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Administração Pública

DANIEL LIMA - 30/08/2021

Por mais que desconfie de CPI, por mais que ache CPI uma enrolação, por mais que todo mundo imagina o que seja uma CPI, acho que o prefeito Paulinho Serra precisaria passar por uma CPI. Daí, a CPI do Semasa é uma boa pedida. Mais que, portanto, a CPI da Água proposta pelo vereador psolista de Santo André. Ricardo Alvarez. Sobretudo se, findos os trabalhos, o Ministério Público Estadual resolver dar uma ajudazinha e meter o bico na conversa.  

A neoprivatização ou neoestatização do Semasa pela Sabesp é uma senhora falta de transparência da Prefeitura de Santo André.  

Mantenho vários pontos de vista divergentes de Ricardo Alvarez. Ele é estatista e eu sou privatista. As variantes de ideologias tão distintas marcam nosso território, mas não interditam o debate. Talvez ele seja tão defensor da livre-iniciativa, sobremodo dos pequenos negócios, como eu.  

Um dia desses, quando me recuperar, vou conversar pessoalmente a respeito com ele, confirmando um encontro que já marcamos e não efetivamos por conta do Coronavírus e do tiro.  

Bom-senso 

Daniel Lima e Ricardo Alvarez podem não dar rima, mas circunstancialmente dão bom-senso. Basta querer. Aproximar eventuais convergências e dar uma trégua nas divergências dão muito mais produtividade nos diálogos. Duro mesmo é um encontro de iguais essencialmente estéril. Vale como encaixe pessoal, mas não acrescenta nada no âmbito profissional. Como as mídias sociais. E a chamada Grande Mídia, que matraca em uníssono os mesmos objetivos com a cara de pau de que praticariam informação democrática.  

No caso específico do negócio envolvendo Semasa-Sabesp, Ricardo Alvarez está sendo generoso com o prefeito Paulinho Serra. E mesmo assim encontra muitas dificuldades para levar adiante a proposta de instalar uma CPI da Água, como o vereador do PSOL definiu o movimento.  

O melhor mesmo seria a CPI do Semasa, com uma previsível, senão obrigatória, extensão ao Ministério Público. 

Resposta efetiva  

Acho que as duas medidas conjugadas dariam aos contribuintes de Santo André algo que se aproximaria de uma das vertentes do conceito que a maioria alimenta em relação a quem ocupa cargos semelhantes: Paulinho Serra é um administrador público acima de qualquer suspeita ou é mais um administrador público metido em encrencas pouco republicanas.  

Ricardo Alvarez denuncia que o serviço de água aumentou 23% e da coleta de lixo 28% após o que chama de “entrega” do Semasa para a Sabesp. E pergunta: “Qual a justificativa para este aumento?”.  

O vereador não dá trégua à gestão de Paulinho Serra ao ressaltar o pedido de CPI para investigação na Câmara Municipal. São necessárias sete assinaturas. Está difícil alcançá-las. A CPI da Água depende de apoio popular. As assinaturas populares correm soltas. Os meios eletrônicos viraram arma contra o protecionismo das mídias tradicionais aos donos do poder.  

Ciranda do quê?  

Nas redes sociais, com a liberalidade das redes sociais, com as idiossincrasias das redes sociais, Ricardo Alvarez reconhece a dificuldade de aprovar uma CPI que trate do Semasa, seja puramente da água pós-negociação, seja eventualmente a CPI que sugiro. Alvarez chama os vereadores da situação de integrantes da “ciranda dos envelopes”. O leitor tem ideia do que seja isso?  

Será que o Legislativo de Santo André abre espaço a alguma brincadeira infantil que contaria com alunos aleatoriamente ou não convidados a participar da tal “ciranda dos envelopes”.  

Seriam envelopes lançados ao ar com algum tipo de regalo que os alunos mais afortunados apanhariam para rechear as geladeiras ou enriquecer a brinquedoteca?  

Ou a “ciranda dos envelopes “seria o que poderia se caracterizar como uma variável inicial e portanto mais modesta da corrente de felicidade da dinheirama que encontraram num dos apartamentos de Geddel Vieira Lima?  

Negociação obscura  

Escrevi várias análises sobre o desaparecimento da água do Semasa em favor da Sabesp. Coloquei o negócio sempre e sempre entre dois patamares: a imperiosidade da negociação sob o ponto de vista de eficiência com os recursos públicos de Santo André e uma tábua de transparência que não deixasse dúvida quanto à idoneidade dos agentes envolvidos. A transferência do Semasa para a coleção da Sabesp não atendeu até agora a nenhum daqueles requisitos básicos.  

Tanto é verdade que em 3 de agosto do ano passado (portanto há mais de um ano) preparei um texto sob o título “Demissões e muitas dúvidas marcam a venda do Semasa”. Nenhuma resposta foi dada. Por isso entendo estar faltando na CPI da Água algo mais agudamente profundo. A CPI do Semasa é a medida certa.  

Pensando nisso, reproduzo os principais trechos da análise que fiz em agosto do ano passado. Recuperar o passado, qualquer que seja o passado, recente e remoto, é um prazer para uns e um terror para outros. Ocupo a fila de gargarejo dos primeiros: 

 Sim, o que temos é uma coleção de dúvidas jamais levantadas, mas que precisam ser esclarecidas. Isso não é uma acusação e muito menos uma especulação; apenas uma curiosidade que pode, agora sim, se transformar em intervenção de órgãos competentes. Quem tem de responder a tudo é o prefeito de Santo André, Paulinho Serra, e o superintendente da autarquia, o engenheiro Ricardo da Silva Kondratovich.  O tucano que comanda Santo André teve a coragem de acabar com a farra do Semasa, um trambolho metido em sistemática corrupção, inclusive no mercado imobiliário. Mas a história da transferência à Sabesp não está bem contada. E precisa ser bem contada. Sem conto da Carochinha.   

Mais obscuridade  

 Para começar, há centenas de trabalhadores do Semasa pendurados na folha de pagamentos da autarquia municipal, mas que prestam serviços de água e esgoto à Sabesp, conforme contrato firmado entre as partes. Tudo isso se dá desde que tanto uma coisa quanto outra, ou seja, água e esgoto, foram transferidos para aquela empresa sob controle estatal e que conta inclusive com ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque. (...) Uma nova legislação que acabou com a reserva de o Estado mandar e desmandar (muito mal por sinal) nesses dois delicados pontos de infraestrutura com ampla repercussão na saúde pública.  O modelo de transferência imposto ao Semasa não é o desejado em nenhum regime que se pretenda democrático. A obscuridade que se implantou como fórmula protetiva a eventuais cambalachos (isso não é uma acusação, agora é mesmo especulação ditada pelo modus operandi num País que não prescinde jamais de uma Operação Lava Jato) recomenda que o prefeito Paulinho Serra, ao superintendente do Semasa e a direção executiva da Sabesp venham a público explicar todas as razões que levaram à condução de um contrato supostamente desiquilibrado entre as partes. Ou, sinceramente, alguém é capaz de defender (até que contra-argumentos supostamente sólidos sejam apresentados) que uma empresa ligada à Prefeitura de Santo André (é como opera o Semasa, que continua a existir, embora sem água e esgoto) ceda durante nove meses à empresa compradora do domínio sobre a mesma água e esgoto (Sabesp), centenas de trabalhadores, arcando, o Semasa, pelos pagamentos de salários e direitos trabalhistas? Teria sido esse o desenlace. Provas são indispensáveis à negação.  

Mais obscuridade  

 (...) Algumas questões desdobram-se dessa cobrança pública e não creio que elencar alguns pontos intrigantes seja um desserviço à sociedade, como alguns empedernidos defensores de cores administrativas e partidárias esgrimem.  a)  Qual é o custo mensal dessa cessão de servidores sem ônus para a empresa compradora dos direitos até então exercidos pela autarquia de Santo André?; b)  Qual é o passivo trabalhista no sentido mais amplo da expressão desse contingente enorme de trabalhadores e quem vai arcar com os resgates?, c) Qual será o destino reservado aos trabalhadores ao fim do contrato de cessão da mão de obra, em 31 de dezembro próximo?, d) Como se daria a realocação desses profissionais em caso de a Sabesp abrir mão de seus trabalhos, tendo como base de inquietação o fato de que eles atuam diretamente na especialidade da compradora?, e) Qual foi o critério estabelecido entre as partes para definir o período de empréstimo de trabalhadores do Semasa à Sabesp tendo como trajeto passagem pelas eleições municipais para, em seguida, na virada do ano, encerrar-se?, f)  Consta do contrato firmado entre as partes, um contrato ao qual poucos têm acesso, todas as informações que respaldam essa aparente inconformidade que tem tudo para se caracterizar como gentileza além da conta com o dinheiro público?  g) Teria a Sabesp repetido na compra do Semasa alguma operação similar em outros municípios sobre os quais também lançou mão da política expansionista ou se tratou apenas e exclusivamente de iniciativa específica, pontual, estratégica?   

Mais obscuridade  

 (...) O caso Semasa/Sabesp recomenda atuação incisiva da Prefeitura e da empresa de capital misto e controle estatal. Há uma porção de pontos obscuros firmados a toque de caixa e consolidados em contrato em julho do ano passado. Desconfia-se seriamente que mais que aquisição dos ativos do Semasa relacionados a água e esgoto em troca de uma dívida que virou precatório (e também de outros valores financeiros) exista uma conjugação de ações delituosas em prejuízo dos cofres públicos de Santo André. Quando digo que há essa possibilidade de delito e que aquele contrato representaria prejuízos aos cofres públicos de Santo André quero dizer com todas as letras e cifras que não se trata de uma ninharia qualquer. E não se limitaria exclusivamente à demissão de trabalhadores. O silêncio nas próximas 24 horas dos envolvidos direta e indiretamente naquela negociação vai determinar o nível de compadrismo entre eles e, mais ainda, até que ponto é possível chegar em forma de irresponsabilidade quando muito dinheiro está em jogo.



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