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Sociedade

DANIEL LIMA - 22/07/2021

O Ministério Público Estadual de São Bernardo requereu ao Judiciário a condenação de meu assassino covarde e frustrado. O homem que desceu o pequeno lance de escada do pet shop próximo à minha residência, engatilhou um revólver Taurus 38 e, a 50 centímetros de distância, desferiu um tiro em meu rosto, enquanto minhas mãos seguravam as guias de minhas cachorras, esse homem, Ageu Rosas Galera, deverá ir a Júri Popular.   

Aquele primeiro de fevereiro seguido de 10 dias de internação hospital, seis dos quais em UTI, certamente não ficarão impunes. Tampouco os até agora 172 dias pós-tiro à queima-roupa. Há danos emocionais e físicos que persistem.  

O projétil segue coladíssimo a uma artéria letal na região do pescoço. É um estranho no ninho que se agita na medida em que o frio aumenta e também quando coloco o corpo a andar. O trapézio, região formada por tórax, ombros e pescoço, é a área corporal mais impactada. Traqueia, laringe e faringe também acusam rescaldos da agressão. Além da próstata e da arcada dentária. O paladar segue sujeito a chuvas e trovoadas ditadas pela oxidação do chumbo do projétil.  

Projétil e Covid  

Também há dissonância físico-cognitiva entre o cérebro e as mãos. A rapidez das mensagens cerebrais não é acompanhada pela velocidade de movimentos. Há um fração de milésimo de segundo de retardamento. Por isso ando quebrando muitos utensílios domésticos. Antes me orgulhava de bater recordes temporais de invencibilidade na cozinha.  

A cirurgia de retirada da marca material de uma tragédia banal precisa combinar com os russos da Covid à espreita. A eliminação do projétil seria uma alforria físico-clínica com repercussão em todo o corpo.  Ageu Rosas Galera está cumprindo prisão preventiva.  

Na edição de hoje vou reproduzir as conclusões da representante do Ministério Público Estadual. Em próximas edições vou preparar a defesa do escritório de especialistas que me representa. São documentos complementares que retratam fielmente o acontecimento.  

Ficcionista infatigável  

A peça do representante de Ageu Rosas Marques, também encaminhada ao juízo da causa, é uma amarração teórica sem nexo com os fatos. É uma ficção que não merece ser reproduzida, exceto em alguns trechos que provam o desvario argumentativo. O desespero de defender um assassinato frustrado é o berço que embala os desvarios de uma versão paralela desrespeitosa, quando não potencialmente assassina de reputação.  

O principal choque que arrebenta de vez a fantasiosa tentativa de transformar um assassino em mocinho tem uma então funcionária do pet shop como protagonista. Preparada para integrar a orquestração de mentiras em depoimentos na Polícia, no dia seguinte ao assassinato frustrado, a então funcionária seguiu rigorosamente o esquadrinhamento de um enredo farsesco. Mas, dias depois, solicitou demissão da empresa e, em juízo, contou a verdade dos fatos. Ateou fogo na mentira deslavada que procura atenuar o crime cometido, a infame versão de que houve briga corporal seguida de tiro acidental.  

Trata-se de conversa mole para idiotas acreditarem e publicarem sem o contraditório da verdade. Tanto que, entre provas de diversos calibres (com perdão da expressão) o assassino Ageu Rosas Galera surrupiou a gravação das imagens captadas pelo sistema interno de segurança. Uma prova cabal do assassinato frustrado que possivelmente não fará falta à condenação, tantos são os elementos esclarecedores. Inclusive a ex-funcionária arrependida de aceitar um enredo inverossímil por razões outras que serão apresentadas no Tribunal do Júri.  

A decisão da promotoria  

A promotora criminal da Vara do Júri e Execuções de São Bernardo, Thelma Thais Cavarzere produziu uma peça contundente no fim do mês passado. Veja alguns trechos: 

 Conforme se depreende do conjunto probatório formado nos autos, há prova robusta da materialidade, assim como indícios suficientes da autoria delitiva. A prova oral produzida em juízo, somada aos depoimentos colhidos pela autoridade policial e às provas periciais realizadas, corroboram os crimes narrados na denúncia. No caso em análise, os depoimentos da vítima sobrevivente e das testemunhas da acusação são convergentes, sendo possível observar que a vítima, em razão da demora na prestação do serviço de banho e tosa referente a dois cães, questionou Ageu, tendo este colocado suas cachorras no chão e dito que poderia levar os animais embora, que a vítima não precisaria pagar e que não queria mais ver a cara dela. 

Mais promotora criminal 

 Na sequência, após a vítima dizer à esposa do acusado que não contrataria novamente os serviços do empreendimento, Ageu retornou do andar de cima com uma arma na mão direita e prosseguiu na direção da vítima, tendo esta questionado se Ageu o mataria. Ageu nada disse e efetuou o disparo contra o rosto do ofendido, a cerca de cinquenta centímetros de distância. Observe-se que a versão da vítima Daniel foi corroborada pelas testemunhas presenciais Maria Aparecida Nascimento e Rafael Pimentel da Silva. Rafaela, inclusive, foi funcionária do estabelecimento comercial citado na denúncia, e pediu demissão após os fatos. Ela narrou ainda que não houve qualquer luta corporal entre o acusado e a vítima, mas tão somente uma discussão entre as partes.  

Mais procuradora criminal 

 Ressalte-se que, com relação às testemunhas de defesa, estas são funcionárias da loja cujos proprietários são Ageu e sua esposa Letícia, razão pelas qualquer as suas declarações devem ser analisadas com ressalvas. Outrossim, elas, em juízo, apresentaram contradições com os seus depoimentos colhidos em sede policial. Some-se a isso a coerência e coesão entre os relatos da vítima prestados tanto em sede policial como em juízo. A vítima narrou em detalhes a dinâmica do fato, dando conta de que o acusado a surpreendeu com uma arma de fogo e não deu qualquer chance de reação.   

Mais promotoria criminal 

 Não há dúvida de que o réu agiu com ânimo homicida; afinal, desferiu um disparo de arma de fogo na face da vítima, sendo certo que, após acertá-la, fugiu. Note-se que a vítima sofreu ferimentos graves e gerou perigo de vida, conforme atesta o laudo pericial de lesão corporal e os documentos médicos acostados aos autos. Ao que tudo indica, o crime apenas não se consumou em virtude do auxílio de terceiros, que viabilizaram o rápido e eficaz atendimento médico ao ofendido.   

Mais promotoria criminal 

 Dessa forma, os elementos de prova reunidos nos autos demonstram com segurança que o acusado, com evidente intenção homicida, impelido por motivo fútil e agindo mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, tentou matar Daniel, deferindo-lhe um disparo de arma de fogo na face da vítima, iniciando, desta forma, a execução de um crime de homicídio que apenas não se consumou em virtude de circunstâncias alheias à vontade do agente.   

Mais promotoria criminal 

 Portanto, a prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório é mais que suficiente para sustentar a pronúncia do réu, pois os depoimentos são coerentes e confirmatórios dos fatos narrados na denúncia em todos os aspectos, inclusive sobre as qualificadoras. Não há dúvidas, pois, de que o acusado agiu com evidente intenção homicida, impelido por motivo fútil, eis que tentou matar o ofendido em razão de divergências na prestação de serviços de ganho e tosa. E ainda empregou recurso que dificultou a defesa da vítima, porquanto o réu agiu de inopino, investindo contra o ofendido enquanto o confrontava apenas verbalmente acerca da má prestação de um serviço contratado.   

Mais promotora criminal 

 Logo, a prova colacionada aos autos impõe o julgamento deste ilícito pelo Egrégio Tribunal do Júri, juiz natural da causa, consoante disposição constitucional (art. 5º XXXVIII, “d”, da Constituição da República). Consoante decidiu o E.  Supremo Tribunal Federal: “para a decisão de pronúncia, mero juízo de admissibilidade da acusação, basta que o juiz se convença, dando os motivos de seu convencimento, da existência de crime e de indícios de que o réu seja o autor (RT 553/423).  

Mais promotora criminal 

 No que concerne às qualificadoras descritas na inicial acusatória, elas também devem ser submetidas ao Conselho de Sentença, haja vista que “As qualificadoras mencionadas na denúncia só devem ser excluídas da pronúncia quando manifestamente improcedentes e de todo descabidas. Ao Júri, em sua soberania, é que compete apreciá-las com melhores dados, em face da amplitude da acusação e da defesa (RT 668/275).  

Mais promotoria criminal 

 Pontue-se, por fim, que incide ainda a causa de aumento do &4, porquanto o crime foi praticado contra pessoa idosa, maior de 60 (sessenta) anos. Diante do exposto, requeiro seja o réu Ageu Rosas Galera pronunciado como incurso pela prática dos crimes previstos nos artigos 121, parágrafo 2º, incisos II e IV, e parágrafo 4º, c.c 14, inciso II, ambos do Código Penal, e artigo 14, da Lei N.o 10.826/03, todos combinados com o artigo 61, inciso II, alínea “j”, do Código Penal, para que seja ao final submetido a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri desta Comarca, aguardando-se sua condenação” ---escreveu a Promotora de Justiça Thelma Thais Cavarzere.



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