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Imprensa

DANIEL LIMA - 17/09/2021

Com base no noticiário de hoje do Diário do Grande ABC vou promover uma brincadeirinha séria com a Fundação do ABC, o Clube da Saúde de riquíssimo orçamento e um passado de complicações geralmente sufocadas por interesses que os espertalhões chamam de proteção à regionalidade quando o que se tinha no atacado e no varejo era espécie de banco público auxiliar aos grupos instalados no Poder Executivo e respectivos entornos.  

Mal comparando, mas já comparando, e guardadas as devidas proporções, a Fundação do ABC ao longo dos tempos que parecem descartados na gestão da atual presidente, Adriana Berringer, atuou como mistura de Petrobrás, mercado imobiliário e empreiteiras públicas, síntese de esquemas de corrupção no País. Gente poderosíssima, como se sabe.   

Qual alternativa?  

Antes de repassar as informações do jornal com os contraditórios que o ombudsman não autorizado me cobra, não resisto ao que justificaria como brincadeirinha séria.  

a) O projétil afetou meu cérebro. 

b) Não entendo nada de jornalismo. 

c) Perdeu-se a noção de denúncia.  

A resposta abarca alternativas expostas. Qual combinação o leitor mais defenderia como verdadeira? 

a) O projétil afetou meu cérebro e não entendo nada de jornalismo. 

b) O projétil afetou meu cérebro e se perdeu a noção de denúncia. 

1. Não entendo nada de jornalismo e perderam a noção de denúncia. 

Incompatibilidade  

Perceberam que é impossível compatibilizar especificamente cada uma das três combinações, porque se mostram conflitantes? Daí que o mais ajuizado mesmo é partir para processo de exclusão. Qual dessas premissas seria mais vulnerável?  

1. Os médicos asseguram que o projétil da Taurus 38 que atingiu meu rosto a 50 centímetros de distância não me causou danos cognitivos. 

a) De jornalismo entendo alguma coisa. 

b)  A matéria é inviolável como peça informativa.  

Minha opção, que até prova em contrário não é nada suspeita, é clara: a manchete do Diário do Grande ABC de hoje (“Trio dá suporte para Adriana na gestão da Fundação do ABC”) e o texto correspondente são o que generosamente chamaria de impressionante escorregão editorial. A denúncia velada, que ultrapassa o terreno da subjetividade ao levar o leitor a acreditar que temos um novo escândalo na Fundação do ABC, não passa de um tiro de festim.  

PCC ou foragidos?  

Não existe um parágrafo sequer a dar guarida à desconfiança de que, extrapolando todos os pontos, a presidente da Fundação do ABC contaria com integrantes do PCC na gestão da instituição. Ou que, então, três foragidos da Justiça estão ali, plantados indevidamente na administração de uma entidade com orçamento superior a R$ 2 bilhões.  

Sob a manchete da página de Política, como é padrão do Diário, uma linha auxiliar complementa o enunciado: “Patrícia Veronesi, Ricardo Carajaleascow e Fernando Minciotti, indicados de Auricchio, atuam em cargos-chave nos setores financeiro e administrativo”.  

Vou reproduzir a matéria do Diário com os contrapontos que somente um ombudsman não autorizado poderia fazer. O objetivo não é outro senão chegar ao fim da linha tendo a resposta definitiva à brincadeirinha séria exposta acima. Estou preocupado com meu cérebro e também com a possibilidade de que esteja na profissão errada há mais de cinco décadas. Vamos em frente: 

 Diário do Grande ABC 

A presidente da FUABC (Fundação do ABC), Adriana Berringer Stephan, conta com trio de aliados para operacionalizar a rotina da instituição, em cargos estratégicos para lidar com a administração de pessoal e financeira da organização social. Todos indicados da época do ex-prefeito José Auricchio Júnior (PSDB), de São Caetano.

Patrícia Veronesi, Ricardo Carajeleascow e Fernando Garbelotti Minciotti atuam em funções destacadas dentro da fundação e, nos bastidores, são conhecidos como fiéis escudeiros de Adriana – indicada ao posto também por Auricchio, no ano passado. 

 CapitalSocial 

Surpreendente seria se o ex-prefeito José Auricchio Júnior não indicasse à Fundação do ABC o naco de executivos ao qual tinha direito numa instituição administrada juntamente com os prefeitos de Santo André e São Bernardo. Todos os prefeitos do passado e do presente dos três municípios contaram e contam com a prerrogativa de escolher as peças que ocuparão o tabuleiro de gestão de uma organização complexa no conjunto da obra que reúne mais que qualificações corporativas, porque é institucionalmente política e partidária. Uma estatal dividida em três partes. Um recorte que não carrega DNA pecaminoso, porque o princípio da sistematização de recursos financeiros e humanos para gerir a saúde pública é prerrogativa a ganhos cumulativos.  

 Diário do Grande ABC

Advogada, Patrícia comanda a central de convênios de forma interina, desde a saída do hoje secretário de Administração de Santo André, Almir Cicote (Avante). Ela tem salário bruto de R$ 30.654,36 para cuidar do maior braço da instituição, que tem 10.671 funcionários e receita total de R$ 1 bilhão, em dados de 2020. A advogada chegou ao posto com a saída de Carlos Eduardo Fava, o Cacá, também de Santo André, e se ausentou da vaga por duas semanas, no período em que Cicote gerenciou a área. 

 CapitalSocial 

Faltou informar ao distinto público que tanto o primeiro, Carlos Eduardo Fava, como o segundo, Almir Cicote, indicados pelo prefeito Paulinho Serra, de Santo André, contabilizaram ações que não poderiam ser enquadradas como republicanas. O primeiro chegou a ser ameaçado de morte e dirigiu a Central de Compras com extrema incompetência, conforme auditoria externa contratada pela presidente da Fundação. Em tempos normais de investigações, Fava encontraria um endereço de descanso que possivelmente não seria sua residência. E Cicote, fora de qualquer intimidade com a área de saúde, conforme constatou o Ministério Público Estadual, foi retirado do cargo sem apelação.   

 Diário do Grande ABC

Fernando Minciotti é filho do ex-secretário de São Caetano e ex-reitor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Silvio Minciotti. Ingressou nos quadros de colaboradores da FUABC em 2017, com o retorno de Auricchio ao Palácio da Cerâmica. Fernando é gerente de compras da central de convênios, com salário de R$ 23.018,07, e está na área responsável pelos contatos com fornecedores. Carajeleascow coleciona passagens por outras prefeituras da região – como São Bernardo, Mauá e Ribeirão Pires – e tem dupla jornada na FUABC. É diretor técnico do Hospital Maria Braido, em São Caetano, com rendimento de R$ 21.364 brutos, além de ser gerente técnico de projetos, com vencimentos de R$ 10.869,22, na matriz da fundação. Somadas, as jornadas chegam a 300 horas mensais – média de 13 horas diárias, de segunda a sexta. 

 CapitalSocial  

Até prova em contrário, não há nada nas informações do Diário do Grande ABC que possa ser catalogado como enquadramento dos executivos selecionados por José Auricchio Júnior como membros efetivos ou reservas de qualquer organização que tenha relação direta com o Código de Processo Penal.  

 Diário do Grande ABC 

Médico ginecologista, Carajeleascow é réu em ação civil pública que tramita na 1ª Vara de Paulínia, no Interior, cidade onde foi secretário de Saúde, denunciado pelo Ministério Público por suspeita de direcionamento de licitações no município. 

 CapitalSocial 

O apontamento do Diário é oportuno, mas incompleto. A informação poderia ter complemento que tornassem as atividades de Carajeleascow menos sensíveis à especulação. Seria o médico ginecologista um potencial infrator reincidente ou, como o processo está em primeira instância, como registra o jornal, um possível infrator reincidente? Haveria algum fiapo de ilegalidade na nomeação do profissional?   

Diário do Grande ABC

Ao Diário, a direção da FUABC pontuou que “todos os profissionais mencionados ocupam cargos técnicos, com formação e experiência comprovadas nas áreas em que atuam, em total conformidade com o Termo de Ajustamento de Conduta assinado pela FUABC junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo”. “Diante do detalhamento das funções, atribuições e jornadas profissionais dos colaboradores citados pela reportagem, a Fundação do ABC reitera que todos atendem rigorosamente aos critérios técnicos necessários para os cargos que ocupam, cumprem as jornadas de trabalho estipuladas e têm desempenho satisfatório, sem nenhum tipo de apontamento pela área de recursos humanos.” 

 CapitalSocial 

Mais uma vez os enunciados da reportagem se mostram incompatíveis com a manchete de página do Diário do Grande ABC. Vamos aguardar os próximos parágrafos para ver, finalmente, se temos mais um escândalo na Fundação do ABC, agora sem as digitais de Paulinho Serra.  

 Diário do Grande ABC

Especificamente sobre Fernando, a FUABC negou que seu parentesco tenha motivado sua contratação, já que Silvio deixou a reitoria da USCS em 2012, “muito antes da contratação” na fundação.  

CapitalSocial 

E chegamos ao fim do texto com a certeza de que: 

1. O projétil da Taurus 38 não afetou meu cérebro. 

2. Acho que continuo a entender alguma coisa de jornalismo. 

3. Perdeu-se a noção de denúncia.  



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