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Administração Pública

DANIEL LIMA - 08/10/2021

Um vídeo que circula nas redes sociais coloca Paulinho Serra em situação desconfortável como prefeito de Santo André e prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos. Tudo por conta do aumento do IPTU aprovado apressadamente no Legislativo há 15 dias. Paulinho Serra perdeu uma grande oportunidade, mais uma, de sair-se relativamente bem ante a imperiosidade que a decadência econômica de Santo André e da região impõe.  

Talvez falte a Paulinho Serra uma assessoria mais competente. Ou tomar providências para reduzir a carga de marqueteiros no grupo de aconselhamento. Quem vende ilusão desde o princípio sempre terá de prestar conta com a imposição de contrariedades mais adiante. É o que se coloca como cardápio indigesto a Paulinho Serra.   

Em resumo, Paulinho Serra nega que tenha aumentado o IPTU utilizando-se como todo prefeito da aquiescência domesticada da maioria de vereadores. Além disso, comete o crime institucional de redirecionar a pecha de custo maior de imóveis aos prefeitos de São Caetano, São Bernardo e Diadema.  

Gabinete de crise  

O que me impressiona nisso tudo é a ausência do que chamaria de um gabinete de crise para dar amparo ao jovem prefeito de Santo André. Paulinho Serra vai completar 60 meses de administração em dezembro próximo e ninguém o convenceu de que curandeirismo não parece ser a melhor alternativa ao tratamento de uma Santo André adoecida.  

Quem disser que IPTU não é um insumo próprio ao gabinete de crise latente, porque Santo André está silenciosa nesse momento, não entende nada de psicologia de massa.  

Santo André perdeu muito do que se chamaria de cidadania, mesmo de cidadania tributária, que mexe com o bolso, mas a morte aparente pode não passar de efeitos catatônicos.   

Ou seja: não está fora de cogitação algo que alguns poderiam chamar de ressuscitamento. Quando o torniquete aperta demais, entregam-se os pontos ou vai-se à forra. 

Efeito-rastilho 

Paulinho Serra não precisaria correr o risco de gerar efeito-rastilho de inconformismo porque aumentou sim o custo de morar em Santo André atrelado ao IPCA. Esse medidor inflacionário, utilizado pelo prefeito para atropelar a constatação de aumento da carga tributária, já ultrapassou os 10% em 12 meses e vai atrelar os carnês dos contribuintes na próxima temporada.  

Esse é um grande risco. O risco do ressurgimento de uma reação que já se viu em 2018, segundo ano do mandato. Paulinho Serra foi forçada a recuar. Ou seja: a cidadania de Santo André em vários aspectos está realmente morta, mas não enterrada. Ou a massificação e o diversionismo das redes sociais metralharam de vez qualquer resquício de cidadania municipal?  

Seria mais inteligente, humano e realístico se Paulinho Serra ponderasse num discurso aos contribuintes as dificuldades de administrar Santo André por conta de longeva trajetória de perdas industriais combinadas com o gigantismo de demandas sociais.  

Não há cristo que não se comoveria com a realidade. Adotar medida diversa, de narrativa sem sustentação técnica, é um equívoco que exacerba os ânimos. Mesmo que os ânimos estejam adormecidos.  

Retirando-se a semântica matemática de aumento ou não aumento do IPTU de Santo André, o que temos na prática é que o imposto aumentou sim. E por aumento se entenda o peso do tributo no bolso dos contribuintes tendo como contrapontos vários indicadores econômicos e sociais. Como temos exposto em série de análises desde a semana passada. Sem contar a crise econômica generalizada no País desde a queda de Dilma Rousseff.  

Tecnocracia prevalece 

Olhar para o IPTU com olhar de tecnocrata, como o fez o secretário de Paulinho Serra na área de finanças, é uma prova provada de insensibilidade. Despreza-se, portanto, o ecossistema de perdas gerais com a pandemia do Coronavírus.  

Portanto, os pecados capitais de Paulinho na empreitada do IPTU não se limitam à tentativa do drible da vaca na subjetividade e na multiplicidade de conceitos sobre o aumento em si e tampouco no embate desnecessário com outros prefeitos que têm assento no Clube dos Prefeitos. Também errou o tucano ao desconsiderar o contexto do que chama de atualização da planta genérica e das alíquotas.  

Indiretamente, perde o prefeito também ao cometer esses tropeços porque passa ao conjunto da sociedade um voto de desconfiança e de descrédito. Os equívocos são transpostos naturalmente a outras declarações sobre outros temas, mesmo que essas declarações e esses temas tenham sido abordados de forma correta. Um foco de laranja podre contamina o restante da laranja. Marqueteiros do prefeito deveriam saber disso.  

O encadeamento de atributos de um gestor público não é fruto de um episódio isolado, mas do conjunto da obra de coerências e resolutividades.  

Outro pecado  

Quem como o prefeito Paulinho Serra subestima a capacidade de avaliação dos contribuintes do IPTU, inclusive porque um outro pecado capital entra em campo, não está preparado para agregar valor ao próprio nome.  

Ou seja: estabelece um limite que, no caso de Paulinho Serra, seriam os 48% dos eleitores de Santo André que o reelegeram em novembro passado.  

Esse percentual se refere a eleitores legalmente inscritos à votação. Um resultado expressivo, muito acima dos demais prefeitos da região, mas, e aí entra um outro percalço de marketing, abaixo do obtido pelo então reeleito triprefeito de Santo André, Celso Daniel, na disputa de 2000.  

Mencionei acima um outro pecado nessa equação de descompasso verbal de Paulinho Serra em rede social. Trata-se do descarte de transparência no processo que culminou na aprovação do aumento do IPTU pelos vereadores.  

Tudo foi levado a cabo a toque de caixa. Aparentemente, deu resultado positivo imediato para o Chefe do Executivo de Santo André. Entretanto, como IPTU tem efeito dissimulativo na avaliação dos contribuintes, não se deve duvidar que a medida desande mais à frente, quer em forma de protesto, quer de forma silente, com reprovação aos interesses de Paulinho Serra nas urnas.  

Advertência em 2016 

Muito antes de assumir o cargo de prefeito, em janeiro de 2017, escrevia sobre a importância de Paulinho Serra tratar o mandato com a responsabilidade de quem não poderia se omitir quanto ao peso que o passado de desindustrialização e de quebra da arrecadação municipal lhe imporiam. Ele não me ouviu.  

Paulinho Serra preferiu seguir um roteiro de ufanismo, de triunfalismo, acreditando na lorota de que investimentos desembarcam em qualquer Município ou Estado por conta de narrativas.  

Paulinho Serra deveria ter se pronunciado, desde a posse, que enfrentaria juntamente com os cidadãos de Santo André um desafio que teria novos desdobramento neste século, com outros administradores públicos e representações da sociedade. Ou seja: deveria jogar o jogo da sinceridade sem parecer derrotista, catastrofistas, mas longe da raia que optou por utilizar.  

Por isso, ao impor agora um aumento de carga tributária no lombo dos proprietários de imóveis (e também de locatários), aumenta também o Custo Santo André, embutido no Custo ABC. Se preparasse o terreno desde a posse inicial, teria chegado a essa altura do campeonato sem o risco de rebaixamento de credibilidade.  

Preparando o terreno  

Não é ingenuidade alguma dizer que Paulinho Serra perdeu a oportunidade de sair por cima numa situação de aumento de imposto.  

A preparação do terreno citada acima é um processo de interação emocional com a sociedade. Santo André é doente do pé em logística e ruim de cabeça de planejamento econômico, mas não é um endereço perdido no espaço de competitividade.  

Para tanto, entretanto, precisa fugir da fórmula facilitadora de araque de marketing político-eleitoral e se meter fronteira adiante de perscrutação do futuro que insiste em fugir entre os dedos da negação dos fatos históricos. 

Paulinho Serra ainda tem três aos de mandato. Não é impossível que se aparelhe de humildade e se reconheça uma peça importante mas não única e tampouco suficiente para retirar Santo André de um curso autofágico iniciado nos anos 1980, depois da glória da industrialização.  

Voltando ao passado  

O que o prefeito de Santo André e o prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos não pode colocar como plataforma de sustentação de princípios intocáveis de governar Santo André é a ideia de que sempre será possível enrolar o distinto público.  

Isso e muito mais os antecessores, pós-Celso Daniel, já o fizeram à exaustão. Trata-se, portanto, de filmografia administrativa mais que manjada, além de cansativa. 

Poderia ter encerrado esta breve análise no parágrafo anterior. Mas como gosto de matar a cobra da realidade e mostrar o pau dos argumentos, eis que reproduzo, em seguida, um dos textos que preparei antes mesmo de Paulinho Serra assumir o primeiro mandato, em janeiro de 2017.  

Na edição de oito de novembro de 2016, sob o título “Santo André de Terceira Divisão está à espera de Paulinho Serra”, já alertava sobre condicionantes que imporiam limites e uma dose cavalar de realismo ao recém-eleito. Como não seguiu meus conselhos, deu com a porta do contraditório de problemas na cara. Leiam:  

 Não confundam as bolas, porque não estou falando de futebol e do Santo André, que está na Série A do Campeonato Paulista mas integra a Quinta Divisão do Campeonato Brasileiro. Estou me referindo à situação fiscal que espera pelo prefeito eleito Paulinho Serra. Por isso, o tucano que se prepare. Ao dizer como disse outro dia ao Diário do Grande ABC que Santo André não sofreu grandes mudanças econômicas nos últimos anos ele provavelmente está excluindo as condições dos cofres municipais. Os antecessores Aidan Ravin e Carlos Grana lhe deixaram um abacaxi e tanto. Por isso ainda outro dia escrevi que Paulinho Serra estava a falar demais.  

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 Duvido que o novo prefeito de Santo André tenha conhecimento da situação fiscal como este jornalista. Escrevi em agosto deste ano um artigo denso sobre a situação de Santo André, entre outros municípios da região e do G-22, o grupo dos 22 endereços mais importantes do Estado de São Paulo, exceto a Capital. Ali retratei o estado degenerativo das finanças públicas da Prefeitura de Santo André. Acho que Paulinho Serra e assessores econômicos (será que os tem?) não acompanharam aquele trabalho. Se acompanharam, teria o prefeito eleito mais cautela na propagação da maravilha que pretende implantar no Município que já foi, segundo exalta o próprio hino, um celeiro industrial.  

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 Quem produz com dados oficiais e sistematizados o retrato mais sério e fiel do estado fiscal dos municípios brasileiros é a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro). No chamado Índice Firjan de Gestão Fiscal meti a colher para organizar o que chamei de Campeonato Brasileiro de Gestão Fiscal. Santo André estava na Série A antes da chegada de Aidan Ravin, que entregou o Município na Série B ao sucessor Carlos Grana. É mais que provável que Paulinho Serra, quando forem conhecidos os dados desta temporada de nova queda do PIB (Produto Interno Bruto) terá um presente de grego na forma de rebaixamento à Série C do Brasileiro.  

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 Em 2008, quando o petista João Avamileno deixou o Paço Municipal de Santo André, o Índice Firjan registrava 0,8403 de pontuação classificatória, correspondente à Gestão de Excelência, ou Série A do Brasileiro. No final do ano passado, conforme dados mais atualizados, passados os quatro anos de Aidan Ravin e os três primeiros anos de Carlos Grana, Santo André caiu para a Série B com amplas possibilidades de, quando saírem os dados de dezembro deste ano, ingressar na Série C. O Índice Firjan de dezembro do ano passado, de 0,6286, está praticamente no limite da Série B. Menos que 0,6000 é rebaixamento sem dó nem piedade.  

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 No texto que preparei em agosto deste ano comparei o desempenho fiscal da gestão de Aidan Ravin, entre 2009 e 2012, e o que realizou em três anos o petista Carlos Grana. Com Aidan, Santo André caiu no Índice Firjan de 0,8403 para 0,7105. Um rebaixamento de 0,1298 ponto. Já com Carlos Grana o Índice Firjan caiu para 0,6286, um mergulho de 0,0819 ponto quando comparado a 2012. A quem acha que a queda não é suficientemente preocupante, não custa lembrar o tombo nacional de Santo André, o que em última análise significa o quanto se deterioraram os cofres da Prefeitura.  

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 No ranking nacional, a derrocada foi estonteante no período de sete anos: Santo André ocupava a 41ª posição no Brasileiro de Gestão Fiscal em 2008 e caiu para a 411a posição no ano passado. O ex-prefeito João Avamileno, que sucedeu a Celso Daniel, deixou uma herança bendita que os sucessores dilapidaram. Também expliquei naquela análise que Aidan Ravin contou com contexto macroeconômico mais interessante para realizar administração muito mais positiva do que Carlos Grana. Durante os quatro anos de mandato do então petebista o PIB brasileiro cresceu 13,1% -- média anual de 3,275%.  

Já com Carlos Grana e os desastres de Dilma Rousseff (não contabilizados este 2016 igualmente tenebroso em relação ao ano passado), o crescimento médio do PIB brasileiro deu para trás: entre 2013 e 2015 houve queda de 1,20%. Está mais que claro que Carlos Grana pegou o osso do governo petista, enquanto Aidan Ravin nadou de braçadas. Separar o comportamento do PIB Brasileiro da gestão fiscal dos municípios seria heresia. A economia nacional é movida pelos municípios e os municípios não podem prescindir de competitividade para suportarem a concorrência.  

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 Quando um Município descamba no ranking nacional, como se tem registrado na Província, os sinais de imprevidências administrativas são compulsórios. O Campeonato Brasileiro de Gestão Fiscal é ferramenta imprescindível a qualquer gestor público como um conjunto de insumos a minuciosas avaliações e também como ao estabelecimento de desafios que não se limitem a confrontos com os municípios igualmente na pindaíba como Santo André. Quesitos como Receita Própria, Gastos com Pessoal, Investimentos, Liquidez e Custo da Dívida, como escrevi em agosto ao explicar o que é o Índice Firjan, não são penduricalhos a merecerem quarto de despejo em qualquer circunstância, inclusive durante uma disputa eleitoral.  

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 Para reforçar precaução com o discurso ufanista de Paulinho Serra antes, durante e depois das eleições, convém reafirmar o que diagnostiquei sempre com base nos indicadores da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro: a maior ameaça a pairar sobre a gestão fiscal de Santo André é a baixíssima capacidade de investimento. Alertei sobre o risco de Santo André entrar numa ciranda financeira com obras que terão de sair do papel exclusivamente com aporte de terceiros, de bancos públicos especializados em infraestrutura física, como foi anunciado então pela administração de Carlos Grana, referindo-se ao BID. Sugeri que o caldo fiscal poderia entornar de vez. A mensagem segue válida para Paulinho Serra.  

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 Paulinho Serra precisa organizar um comitê de emergência fiscal para tomar pé e pulso de uma situação que poderá levar sua gestão ao descredenciamento como referência de credibilidade. A crise econômica de Santo André vem de um passado que já completou três décadas e é a pior entre todos os municípios brasileiros, porque persistente e sem perspectiva de estabilidade seguida de reversão. Paulinho Serra precisa ser informado de que se não bastassem farras de despesas de antecessores combinadas com o esgotamento desenvolvimentista de Santo André, é insustentável o crescimento vegetativo dos custos municipais com o funcionalismo público.  Santo André está na ponta da faca.



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