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Economia

DANIEL LIMA - 23/07/2021

O que os leitores mais recentes de CapitalSocial e também os leitores que não conheceram a revista LivreMercado vão contar nestas linhas é com mais uma análise do comportamento da economia do Grande ABC no período que começa em 1994, quando foi implantado o Plano Real, e, agora, o ano passado. No meio desse longo caminho de 26 anos tem, entre tantos obstáculos e oportunidades, o Rodoanel Mário Covas. Cantamos a caçapa muito antes da obra começar: o Grande ABC se daria muito mal. E está se dando muito mal.  

A obra do governo do Estado vista como a salvação da lavoura regional é um tiro que saiu pela culatra da competitividade. O traçado ainda incompleto (falta o tramo Norte) acelerou o processo de desindustrialização do Grande ABC e beneficiou tremendamente várias regiões no entorno da Grande São Paulo, a principal das quais o Grande Oeste, que tem Barueri e Osasco como cabeças de desenvolvimento econômico.  

Como das outras vezes ao longo de 31 anos de circulação impressa e digital das duas publicações sob o meu comando editorial, os dados são horripilantes para quem, como os triunfalistas da região, não acordaram para a realidade dos fatos. Agora, no período que abrange 1994-2020, encurtou ainda mais a diferença do Valor Adicionado da região em relação ao Grande Oeste. Trocando em miúdos: enquanto perdemos geração de riqueza, aquela região avança continuamente.  

O Município que menos cresceu no grupo do Grande Oeste cresceu mais que o melhor município do Grande ABC. Se o leitor não entendeu, vamos dar um exemplo claro: 

Melhor dos piores 

Rio Grande da Serra, o menor e menos expressivo endereço municipal do Grande ABC, cresceu nominalmente (sem considerar a inflação) no período 620,63%. No Grande Oeste, quem avançou menos no mesmo traçado temporal foi Osasco, com 755,18 %.   

O contraste entre o pior dos melhores e o melhor dos piores (ou seja, do Grande Oeste e do Grande ABC) já é suficiente para aplacar qualquer dúvida sobre o destino criador e o destino destruidor do Rodoanel Mário Covas quando se trata de Desenvolvimento Econômico.  

A velocidade de crescimento do Valor Adicionado do Grande Oeste em 27 anos é mais que o dobro da registrada no Grande ABC. O Grande Oeste avançou em termos nominais (que não considera a inflação do período) 1.225,66%, enquanto o Grande ABC apontou 502,37%. Com isso, estreitou-se consideravelmente a diferença entre as duas geoeconomias. 

Em 1994, no tiro de largada dos estudos, o Grande ABC contava com Valor Adicionado de R$ 16.032.475 bilhões, ante R$ 4.396.134 bilhões do Grande Oeste. Já em 2020, segundo os dados mais recentes da Secretaria da Fazenda do Estado, o Valor Adicionado do Grande ABC registrava R$ 82.145.830 bilhões, ante R$ 58.277.724 bilhões do Grande Oeste.  

Dessa forma, se em 1994 o Valor Adicionado do Grande Oeste correspondia a apenas 27,42% do Valor Adicionado do Grande ABC, na reta de chegada mais atualizada a participação do Grande Oeste chegou a 70,94%. A velocidade de crescimento é que faz a diferença diminuir.  

Presente de grego   

Como apontamos ao longo do tempo, o Rodoanel foi um presente de grego para o Grande ABC. Inaugurado somente em 2010, o trecho Sul, que passa tangencialmente pelo Grande ABC, chegou após oito anos de construção do trecho Oeste, que atende praticamente a todos os municípios que pertencem à divisão geográfica estabelecida pelo governo do Estado. 

Exatamente porque demorou a chegar no Grande ABC e chegou mais rápido (ou menos demoradamente) ao Grande Oeste, o Rodoanel Mario Covas precisa ser contabilizado como agente de mudanças num período mais elástico.   

A implantação do Plano Real de moeda mais estável ou menos instável é o ponto de partida de estudos de LivreMercado e de CapitalSocial. As mexidas no tabuleiro de redirecionamento e também de novas instalações de plantas industriais começaram antes da inauguração do trecho Oeste.  

Tudo trancado  

É assim que funciona a economia. Os estrategistas em competitividade estão sempre de olho, entre outros pontos, em aspectos logísticos. E, como se sabe, a logística interna e externa do Grande ABC é uma calamidade pública.  

A Avenida do Estado, que passa por São Caetano, Santo André e Mauá, mas cuja influência regional remonta a passado de infraestrutura viária que não contava sequer com a Rodovia Anchieta, virou passarela de desperdício. Perdeu a capacidade indutiva de investimentos produtivos desde muito tempo. Percorrer a Avenida do Estado é um teste de fogo para quem tem paciência de monge. Imagine para quem corre atrás de resultados econômicos.   

Vejam abaixo o desempenho dos 14 municípios do Grande ABC e do Grande Oeste no quesito Valor Adicionado tendo numa ponta o 1994 do Plano Real e em 2020 a Pandemia do Coronavírus:   

1. Santo André contava com Valor Adicionado de R$ 2.309.978 bilhões em 1994 e passou para R$ 13.894.937 em 2020. Evolução nominal de 505.52% no período.  

2. São Bernardo contava com Valor Adicionado de R$ 7.326.093 bilhões em 1999 e passou para R4 31.563.505 bilhões em 2020. Evolução nominal de 330,83% no período.  

3. São Caetano contava com Valor Adicionado de 2.135.045 bilhões em 1994 e passou para R$ 11.110.235 bilhões em 2020. Evolução nominal de 387,69% no período. 

4. Diadema contava com Valor Adicionado de R$ 1.698.337 bilhão em 1994 e passou para R$ 10.308.174 bilhões em 2020. Evolução nominal de 506,95% no período. 

5. Mauá contava com Valor Adicionado de R$ 2.186.936 bilhões em 1994 e passou para R$ 12.878.353 bilhões em 2020. Evolução nominal de 488,87%.  

6. Ribeirão Pires contava com Valor Adicionado de R$ 345.461 milhões em 1994 e passou para R$ 2.169.933 em 2020. Evolução nominal de 618,12%.  

7. Rio Grande da Serra contava com Valor Adicionado de R$ 30.625 milhões em 1994 e passou para R$ 220.693 milhões em 2020. Evolução nominal de 620,63% no período. 

8. Barueri contava com Valor Adicionado de R$ 2.181.668 bilhões em 1994 e passou para R$ R$ 24.606.320 em 2020. Evolução nominal de 1.027,88% no período. 

9. Carapicuíba contava com Valor Adicionado de R$ 131.960 milhões em 2014 e passou para R$ 2.479.045 bilhões em 2020. Evolução nominal de 1.765,25% no período. 

10. Itapevi contava com Valor Adicionado de R$ 201.067 milhões em 1994 e passou para R$ 8.677.363 bilhões em 2020. Evolução nominal de 4.215,66% no período. 

11. Jandira contava com Valor Adicionado de R$ 208.159 milhões em 1994 e passou para R$ 2.009.598 em 2020. Evolução nominal de 865,41% no período. 

12. Osasco contava com Valor Adicionado de R$ R$ 1.497.105 bilhão em 1994 e passou para R$ 12.803.038 bilhões em 2020. Evolução nominal de 755,18% no período. 

13. Pirapora do Bom Jesus contava com Valor Adicionado de 13.160 milhões em 1994 e passou para R$ 260.703 milhões em 2020. Evolução nominal de 1.881,02% no período. 

14. Santana de Parnaíba contava com Valor Adicionado de R$ 87.428 milhões em 1994 e passou para R$ 5.968.562 bilhões em 2020. Evolução nominal de 6.726,83% no período.  

Caçapa cantada  

O que reproduzo abaixo é uma análise que publiquei no Diário do Grande ABC e na revista CapitalSocial em 26 de dezembro de 2004. Tratei (mais uma vez) do Rodoanel Mário Covas. E utilizei mais uma vez uma avaliação cética quanto aos resultados que viriam com a obra inaugurada somente oito anos depois. “Presente de grego?” foi o título provocativo, lastreado na experiência de quem sabe que os males do Grande ABC não são males comuns. O texto que se segue é espécie de resumo da marca registrada de LivreMercado e CapitalSocial – o compromisso com o futuro do Grande ABC sem se entregar aos mandachuvas e mandachuvinhas do momento:  

 A cronologia do trecho sul do Rodoanel é a síntese do desprestígio institucional do Grande ABC. Considerada essencial à recuperação econômica da região, a obra virou jogo de empurra-empurra entre governo estadual e governo federal. Não bastassem intrigas palacianas, deputados estaduais e federais batem em seus próprios dirigentes ou amplificam rusgas entre petistas e tucanos. A dependência de recursos da complicadíssima Parceria-Público-Privada acrescenta fogo na fogueira da desconfiança de que, quando eventualmente chegar ao Grande ABC, o Rodoanel será menos valioso. Aliás, tenho minhas dúvidas sobre os efeitos miraculosos creditados aos poderes infraestruturas do Rodoanel. Já escrevi sobre o assunto mas não custa repetir: a obra que tangenciará Santo André, Mauá, São Bernardo e Diadema é faca de dois legumes, como diria Vicente Matheus. 

Mais texto de 2004 

 Da mesma forma que o Rodoanel acrescentará à geografia produtiva do Grande ABC algumas áreas de acesso que possibilitarão o drible da vaca no caos interno da Região Metropolitana de São Paulo, escancarará de vez o convite explícito a novas deserções industriais para regiões próximas da Capital. Para tanto, contará com a garantia técnico-econômica de que a menor distância em direção às exportações pelo Porto de Santos não está presa necessariamente ao convencionalismo cartográfico.   

Mais texto de 2004  

 Vou tentar explicar por que o Rodoanel tem outro lado da moeda que ninguém quer enxergar. Imagine uma fábrica instalada em São Bernardo cujos custos gerais no regime de competitividade globalizada estão no limite. Exportadora, essa empresa conta com a facilidade do Porto de Santos tão próximo para amenizar com transporte o custo superior da mão-de-obra, da estrutura imobiliária, da segurança e mesmo da logística urbana interna de maltraçadas ruas e avenidas sempre congestionadas que nada têm com a vantagem do desafogo do Rodoanel. Ora, quando essa empresa tiver a opção de se transferir para a São Paulo Expandida muito mais bem atendida em sistema viário e em custos trabalhistas, locacionais e de qualidade de vida, será que vai continuar na região se na ponta do lápis o Rodoanel proporcionar em direção ao Porto de Santos custos logísticos apenas levemente superiores aos atuais? 

Mais texto de 2004  

 O exemplo não é aleatório. Podem acreditar que se trata de algo imperativo no mundo dos negócios. Estamos pagando o preço do pioneirismo industrial que incluiu articulações sindicais. Mesmo ou por causa dos exageros, os sindicatos mais organizados deram aos trabalhadores locais vencimentos que os instalaram num quadro de mobilidade social jamais vivido no País. Outras regiões de industrialização tardia vivem sob referenciais de custos compatíveis com a guerra fiscal. Por isso, o fator Rodoanel é componente muito mais complexo do que acreditam aqueles que só vislumbram a obra como vigoroso corte de valor viário.  

Mais texto de 2004  

 O olhar abusivamente simples anestesia a capacidade de análise da obra. Para os técnicos do governo do Estado que se pronunciam sobre o Rodoanel, vale única e exclusivamente a estática econômica do traçado. Para os ambientalistas, sempre em busca de holofotes, prevalece a inquietação com o adensamento urbanístico ao longo desse cinturão de potencialidades destrutivas aos mananciais. Para os políticos, por mais boa vontade que eventualmente demonstrem, o partidarismo e as próximas eleições falam mais alto.  

Mais texto de 2004   

 O impacto do Rodoanel especificamente na economia do Grande ABC é equação que precisa ser avaliada sim. A cobrança que se faz sobre o calendário da obra não pode de forma alguma consensualizar a certeza de que não há, paradoxalmente, pedras no caminho da competitividade empresarial. Uma prova de que por vias transversas os dirigentes públicos do Grande ABC sabem que o Rodoanel é tanto oportunidade como ameaça ao futuro está no recente anúncio de plano de obras integradas ao sistema viário regional. A deliberação do Consórcio de Prefeitos se soma aos milhões de dólares que São Bernardo está contratando junto ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para reestruturar o viário interno que, provincial, colide com a grandeza da economia mais portentosa da região. 

Mais texto de 2004  

 Por essas e por outras se tornou obrigatória às instâncias públicas e privadas do Grande ABC colocar o Rodoanel na pauta de emergências temáticas para o próximo ano. Resta saber se prefeitos, secretários municipais, deputados, vereadores, instituições empresariais e sociais conseguirão sair do atoleiro de imobilidade que caracteriza a inanição regional. Governo nenhum, de qualquer instância, age por livre e espontânea vontade. Ou a comunidade aperta o cerco, ou o cronograma e a utilidade regional do Rodoanel seguirão como intrigantes pontos de interrogação. 



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