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Sociedade

DANIEL LIMA - 20/07/2021

Talvez a retirada da Casas Bahia deixe uma lição preciosa às autoridades públicas de São Caetano e quem sabe também ao entorno formado por forças de pressão que contam sempre com a guarida do Poder Público Municipal. Muitos ainda não se deram conta ou pelo menos sugerem que não se deram conta de que há uma expressão completamente fora do léxico do ecossistema social de São Caetano. A mesma expressão remete a inúmeras variáveis: o nome do problema é Desenvolvimento Econômico. 

Cansamos de publicar estudos sobre o andar da carruagem da economia do G-22 (o grupo dos 20 maiores municípios do Estado de São Paulo, além de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que completam o time da região) tendo São Caetano como um dos principais referenciais em perdas econômicas. Em praticamente todos os indicadores sobram complicações.  

Entre todos os indicadores econômicos talvez o PIB de Consumo, organizado anualmente pela Consultoria IPC, seja o mais emblemático da situação decadente de São Caetano neste século. CapitalSocial publicou em junho do ano passado o desastre de um ranking do G-22: São Caetano ocupou a última posição entre os participantes.  

Perdendo feio  

O resultado geral se refere ao PIB do Consumo per capita da última década. Entre 2011 e 2020, tendo como base de dados 2010, São Caetano ficou na lanterninha na classificação geral. Correu muito abaixo da inflação do período, de 66,84%.  

O Grande ABC como um todo só se salvou de uma vexame geral porque Mauá e Diadema avançaram consideravelmente na modalidade, ocupando a terceira e a quarta colocação. O Bolsa Família tem muito peso nesse resultado. 

Em janeiro deste ano CapitalSocial mostrou que São Caetano é recordista no aumento do PIB Público no Grande ABC. PIB Público é dominantemente tóxico, porque de forma prevalecente envolve o avanço das finanças públicas sobre a sociedade.  

O IPTU é um dos instrumentos utilizados por administradores públicos para compensar parte de receitas estaduais e federais perdidas.  

A liderança do PIB Público contrasta com o raquitismo de São Caetano no PIB Industrial. São Caetano contava com PIB Industrial de R$ 1.290,16 bilhão e PIB Público de R$ 178.18 milhões em 1999. Em 2018 o PIB Industrial passou para R$ 3.133.21 bilhões e o PIB Público para R$ 1.253,49 bilhão.  

Resultado sintetizado? A participação relativa do PIB Público no PIB Industrial era de 13,81% em 1999 e passou para 40% em 2018. A variação nominal do PIB Industrial foi de 142,85%, enquanto o PIB Público cresceu 603,50%. A inflação do período registrou 321,09%. Muito acima, portanto, do PIB Industrial --- e bem abaixo do PIB Público. São Caetano se tornou endereço caro demais para o que oferece em potencialidade econômica privada.  

Refluxo continuado   

Numa comparação de valor histórico com impactos consequenciais, a diferença entre Santo André e São Caetano ao longo das três últimas décadas do século passado e das primeiras décadas deste século é que a vizinha com quase cinco vezes mais moradores reduziu a velocidade da desindustrialização, berço regional de Desenvolvimento Econômico. Enquanto isso, São Caetano não para de perder eixos de geração de riqueza.  

São Caetano, como os demais municípios do Grande ABC, tem muitas dificuldades em lidar com más notícias. A debandada industrial sempre foi tratada de forma discreta. Os casos que apareceram e ainda aparecem na mídia são exceções à regra de escamoteações. Como se pretendeu, aliás, agora com a Casas Bahia. Uma patetice sem precedentes. Nem mesmo se fosse tomada todos os dias do ano por densas brumas seria possível deixar de observar que a portentosa sede administrativa e de vendas criada pela Família Klein teria desaparecido, ou está em vias de desaparecer como referência principal do comércio da cidade.  

Quadrado e triângulo 

O tripé econômico sobre o qual gira a economia e a riqueza em constante emagrecimento de São Caetano está perdendo um dos vértices sem que se tenha informações confiáveis sobre eventuais tratativas minimizatórias.  

A Casas Bahia representa tanto dinheiro no orçamento público de São Caetano que é missão quase impossível medir o tamanho utilizando apenas os repasses do ICMS (Imposto sobre Circulação de Produtos e Serviços). Há um entorno de atividades comerciais e de serviços que têm a Casas Bahia como chamariz.  

A General Motors e os terminais da Petrobrás são os outros lados desse triângulo em desmoronamento. O parque industrial relativamente diverso esfarelou-se com o tempo. O quadrado virou triângulo que agora se desfaz. 

Bolso dos contribuintes  

General Motors, Casas Bahia e Petrobrás são importantes como logomarcas econômicas que sustentam grande parte da saúde financeira de São Caetano. Mas há uma cada vez mais voraz incursão nos bolsos dos contribuintes. São Caetano conta com arrecadação própria por habitante muito acima de qualquer outro Município do G-22.  

Traduzindo a tragédia de São Caetano, agora agravada pela deserção da Casas Bahia: a população de São Caetano sofre duramente as dores dos prélios fiscais, porque cada vez mais é chamada a colaborar com os cofres públicos.   

O que resta neste que é o terceiro capítulo de uma minissérie que tem a Casas Bahia como principal protagonista de São Caetano é saber até que ponto a mudança de endereço da empresa da Família Klein para o Shopping Eldorado, em Pinheiros, significará a ruptura do caudal de arrecadação do ICMS da companhia que integra o grupo Via, maior rede de varejo do País em capilaridade e receitas brutas. 

A tradução disso é o seguinte: São Caetano já perdeu o edifício-sede da Casas Bahia, mas não se sabe ainda se também já perdeu ou perderá em breve o filão fiscal. Se toda a administração estava centralizada em São Caetano, e se São Caetano já está virando passado nas atividades da Casas Bahia, o que se dará com as finanças da Prefeitura? 

Saída improvável 

É nesse ponto (entre tantos) que o prefeito Tite Campanella comete um equívoco monumental na gestão de São Caetano. Deixar de informar a sociedade sobre os rumos fiscais que têm a Casas Bahia como origem direta é manter todos em estado de atenção permanente. Como a companhia da Família Klein, do conglomerado da Via, não se manifesta oficialmente sobre o assunto, o que resta é esperar.   

Poucos acreditam que São Caetano sairá dos embaraços econômicos com repercussões sociais que marcam este século. Não há perspectiva alguma de que os 15 quilômetros quadrados do menor território físico do Grande ABC encontrem tão cedo uma alternativa que dê um pontapé inicial à recomposição do tecido econômico.  

A vizinhança com a Capital seria extraordinária vantagem se não houvesse concorrência do outro lado da Grande São Paulo, que faz fronteiras diretas ou indiretas com o centro condutor da metrópole.  

Perdendo valor  

Não é exagero algum afirmar que São Caetano perde de goleada numa planilha convencional de potencial de investimentos de empresas produtivas quando em confronto com Barueri, Osasco e toda aquela área da Região Metropolitana de São Paulo. E também para nichos de produtividade da própria Capital, onde o casamento de vários fatores, entre os quais mão de obra qualificada, reduzem São Caetano a pó.  Não é por outra razão, aliás, que grande parte da População Economicamente Ativa de São Caetano trabalha na Capital. Cada vez mais São Caetano se torna cidade-dormitório. Isso é assunto para o quarto e último capítulo.  

O preço de uma São Caetano numa suposta bolsa de valores municipais tendo como ativo a Casas Bahia é uma coisa. Sem a Casas Bahia é completamente diferente. Fosse um time de futebol, a Casas Bahia ocuparia posição de destaque tanto quanto a General Motors e a Petrobrás.   

Independentemente do vetor fiscal, o desfalque da companhia ao desocupar fisicamente o edifício-sede construído pelo patriarca Samuel Klein já é um choque traumático. Talvez a ficha das autoridades públicas e das lideranças sociais e empresariais de São Caetano só caia quando aquela fachada em azul e vermelho desaparecer. Aí todos se darão conta de que há um novo ocupante daquele prédio histórico.   

Enquanto seguir sequestrada por grupos minoritários que conduzem o destino de São Caetano desde muito tempo, será onírica qualquer projeção de mudança no território de 161 mil habitantes e recordista nacional de óbitos por causa do Coronavírus --- quando se utiliza a métrica adequada de divisão de mortos pelo total de habitantes.



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