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Administração Pública

DANIEL LIMA - 27/10/2021

Na essência do aumento do IPTU no Grande ABC (agora anunciado oficialmente pelo prefeito Tite Campanella, de São Caetano) está o piloto automático de uma política pública tributária que raramente distingue circunstâncias, contextos e história.  

Paulinho Serra (que aumentou o tributo na calada de sessões legislativas) e Tite Campanella não são iguais nas medidas tomadas. São semelhantes. As diferenças não inocentem Tite Campanella. Apenas atenua a pena de procrastinação de medidas que poderiam contar com o uso de Inteligência Artificial, tão à mão, para iniciar-se projeto de reconfiguração dos tributos próprios, especialmente este, sobre patrimônio imobiliário.  

Não é pecado em nenhum lado do Equador lutar pelo patrimônio imobiliário construído ao longo de jornadas familiares ou mesmo no campo negocial, porque é do capitalismo transformar dinheiro em ativos físicos e ativos físicos em dinheiro.  

O problema maior do Grande ABC decadente há quatro décadas é que gestores públicos se repetem na sanha arrecadatória.  

Custo ABC elevado  

Já mostramos em inúmeros estudos que o Custo ABC, que também está no custo da terra tributada, é elemento decisivo ao empobrecimento, à baixa mobilidade social e a tantos outros desconfortos de competitividade.  

Individualmente e no conjunto de sete municípios, o Grande ABC perde feio em vários indicadores econômicos para os demais integrantes do G-22, o Clube dos Municípios Mais Ricos do Estado de São Paulo. Uma ferramenta criada e alimentada periodicamente por CapitalSocial com base em dados oficiais.  

Não há dúvida de que outros prefeitos da região devem seguir a trilha. A Lei de Responsabilidade Fiscal associada ao custo vegetativo, quando não incremental da máquina pública, impõe o aceleramento contínuo de receitas – faça chuva de recessão, faça trovoada de inflação.  

Sociedade Civil ou Servil? 

A sociedade civil que alguns eufóricos chamam de “organizada” aceita tudo e fica silente – até porque não é sociedade coisa alguma. É uma porção minoritária de imperialistas municipais cercada de súditos surdos e mudos por todos os lados. Estamos mais para sociedade servil.  

O máximo que essa suposta sociedade civil organizada emite de sinais vitais de cidadania é manifestar-se nas redes sociais. Mas aí a roda pega também porque são tantos os temários (prevalecentemente nacionais, à direita, à esquerda e ao centro em busca de uma terceira via) que a cacofonia vira múltiplos e dispersivos movimentos circunstanciais que, paroxismo do paroxismo, desaguam em desmobilizações permanentes.    

Quem é portador da obtusidade interpretativa de que o IPTU de São Caetano é o mais caro do Grande ABC, desconsiderando-se feixe enorme de condicionantes mais que sustentáveis, comete o mesmo erro seletivo de dar destaque condenatório mais que justo, embora sem elementos informativos, a apenas ao aumento do lado de lá do Grande ABC, do vizinho de população menor.  

Mal sem fronteiras  

Traduzindo: o mal de levar para o bolso dos contribuintes a conta preventiva de aumento do IPTU da próxima temporada, indexando os carnês à inflação que vai ultrapassar a 10% na temporada, não conhece fronteiras.  

Não existe na cartografia regional envolvendo as decisões de Paulinho Serra e Tite Campanella nada que possa fugir ao espectro de abuso. Para uma sociedade contributiva que vem de dois anos de pandemia e de perdas econômicas imensas, é um escárnio tamanha volúpia arrecadatória.  

Mesmo se reconhecendo que Santo André é um caso complexo (ocupa a 925ª posição no Campeonato Brasileiro de Gestão Fiscal), o prefeito Paulinho Serra cometeu mais erros que Tite Campanella (que cai ainda mais pelas tabelas) ao ancorar os próximos carnês do IPTU na bitola inflacionaria.  

Tempo para mudar  

O que mais os diferencia é que Paulinho Serra está no fim do quinto ano de dois mandatos e prometeu lá atrás, em 2018, quando houve a revolta dos carnês, criar mecanismos que daria à cobrança um sentido mais cientifico aos dados.  

Paulinho Serra prometeu até uma comissão supostamente especializada, sobre a qual, claro, este jornalista reservava dúvidas imensas. Uma comissão de adequação dos valores do IPTU que coloque apaniguados do setor imobiliário não é algo que se deva confiar.   

Já Tite Campanella é apenas um interino. Apenas no sentido mais abrangente possível e sem preconceito de estar no cargo sem ter tido os votos para tanto. Apenas no sentido de que tem poderes limitados pelas circunstâncias atuais, pelo contexto atual, e, sobremodo, pelo histórico de distanciamento das decisões viscerais do cargo máximo do município.  

Anos-Auricchio  

Competia a seu antecessor, que praticamente controlou o Paço Municipal durante todo este século, estruturar a arrecadação do tributo dentro de referenciais compatíveis com o orçamento familiar. Mas José Auricchio Júnior preferiu o aumento indiscriminado de valores, mantendo, portanto, uma distorção predominante nos municípios brasileiros que mais arrecadam com o tributo: um grau elevado de injustiças, que significam cobrar menos de quem pode pagar mais e cobrar mais de quem pode pagar menos.  

Não há dúvida alguma de que os valores nominais por habitante do IPTU em São Caetano são e devem ser maiores que os de qualquer município do Grande ABC. Daí, estabelecer um ranking que desconsidere a realidade orçamentária em combinação com a realidade socioeconômica ocupacional é cegueira interpretativa. Tanto quanto vociferar que existe um valor justo, adequado, a qualquer um dos contribuintes do IPTU na região e no País.  

Os administradores públicos não levam isso em conta, porque dá trabalho. Já ofereci de mão beijada uma proposta de redução de impropriedades na cobrança e o que se deu todo mundo sabe – as tratativas especiais com uma empresa especializada foram descartadas por Paulinho Serra. Prefeitos em geral têm horror à ciência e à economia.  

Não é a primeira nem será a última vez que utilizo metáforas para resumir o que penso sobre níveis de cobrança e de arrecadação do IPTU. No caso específico envolvendo São Caetano e Santo André, que abriram a temporada de renovação de carnês (Diadema também o fez, é verdade, e com mais competência, conforme já escrevi neste espaço, embora também sem ferramenta mais ajustada) o que temos é um condomínio de luxo típico do Bairro de Pinheiros, na Capital, e um condomínio de Classe Média (Baixa) típico de Vila Formosa, também na Capital. Pensei em citar o Bairro Ypiranga, mas seria demais para Santo André.  

Entre todos os indicadores mais que apropriados a demonstrar evidentes distâncias socioeconômicas entre São Caetano e Santo André, provavelmente o mais elucidativo e, portanto, dissuasivo a especulações, reúne o contingente de Ricos e Classe Média, que, por natureza de mercado, contam com residências de melhor qualificação material e geoterritorial.  

Pois esse quesito, fundamental à tomografia social de qualquer pedaço de terra urbana, é francamente mais robusto em São Caetano. Leiam alguns trechos do que escrevi neste espaço no último dia 18 de outubro. Não confie na memória. Leiam:  

São Caetano segue com mais

Classe Média e Ricos na região 

Um novo balanço na esteira do comportamento econômico do Grande ABC neste século, levando-se em conta a participação relativa de classes sociais, mostra que, apesar de fortemente desindustrializada ao longo de décadas, como Santo André e São Bernardo, São Caetano segura as pontas ao contar com ativos de Classe Rica e Classe Média muito próximos da soma de Classe C e de Pobres e Miseráveis. Não é por outra razão, é evidente, que o valor do IPTU é o maior da região. A lógica de classes sociais implica lógica de padrão de moradia.  

(...) A soma de participação relativa da Classe Rica e da Classe Média tradicional de São Caetano chega a 45,50% do total de famílias. Bem acima do que se registra em Santo André (32,60% e de São Bernardo (31,60%), logo a seguir no ranking. Esses dados são desta temporada. Quando comparado à base dos estudos, de 1999, e, portanto, a partir de 2000, o novo século aponta pouca diferença em São Caetano (eram 44,33%), perda relativamente forte em Santo André (que contava com 39,94%) e perda um pouco mais acentuada em São Bernardo (que contabilizava 46,41%).  

Entretanto, mesmo mantendo a dianteira em representatividade de participação relativa no conjunto de famílias do Grande ABC nas classes Rica e Média, São Caetano não superou as dificuldades impostas pela perda de competitividade econômica. O estrato específico da Classe Rica sofreu perda relativa de 24,10% ao longo de 21 anos. Parte desse volume engrossou crescimento relativo da Classe Média em 9,41%. Ou seja: houve rebaixamento da porção relativa à Classe Rica e parte dessa perda vazou para a Classe Rica. A Classe C aumentou consideravelmente em São Caetano, com índice de 35,62%. E a Classe de Pobres e Miseráveis foi reduzida em 49,91%.  

(...) O que diferencia mesmo São Caetano dos demais municípios da região é o crescimento relativo da Classe Média, mas mesmo assim o resultado está longe de ser favorável, como eventual prova de mobilidade social. Afinal, trata-se de parcela de ricos que perderam essa condição para a escada logo abaixo na grade social, a da Classe Média tradicional. Enfatizar esse aspecto é importante na medida em que inibe teorias negacionistas em relação à perda acentuada de poderio industrial também neste século. Como se já não fossem suficientes as três últimas décadas do século passado. Veja em seguida a dança dos números das classes sociais no Grande ABC neste século:  

1. Santo André contava em 1999 com 6,49% de famílias de Classe Rica, 33,46% de famílias de Classe Média, 36,92% de Classe C e 23,12% de Pobres e Miseráveis. Em 2021 são 3,90% de famílias de Classe Rica (queda relativa de 39,91%), 28,70% de Classe Média (queda relativa de 14,22%), 49,70% de Classe C (aumento relativo de 34,61%) e 17,60% de Pobres e Miseráveis (queda relativa de 23,87%.  

2. São Bernardo contava em 1999 com 9,95% de famílias de Classe Rica, 36,45% de famílias de Classe Média, 32,58% de Classe C e 21,13% de Pobres e Miseráveis. Em 2021 são 3,80% de Classe Rica (queda relativa de 61,80%), 27,80% de famílias de Classe Média (queda relativa de 23,73%), 50,00% de Classe C (aumento relativo de 53,47%) e 18,40% de Pobres e Miseráveis (queda relativa de 9,13%).  

3. São Caetano contava em 1999 com 8,96% de famílias de Classe Rica, 35,37% de famílias de Classe Média, 32,00% de Classe C e 22,36% de Pobres e Miseráveis. Em 2021 são 6,80% de Classe Rica (queda relativa de 24,10%), 38,70% de Classe Média (aumento relativo de 9,41%) 43,40% de Classe C (aumento relativo de 35,62%) e 11,20% de Pobres e Miseráveis (redução relativa de 49,91%).  

4. Diadema contava em 1999 com 1,72% de famílias de Classe Rica, 23,20% de famílias de Classe Média, 46,75% de Classe C e 28,25% de Pobres e Miseráveis. Em 2021 são 1,60% de Classe Rica (queda relativa de 6,97%), 20,50% de Classe Média (queda de 11,64%), 55,50% de Classe C (aumento relativo de 18,71%) e 22,40% de Pobres e Miseráveis (queda relativa de 20,70%).  

5. Mauá contava em 1999 com 1,56%% de famílias de Classe Rica, 25,76% de famílias de Classe Média, 45,86% de Classe C e 26,80% de Pobres e Miseráveis. Em 2021 são 1,70% de Classe Rica (aumento relativo de 8,97%), 21,80% de famílias de Classe Média (queda relativa de 15,37%), 55,60% de Classe C (aumento relativo de 21,24%) e 20,80% de Pobres e Miseráveis (queda relativa de 22,31%).  

6. Ribeirão Pires contava em 1999 com 3,70% de famílias de Classe Rica, 28,08% de famílias de Classe Média, 39,25% de Classe C e 28,95% de Pobres e Miseráveis. Em 2021 são 2,60% de Classe Rica (queda relativa de 29,73%), 24,60% de famílias de Classe Média (queda relativa de 12,29% de famílias de Classe Média, 53,00% de Classe C (aumento relativo de 35,03%) e 19,80% de Pobres e Miseráveis (queda relativa de 31,60%).  

7. Rio Grande da Serra contava em 1999 com 0,45% de famílias de Classe Rica, 14,98% de Classe Média, 46,63% de Classe C e 37,92% de Pobres e Miseráveis. Em 2021 são 0,90% de famílias de Classe Rica (aumento relativo de 100%), 20,10% de Classe Média (aumento relativo de 34,18%), 53,10% de Classe C (aumento relativo de 13,87%) e 25,90% de Pobres e Miseráveis (queda relativa de 32,00%). 



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