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Gata Borralheira

DANIEL LIMA - 16/04/2002

-- O que você quer dizer com isso, Santo André?

-- Trata-se do seguinte, São Paulo: somos dependentes em larga escala também de sua luminosidade e de sua atratividade cultural porque não contamos com veículos de comunicação de massa. O Grande ABC não tem emissoras de TV aberta. 

-- Sabe que não tinha atentado para isso? Estou tão distante de vocês, e vocês tão distantes de mim, que não havia notado isso.

-- Calma Rio Grande da Serra, calma que tem mais. Não temos TV de massa e só contamos com uma emissora de rádio para tratar do nosso dia-a-dia. Somos totalmente dependentes de São Paulo. E não pensem que não temos TV aberta porque falta interesse de investidores. O problema é que tecnicamente isso não é possível. Precisaríamos contar com uma barreira natural, isto é, com montanhas, para interceptar as imagens geradas em São Paulo e produzir imagens locais. Como a topografia não nos ajuda e a tecnologia não faz milagres, ficamos apenas com emissoras em UHF e a cabo que, todos sabem, têm audiências residuais e não dispõem de recursos técnicos, materiais e humanos para programações que rivalizem com as dos grandes conglomerados de comunicação. 

-- Agora entendi por que quando meu povo vai para a Baixada Santista, para Campinas ou para São José dos Campos, por exemplo, assiste ao que os publicitários chamam de janelas locais da programação das grandes redes. Não imaginava que montanhas fizessem tanta diferença. 

-- Fazem sim, Diadema, fazem sim. 

-- Foi bom Santo André ter tocado nesse assunto, meus irmãos do ABC, porque no meu território sediamos uma emissora de TV em UHF e sentimos que disputar a audiência com São Paulo é coisa ingrata. 

-- Também sinto isso, São Caetano. Veja que sem emissoras de TV de massa ficamos na penumbra de São Paulo. No futebol, nas artes, no entretenimento. E também na política, porque nem espaço no programa eleitoral gratuito contamos. Meus homens públicos, como o de vocês, são pouco conhecidos. Por isso também que forasteiros da política recebem tantos votos por aqui. 

-- Desta vez sou obrigado a reconhecer que São Bernardo, mais uma vez, falou com sabedoria. Nas últimas eleições municipais, por exemplo, um candidato a prefeito em meu território teve mais de 80 mil votos sem ter residência e atividades na cidade. Foi importado por um grupo de opositores só porque é homem conhecido na televisão. Estamos mesmo ferrados quando se trata de mídia eletrônica. Antigamente era diferente. Antes de a televisão ganhar todos os lares, a partir do começo dos anos 50, tínhamos na região uma mídia eletrônica de rádio competitiva, disputadíssima, e isso repercutia no sentimento de auto-estima municipal e até elegia comunicadores. A televisão nos roubou identidade. Se nunca tivemos vocação para quebrar barreiras municipais e saltar para a regionalidade, pelo menos contávamos com um bairrismo que poderia ter os defeitos que tinha, mas nos dava personalidade como Município. Depois da invasão da TV, nossa identidade municipal foi despedaçada. Nosso Complexo de Gata Borralheira aumentou consideravelmente. 

-- Santo André disse quase tudo. Também sei que no Interior de São Paulo, por exemplo, a situação é diferente. Mesmo com a padronização cultural cada vez mais forte e que nos torna uma Aldeia Global, como foi antecipada por um grande escritor, pelo menos os municípios do Interior preservam a identidade porque estão mais distantes da influência de São Paulo. Contam com emissoras de rádio que produzem programações próprias, além de a TV aberta sempre contemplar espaço local.

-- Acho melhor você, Mauá, e os demais, se prepararem para o pior, porque eu, São Paulo, não vou perder a posição que ocupo, porque sou a melhor, sou a Capital, e para mim convergem todos os interesses que estão, como todos sabem, ligados diretamente aos resultados econômicos e financeiros de grupos nacionais e internacionais da mídia. A programação da TV é gerada em meus domínios. Até a TV Globo sentiu minha força de megalópole e transferiu grande parte de suas operações estratégicas e operacionais para meu território. Deixou de ser carioca demais. Por isso, formato todos os conceitos que vocês acabam mimetizando. Só estou preocupada com o fato de que a televisão também está cada vez mais globalizada. É verdade que ultimamente as emissoras de TV e os próprios jornais e revistas deram uma guinada e resolveram cuidar um pouco mais dos assuntos locais, do meu território, reduzindo a prioridade à Brasília e ao mundo. Mas é preciso muito mais. A mídia faz a diferença, reconheço, entre o estado de deserção e de participação cidadã. Sem a mídia para vasculhar a vida de uma comunidade, para incentivar e criticar, a impressão que tenho é de que todos nós caímos num marasmo imenso. 

-- É por essas e outras interpretações que tiro meu chapéu para a querida São Paulo. 

-- Aquieta-se aí, Diadema, porque tudo o que São Paulo disse é verdade, mas é preciso também considerar que a mídia não faz milagres. A mídia, qualquer mídia, trabalha com realidades específicas. Não dá para contradizer a lógica, não dá para vender mentiras o tempo todo. 

-- Santo André tem razão. Tem razão. Como gosto de formulações, acho que deveríamos colocar a questão da comunicação regional como elemento decisivo em qualquer plano que se estabeleça para nos tornar, de fato, uma região integrada. 

-- Estou com São Bernardo. Aliás, sobre esse assunto, quem mais se movimentou na esfera pública nos últimos anos foi meu saudoso prefeito Celso Daniel. Ele chegou a montar um grupo de trabalho na Agência de Desenvolvimento Econômico para cuidar do marketing regional, mas não houve evolução porque, cá entre nós, sem dinheiro não dá para fazer nada. Dinheiro e vontade política, é claro. Não tivemos nenhum dos dois. Ainda não descobrimos a máxima do Chacrinha, de que quem não se comunica se trumbica. 

-- Deixa falar um pouquinho sobre esse negócio de comunicação. A gente tinha uma emissora de rádio na cidade, que um deputado federal da minha terra ganhou de presente por apoiar os cinco anos do presidente José Sarney. Sabem o que aconteceu? Venderam a rádio para uma instituição religiosa. Nada contra a fé, quero deixar bem claro, mas perdi muito com aquela decisão. 

-- Não precisa se sentir infeliz, Mauá, porque a história das comunicações no Brasil está recheada de exemplos como esse.

-- Está bem, São Paulo, mas tinha de acontecer justamente comigo, que só tinha uma emissora?

-- Vocês todos precisam aprender comigo, que também não tenho rádio oficial mas sei onde está aquilo que os conservadores, os legalistas, consideram clandestinidade. Esse pessoal resmunga, mas as rádios piratas significam a democratização das telecomunicações no País. É uma forma de dar o troco no sistema de concessão manipulado ao longo dos tempos pelos grupos políticos que se encastelaram no poder, entre outras razões, para manter as oligarquias políticas regionais e, como no caso de Mauá, para auferir lucros. 

-- Demorou para Diadema meter uma colher socialista nessa conversa. 

-- Nada disso, querida São Paulo. Não é questão socialista não. É liberdade de expressão acrescida de descontaminação do protecionismo político. 

-- Está bom, está bom, não vamos discutir perfumaria porque isso não me interessa como grande centro da Grande São Paulo e metrópole mundial.



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