agora, tanto o Clube dos Prefeitos quanto a Agência de Desenvolvimento Econômico, irmãos siameses de infortúnios regionais, anunciam um evento com representantes do setor economicamente mais importante da região.  

Teremos mais uma rodada de desperdício de tempo e de paciência. Até porque, a julgar pela pauta exposta, de eletromotricidade, estamos avançando em direção ao futuro com os pés no pântano do presente.  

Arritmia automotiva 

O que o Grande ABC está a esperar é um diagnóstico específico (além de um amplo e abrangente de outros setores) que trate a indústria automobilística regional como os novos tempos e os tempos passados exigem. Ou seja: com o máximo cuidado, atenção, desvelo e comprometimento.  

O Grande ABC econômico é um enfermo com inúmeras comorbidades, entre as quais a arritmia cardíaca é a principal e mais preocupante, representada pelo setor automobilístico. Os anos 1990 foram tenebrosos para a região no setor. O presidente Fernando Henrique Cardoso produziu carnificina com política de descentralização implacável, sem gradualismo algum. As pequenas empresas de autopeças familiares desapareceram ou se escafederam.  

Anos de chumbo  

Imaginem os leitores a hecatombe resultante de um governo federal desalmado (foram dizimados 80 mil empregos industriais com carteira assinada durante os oito anos do tucano que consertou o País no campo inflacionário) em combinação com a herança maldita (há pontos benditos também) do sindicalismo até então mais bravio do período pós-Regime militar.  

Só poderia dar no que deu, e deu aquilo de cinco letras que poucos têm pudor em deixar de pronunciar, mas que, conservador nestas páginas, prefiro apenas insinuar. 

A arritmia cardíaco-automotiva do Grande ABC é de fato uma prioridade das prioridades porque afeta o desempenho de todo o organismo.  

Mais comorbidades 

Os pulmões em forma de autopeças está impregnado de nicotina de uma competição interna autofágica. As mãos da indústria moveleira há muito foram decepadas. A vitamina C do setor de serviços é apenas um paliativo que disfarça a fragilidade geral das pernas petroquímicas que perdem contínuo terreno no âmbito nacional. O comércio usa e abusa de reforço alimentar de grupos que concentram força e poder com grandes de empreendimentos em detrimento de estabelecimentos familiares mais e mais de subsistência.   

Se a memória não está a falhar, quem sacou com destreza intelectual sempre brilhante sobre o excesso de eventos e os resultados pífios à reestruturação econômica do Grande ABC foi o empresário e médico Fausto Cestari, dirigente do Ciesp. Ele também cunhou a expressão Custo ABC, entre outras investidas que caberiam como luva no campo publicitário se uma campanha crítica pretendesse explicar os equívocos regionais ao longo de décadas. 

Sociedade de Eventos, foi essa a expressão de Fausto Cestari, repito, se minha cabeça baleada não está cometendo nenhuma falha.  

Foi por isso, não mais por outra razão, porque outra razão seria dispensável, que meus olhos acompanharam com atenção e decepção, quando não com indignação, a manchete de página do Diário do Grande ABC que diz respeito ao encontro programado com representantes das montadoras de veículos. Está lá na edição de 31 de outubro: “Consórcio e Agência debatem futuro da indústria automotiva”. Não custa nada transportar os trechos principais. Entretanto, faço mais que isso.  

Patinando no pântano 

Para mostrar que tanto a Agência quanto o Clube dos Prefeitos estão perdidos no tempo, que tratam cardiopatia com analgésico, intercalo a reportagem do Diário do Grande ABC com duas das centenas de análises publicadas por LivreMercado/CapitalSocial ao longo de 31 anos de circulação impressa e digital.  

Verificarão os leitores o quanto estamos patinando com o aceno de eventos que, por mais que sejam alguma coisa, jamais serão o muito de que precisamos para retomar o desenvolvimento econômico da região com bases informativas e analíticas sólidas. Acompanhem: 

Diário de 2021 

 Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e Agência de Desenvolvimento Econômico marcaram para o dia 8 inicio de debates a respeito do futuro da economia da região. Pilar econômico das sete cidades, o setor passa por crise e transformação e, na visão das duas entidades, é preciso entender os rumos da área para que os municípios não percam o acompanhamento das alterações e vejam quedas bruscas de receitas tributárias.  

LivreMercado de 1997 

 A adaptação de um estribilho de música sertaneja que já fez sucesso no Brasil — aonde a vaca vai, o boi vai atrás — serve de suporte para o que se descortina no horizonte da economia do Grande ABC. Basta leve enxerto para que o bordão deixe o mundo musical e se transforme numa inquietante frase socioeconômica. Ficaria assim: aonde a vaca das montadoras de veículos do Grande ABC vai, o boi da economia regional vai atrás. Pode ser uma frase de mau-gosto, dessas que poucos teriam coragem de repetir, mas é rigorosamente uma constatação. Se voltasse no tempo, o efeito dessa metáfora seria gratificante no final dos anos 50, quando a indústria automobilística deitava raízes fortes na região. Também no final dos anos 60 seria bem-vinda, porque o parque automotivo e de empresas satélites esbanjava vitalidade. Já no final dos anos 70, a situação começaria a se alterar, com a abertura da temporada de deserções ainda não detectadas pelos ufanistas. No final dos anos 80, já sob os efeitos da saturação da Região Metropolitana de São Paulo, do explícito incentivo do governo estadual à interiorização e dos constantes entreveros sindicais, não era mais despropósito a paródia musical. Agora, no final dos anos 90, com globalização, abertura econômica e descentralização em massa de investimentos no setor, o que se tem é muita, mas muita preocupação.  

CapitalSocial de 2021 

 Faço um desafio aos leitores, desafio que já está posto na manchetíssima de hoje: tente acertar a quanto se reduziu o PIB Automotivo do Grande ABC (montadoras e autopeças) nos últimos 14 anos medidos por duas profissionais da Fundação Seade. Faça um teste. Para ser mais direto: qual é a participação do PIB Automotivo do Grande ABC no Estado de São Paulo? Vamos mais longe ainda, e é o que vale para o que segue: a quanto se reduziu o bolo regional no PIB Automotivo do País? Se querem saber mesmo, nem o amplo, detalhado, profundo estudo das duas especialistas da Fundação Seade chegou à parcela regional no âmbito nacional.  O estudo limitou-se -- no bem sentido do termo -- à fatia regional no Estado de São Paulo. Mas como consumi o material de 36 páginas no fim de semana, e fiz alguns cálculos, cheguei à referência nacional. Que é uma tragédia regional. Nossa Doença Holandesa, ou seja, a dependência do setor automotivo, é nosso cadafalso econômico. Trata-se de tragédia que alguns ainda insistem em negar porque entendem que redução de participação relativa não significa redução da participação absoluta. No caso do Grande ABC, são as duas coisas. Irmãos siameses.   

Diário de 2021 

 A discussão inaugural terá, além dos representantes do Consórcio e da Agência, como prefeitos e secretários, integrantes da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e dirigentes das montadoras. O Grande ABC conta com cinco fábricas de veículos: Volkswagen, Scania, Mercedes-Benz, Toyota e GM (General Motors). Até 2019, a Ford também estava situada na região – fechou a planta histórica do Taboão. “Precisamos desse prognóstico das montadoras e do futuro da região. O Aroaldo (Oliveira da Silva, presidente da Agência) fala bastante sobre o caminho da eletromobilidade, é quase um mantra que tem, porque ele diz que em dez anos a cadeia automotiva tem de estar adequada ás novas tecnologias. Eu, particularmente, creio que esse caminho é mais longo a ser percorrido. Mas preciso debater”, comentou o secretário executivo do Consórcio, Acácio Miranda.  

LivreMercado de 1997 

 Encontrar alternativa complementar para a exagerada dependência da indústria automotiva cada vez mais agregadora de tecnologia e racionalizadora de mão-de-obra é o nó górdio do Grande ABC. Se nestes tempos de produções recordes, de mercado aquecido e de participação relativa direta de quase metade do setor automotivo regional no bolo produtivo nacional a situação é complicada porque ainda há excesso de trabalhadores no chão de fábrica e de executivos nos gabinetes das montadoras e das autopeças, o que esperar dos próximos anos, quando novas plantas industriais estarão despejando nas concessionárias produtos sem procedência do Grande ABC e se terá estabelecido nível de concorrência mais forte, inclusive sem a proteção alfandegária de hoje, porque se acentuam as pressões pelo livre-mercado? De detentor quase absoluto das linhas de montagens de veículos no País, o Grande ABC encontra-se na situação de conviver com outros polos. Algo parecido com o garoto dono da bola, das regras do jogo e do campo que de repente, em vez de um simples exercício individual de talento, das embaixadas, tem de dividir a bola com outros meninos, se adaptar às regras cada vez mais universais e ser competitivo se quiser vencer. 

CapitalSocial de 2021 

 Participação relativa condicionada à preservação da participação absoluta significa que o tamanho de produção física do setor automotivo do Grande ABC poderia ter sido mantido ou mesmo aumentado no período anunciado. Teria sofrido apenas perda relativa se outras localidades nacionais tivessem elevado a riqueza sobrerrodas a patamares mais elevados. Não foi isso que ocorreu. O que ocorreu com o PIB Automotivo do Grande ABC é que perdemos participação relativa (os demais endereços nacionais ganharam fatias de geração de riqueza) e perdemos participação absoluta (produzimos menos riqueza do que anteriormente).  Vamos então ao teste da verdade? Afinal, qual é a participação do PIB Automotivo do Grande ABC no PIB Automotivo Brasileiro? 1. Mais de 30%. 2. Entre 21% e 30%. 3. Entre 15% e 20%. 4. Entre 10% e 15%. 5. Menos de 10%. Errou redondamente quem fez qualquer opção que não fosse o enunciado “e”. Isso mesmo: o PIB Automotivo do Grande ABC que já foi praticamente 100% do PIB Automotivo do Brasil nas primeiras décadas do século passado, hoje não passa de 9,16%. Se você está surpreso, não roa as unhas, porque também estou. Fiz os cálculos três vezes, desconfiado de que pudesse estar equivocado. Lamentavelmente, estou certo. Não pretendo esgotar hoje a abordagem do setor automotivo analisado por Margret Althuon e Mônica Landi, da Fundação Seade. Há material de sobra a outras incursões. O que interessa hoje é soltar os demônios de participação.  O estudo não contempla números absolutos, mas não há como sustentar a irredutibilidade da desindustrialização do setor na região quando se colocam outras peças no tabuleiro de informações, casos de empregos formais nas montadoras, nas autopeças e queda do PIB Industrial. Não vou me referir a tudo isso hoje. A queda relativa é suficiente como porta de entrada ao desastre.  

Diário de 2021 

 A eletromobilidade é um conceito de redução de emissão de carbono e de combustíveis fósseis em veículos automotores pelo planeta diante da crise de produção do petróleo. No Brasil, ainda engatinham politicas de valorização de carros movidos a eletricidade ou de automóveis híbridos (que misturam combustível tradicional com o de fonte limpa). Em outros lugares do mundo, entretanto, esse debate está mais avançado. O ponto do Grande ABC, segundo Adroaldo, é o fato de as receitas tributárias estarem muito vinculadas às montadoras e a cadeia instalada a partir dessas multinacionais. “Essa discussão depende de ajuda do poder público. Porque temos que discutir o futuro da indústria. Na nossa região, esse setor é altamente importante, responsável diretamente por 25% do nosso PIB (Produto Interno Bruto). Qualquer processo de desindustrialização faz o Grande ABC sentir mais. E esse percentual do PIB é de forma direta, sem contar o setor de serviços alimentado a partir da indústria”, citou. Em 2020, as sete cidades geraram R$ 126 bilhões de riqueza – na comparação com a produção nacional, esse volume vem perdendo força nas duas últimas décadas.  

LivreMercado de 1997  

 Dados oficiais reservam participação de 41% da indústria automotiva do Grande ABC no mercado produtivo nacional de automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões. A tendência é de decréscimo de participação relativa. O histórico de perdas da hegemonia produtiva começou com a criação do polo do Vale do Paraíba, quando na década de 70 a Volkswagen se instalou em Taubaté e a General Motors chegou a São José dos Campos. A Fiat implantou em Betim, na região da Grande Belo Horizonte, um terceiro polo, nos anos 80. Mas isso é pouco, porque uma nova geografia da produção automobilística está-se formando no Brasil. Como lembra um especialista no assunto, José Roberto Ferro, quatro novos polos começam a ganhar corpo no País. Eles estão em Curitiba, Resende, Campinas e Rio Grande do Sul. Sem contar a ameaça de polos grandemente incentivados nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, como pretendem as bancadas políticas dessas regiões. Tanto que a Fiat decidiu cancelar investimentos de US$ 120 milhões em Córdoba, na Argentina, através da Iveco, uma de suas subsidiárias, e pretende aplicá-los no Nordeste, aproveitando-se dos incentivos fiscais. Pesou também na mudança de rumos as exigências dos trabalhadores daquele polo industrial argentino. Algo semelhante à imagem do Grande ABC. Os novos centros produtivos já estão ou vão estar completos até o final dos anos 90. A Grande Curitiba terá três novas montadoras — Renault, Chrysler e Audi-Volks, que se somam à Volvo e à New Holland. A região de Campinas terá a Honda e a Toyota, depois de já ter recebido a fábrica de ônibus da Mercedes-Benz e um parque de autopeças bem mais numeroso que o do Vale do Paraíba. No polo carioca de Resende, a nova fábrica de ônibus e caminhões da Volks terá a companhia da planta de automóveis em Juiz de Fora da Mercedes. O Rio Grande do Sul receberá a terceira fábrica da General Motors e Belo Horizonte terá uma fábrica da Ásia Motors.  

CapitalSocial de 2021 

 Quem abriu a porteira da curiosidade sobre os estudos da Fundação Seade foi o jornalista Anderson Amaral, do Diário Regional. Anderson é um profissional que trata a economia do Grande ABC com seriedade. Não faz parte da turma triunfalista que sempre aparece no mercado de conveniências. Turma de triunfalista e de convenientes formada principalmente por acadêmicos vinculados ao setor público – há exceções, claro.  Anderson Amaral me levou a buscar o que as mulheres da Fundação Seade não expuseram somente porque o foco era o Estado de São Paulo. Por isso procurei como avidez em cada uma das 36 páginas dados que pudessem me conduzir à participação nacional do PIB Automotivo do Grande ABC. E encontrei. Diz o estudo da Fundação Seade que a fatia da região no PIB Automotivo (chamado de VTI automotivo pelas autoras do trabalho) caiu de 33,3% em 2003 para 22,9% em 2017.  Anderson Amaral, do Diário Regional, explica na reportagem publicada semana passada que VTI é um indicador semelhante ao valor adicionado, espécie de Produto Interno Bruto (PIB) fabril. Daí, decidi pela expressão “PIB Automotivo”.  A reportagem publicada informa que, paralelamente à perda do PIB Automotivo, o Grande ABC também perdeu empregos, tanto nas montadoras quanto nas autopeças. Trataremos disso em outra análise.  Para chegar ao tanto indispensável do PIB Automotivo Nacional encontrei o fio da meada logo na primeira página do estudo “Evolução do setor automobilístico no Estado de São Paulo”. O trecho específico é reproduzido em seguida: “A expansão das montadoras no Brasil, em curso desde final dos anos 1990, se deu a partir de processo de desconcentração espacial das unidades fabris, alterando substancialmente a distribuição das participações da produção de autoveículos entre as unidades federativas. A região Sudeste perdeu participação passando de 99,3% em 1990, para 57,5% em 2019, enquanto o Sul e Nordeste ampliaram sua presença para 26% e 15%, respectivamente. O Estado de São Paulo, apesar de manter a liderança em termos de produção do setor automobilístico, respondendo por 40% do total nacional, perdeu espaço na últimas três décadas, uma vez que em 1990 detinha 75% da produção de autoveículos no país. Entre 2000 e 2010, verificou-se um processo de interiorização do setor automobilístico no Estado, expresso na evolução da participação dos municípios paulistas no valor de transformação industrial (VTI) do setor automobilístico estadual. De 2003 a 2017, houve queda de 33,3% para 22,9% na participação no VTI do setor automobilístico dos municípios que compõem a região tradicional do ABC (São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema), enquanto Piracicaba, Sumaré e Sorocaba ampliaram sua participação de 5,5% para 21,1%.”   

Diário de 2021  

 Outro assunto que vai nortear essa reunião é o programa Pró-Ferramentaria. Empresas do Grande ABC têm saldo de R$ 6 bilhões em crédito de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) retidos no governo do Estado – o Palácio dos Bandeirantes já comunicou sobre o valor e, conforme Acácio e Aroaldo, aguarda por propostas de investimentos desse aporte em projetos a São Paulo. “A ferramentaria é um setor importante para a indústria automotiva também. Esse recurso está disponível e precisa ser utilizado”, comentou Aroaldo, que é dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “As empresas do ramo querem ajuda da Agência e do Consórcio para resgatar esses créditos. Vamos criar mecanismos para isso”. 

LivreMercado de 1997  

 A situação é comprometedora para o Grande ABC que, ao mesmo tempo em que assiste passivamente os desdobramentos do mapa automobilístico nacional, comete a bobagem tupiniquim de saudar os investimentos financeiros das montadoras locais em suas plantas como sinônimo de progresso regional sistêmico. É verdade que a modernização das plantas oferece o alento de que o parque automotivo da região não será olimpicamente sucateado, como lhe ocorreu durante décadas de autarquia econômica. Mas considerar os bilhões de investimentos como início do processo de soerguimento da região é no mínimo um disparate, porque substituição de tecnologia e desemprego formam dobradinha inseparável. Basta recorrer aos números do desemprego no setor metalmecânico, que registrou perda de 110 mil postos de trabalho no Grande ABC nos últimos seis anos. Num período semelhante, entre 93 e 96, a venda de carros novos no varejo brasileiro cresceu 129%. Em 96, os revendedores comercializaram 1,675 milhão de automóveis e comerciais leves. A tradução dessa equação é que o barateamento dos veículos em relação aos tempos de economia fechada foi conseguido entre outras medidas porque se reduziu o volume da mão-de-obra do setor. Mais da metade da qual com endereço nas fábricas sediadas no Grande ABC. Um duro reverso de expectativas. Antes, nos tempos de inflação e de absolutismo no setor, os metalúrgicos arrancavam com mobilizações e greves acordos salariais e cláusulas econômicas automaticamente repassados aos preços dos veículos. Foi um período em que, como os veículos, se produzia lideranças sindicais em série no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. 

CapitalSocial de 2021  

 Agora, de volta às considerações. Cheguei aos 9,16% de participação relativa do PIB Automotivo do Grande ABC em relação a tudo que é produzido no setor no País com uma conta simples: se o Estado de São Paulo participa com 40% da riqueza sobrerrodas e o Grande ABC detém 22,9% desse montante, logo a fatia nacional que nos pertence é de menos da metade dos paulistas.  Mas é preciso alertar que a participação relativa pode ser inferior à anunciada. Afinal, a constatação da perda de 33% do PIB Automotivo do Grande ABC frente a 2003 se refere ao topo de 2017, ou seja, o limite dos dados. Por outro lado, a participação relativa do Estado de São Paulo no PIB Automobilístico Nacional, de 40%, refere-se ao limite de 2019. Nos dois anos que separam uma coisa da outra é possível, quando não provável, que a participação relativa do Grande ABC tenha diminuído ainda mais porque tem sido essa a rotina no século.  Tenho em mãos mais números e análises a fazer. E o farei na medida do possível. Há muita pauta na minha agenda e não tenho dado conta porque, para escrever, é preciso domar as dores do prélio.  No fundo, no fundo, estamos apenas dando sequência a uma das agendas mais profícuas, continuadas e desafiadoras que impusemos tanto na revista de papel LivreMercado como desta revista digital, que acumulam 30 anos de circulação e audiência.  O setor automotivo, Doença Holandesa do Grande ABC, mais pronunciadamente em São Bernardo, é pauta obrigatória de densidade, responsabilidade e independência analítica. O futuro do Grande ABC depende do que as montadoras e as autopeças fazem. E fazem cada vez menos no sentido absoluto e relativo.  O Brasil da guerra fiscal acordou para uma atividade enriquecedora e protegida. Jogamos durante muito tempo um jogo praticamente sem adversário. Quando a biruta virou, dançamos.



IMPRIMIR