Conheço o Grande ABC há 48 anos. Vim do Ipiranga, onde nasci em São Paulo, para trabalhar na fábrica de molas C.Fabrini, em São Bernardo, como kardexista de almoxarifado, em 1960. Tinha apenas 19 anos de idade. Em 1963 já atuava na Mercedes-Benz como auditor e ajudava no desenvolvimento de sistemas e métodos para produzir caminhões e ônibus.
Os metalúrgicos ganhavam muito bem. Era o início das montadoras de veículos. Não existia globalização. As automobilísticas fixavam os preços dos veículos. Não havia competição. Os metalúrgicos das montadoras formavam grupo privilegiado. O salário permitia comprar com financiamento uma boa casa assobradada no Grande ABC.
Na mesma década de 1960 passei para o ramo da construção civil. Construíram-se milhares de casas na região, a grande maioria em loteamentos abertos, desbravando ruas e praças públicas nos grandes terrenos. Os metalúrgicos compravam tudo. Havia incentivo do governo federal isentando do Imposto de Renda pessoas físicas que construíam condomínios de moradias para vender. Cada pessoa física podia empreender um condomínio de casas a cada três anos, isento de IR. Essa norma legal incentivava a oferta de moradia, inclusive popular. Combatia o déficit habitacional e havia mercado comprador, pois o metalúrgico tinha renda. Infelizmente, o governo pensou mais na receita e menos no social, ou seja, nas casas populares: revogou a lei e os investidores habitacionais sumiram por mais de 30 anos. Com exceção da Caixa Econômica Federal, quase ninguém financiava o pobre.
Áreas de mananciais e urbanas foram invadidas sob o olhar complacente e às vezes com assistência oficial, dando origem, por exemplo, às vilas São Pedro, Esperança, Bairro Montanhão e Riacho Grande em São Bernardo. As favelas proliferaram. Será que o Rodoanel, tão importante ao desenvolvimento, não trará novas luzes de modernidade para nossa periferia?
Nos anos 1990 veio a globalização, a abertura das fronteiras. As reservas de mercado desmoronaram. Apareceram novas fábricas, a competição aumentou. Quem estava atrasado na tecnologia teve de enxugar despesas e mão-de-obra. A Volkswagen-Anchieta chegou a ter mais de 35 mil empregados, hoje são 13 mil. As carroças de várias marcas do ex-presidente Fernando Collor sofreram mudanças substanciais. A competição acirrou-se no mercado. O operário já não ganha os mesmos altos salários das décadas de 60 a 80. Felizmente para nós, hoje, parece que parte dos bons tempos está voltando. A Volks tem investido na linha de montagem da Anchieta. O bolso do trabalhador, no entanto, não compra mais uma casinha. A prestação mensal de um pequeno imóvel gira em torno de R$ 600. Esse operário não é mais elitizado e fica com menos possibilidades ainda de comprar seu bem básico. Um veículo é produzido por menos homens. Os custos se achatam.
Na construção civil não foi diferente. Novas tecnologias, novos sistemas construtivos e qualificação profissional tomaram o lugar do desperdício e do supérfluo. Pela história e por esses dois segmentos que conheço um pouco, dá para ver a transformação que o Grande ABC sofreu e, na carroceria dessa transformação, toda uma redução de desenvolvimento. Melhoraram as vias públicas (ainda falta o Rodoanel) e os meios de transporte (o Porto de Santos precisa ser mais ágil) mas, fruto do empobrecimento individual, pioraram a segurança e a violência. De cidades pacatas nas décadas de 60/70, passamos a conviver com assaltos, sequestros, trânsito caótico e um barril de pólvora chamado desemprego. Arrumar trabalho hoje significa qualificação e muitos não têm. Aumentaram os problemas sociais, as favelas cresceram. Temos falta de uma TV regional de canal aberto.
Infelizmente, depois dos terríveis ataques do terrorismo contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, acredito que o mundo se transformou e que aí começou realmente o século XXI. O pânico e o medo passaram a fazer parte do mundo, em especial da vida dos americanos. Ataques terroristas e bioterrorismo começaram a se misturar com o cotidiano. Como disse Bin Laden, “os americanos nunca mais conhecerão a segurança”. A preocupação com defesa pessoal e territorial cresceu muito.
Temos certeza, no entanto, de que o Grande ABC e o Brasil tocarão a vida para frente, pois acredito na nossa capacidade de reagir a desafios. Já passamos por tantos! Temos esperança de que o Brasil possa sair (e se sustentar) dos famosos 2% a 3% de crescimento do PIB dos últimos 20 anos. Afinal, países como China e Índia, com o nosso perfil de desenvolvimento, têm saltos de PIB de até 11% ao ano. Se essa esperança se concretizar, aí sim poderemos ter um Grande ABC e um Brasil mais fortes. O Brasil continua na 10ª posição de maior economia do mundo, enquanto a China subiu de quinta para segunda, só perdendo para os EUA.
Feito esse curto preâmbulo e para refletir sobre o que escrevo e sobre quem escreve, torno transparente quem sou: um jovem empresário de 66 anos de idade, diretor da MBigucci desde a fundação em 1983, que adora jogar futebol (camisa 10) e ver futebol (é obvio que, sendo são-paulino, fica mais fácil gostar de futebol), nascido de família humilde (pai operário/carpinteiro e mãe empregada doméstica/operária tecelã), amante do trabalho e da educação, que tem bom senso (dizem os suspeitos amigos), que preza muito a instituição familiar, que participa de várias entidades profissionais e assistenciais (ACSP, Ciesp-Fiesp, Secovi, Acigabc, Campi, Lar Escola Pequeno Leão, Lions etc.), que luta e espera que tenhamos um mundo melhor neste século XXI.
Quer queiram ou não alguns pessimistas de plantão, o Brasil convive com estabilidade democrática há 25 anos. Somos um mercado fortíssimo de 184 milhões de habitantes (2,5 milhões no Grande ABC), que comem, se vestem, moram e se locomovem. Não temos conflitos sociais e religiosos. No início de 2008 estive em Havana (Cuba) e vi o que é um regime não democrático. É a verdadeira repartição da pobreza onde tudo é do Estado: casas, comércio, carros (todos da década de 1950). A cidade está caindo aos pedaços. Um caos. A população, sem esperança, tenta fugir para os Estados Unidos. Mas vamos também falar do Brasil, porque é de âmbito nacional a maior parte dos problemas que temos no Grande ABC. Medidas regionais são apenas paliativas, pois esbarram em leis maiores. Acredito que a maioria dos nossos prefeitos tem feito o possível para administrar as cidades. Uns mais, outros menos.
Brasil tem déficit de 7,6 milhões de
moradias, 92% na baixa renda, e sem
subsídio do governo esse cenário não mudará
O Brasil tem um déficit habitacional de 7,6 milhões de moradias e sabe-se que 92% dessa falta estão na população de baixa renda até cinco salários mínimos mensais. Se não houver subsídio governamental, vamos continuar construindo menos do que crescemos e o déficit habitacional aumentará. Com subsídios governamentais, FGTS e um pequeno pagamento mensal do comprador, teremos sucesso. Não há outra fórmula. A Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradores do Grande ABC), que em 2008 completa 20 anos, e nosso Secovi de 62 anos combatem sem tréguas esse problema. Aliás, a Acigabc é a própria história do Grande ABC no ramo da construção civil.
O mercado da construção civil passa por momento singular dentro dos últimos 20 anos. Somente no início da década de 1980 se financiou mais unidades habitacionais do que hoje (600 mil por ano). Segundo dados da Abecip (Associação Brasileira de Crédito Imobiliário e Poupança), em 2007 foram financiados 195.981 imóveis com valor médio de R$ 93 mil. Como comparativo, em todo o ano de 2002 foram 28.902 habitações com valor médio de R$ 61 mil.
Em todo o ano de 2007, foram investidos R$ 18,3 bilhões no setor, ou quase o dobro dos R$ 9,3 bilhões de 2006. Muitas empresas abriram capital. Houve redução de juros, alongamento de prazos para 30 anos e crédito à vontade. O emprego na construção civil também registrou aumento, 13,31% no Brasil e 18,28% no Estado de São Paulo. O Sinduscon-SP espera que sejam criados 250 mil empregos em 2008. Já em 2007 tivemos aumento expressivo no desenvolvimento da construção civil e loteamentos espalhados pelas regiões metropolitanas, Interior e Litoral. Quando há escassez de terrenos grandes na Capital, o investimento busca outros locais.
O que é preciso é cobrar incansavelmente dos poderes públicos postura mais pró-ativa, principalmente no que se refere ao destravamento da legislação vigente, o que, por exemplo, redundará em facilitadores para a construção civil. O combate à burocracia esbarra no realinhamento de normas e procedimentos dos órgãos públicos. Os excessos legais são desnecessários. Temos legislações do Canadá para uma população carente do Brasil. A grande diferença é que essa população carente está pagando por tudo isso. Além das legislações federais e estaduais, alguns municípios colocam mais restrições, o que encarece o produto. Os juros no cheque especial para o trabalhador chegam a 8% ao mês. Enquanto isso, o FGTS, dinheiro do trabalhador, é remunerado com apenas 3% de juros ao ano. Acorda Brasil!
Para melhorar a qualidade de vida do nosso povo, necessária se faz uma reforma geral do Estado (União, Estados e municípios), estancando os gastos públicos e a proliferação de cidades. O estatuto da estabilidade do funcionalismo é outro deformador da máquina estatal, que emperra e burocratiza o desenvolvimento do Brasil. A burocracia publica é irritante e desgastante em qualquer nível de governo.
Os números que se seguem constam na página 81 do meu livro “Somos todos responsáveis — Crônicas de um Brasil carente”(1999) e foram apresentados pelo ex-ministro da Previdência Social Reinhold Stephanes: “Pobres sustentando ricos aposentados: há funcionários públicos em São Paulo que se aposentam com mais de R$ 30 mil por mês, enquanto o cidadão comum não se aposenta com mais de R$ 1 mil”; “Vinte milhões de aposentados pelo INSS recebem R$ 50 bilhões por ano e 500 mil aposentados do serviço público recebem R$ 16 bilhões. Estes últimos consomem 10 vezes mais per capita”.
É privilégio que não acaba mais e a população fica muda. Será que os velhinhos aposentados pelo INSS são cidadãos de segunda classe? Os gastos com funcionalismo público federal sobem o dobro do PIB no Brasil, ou seja, aumento real acima de 10%, o que limita os recursos para investimentos.
A morosidade da Justiça, pilar mestre de nossa democracia, é um dos motivos para se desacreditar na justiça e poderá ficar pior neste século XXI se não for feita a reforma do Judiciário. Justiça morosa é injustiça. Processos ficam parados por longos anos nos tribunais e juízes, por mais que trabalhem, não conseguem analisar e julgar o suficiente para colocar o atrasado em dia. No Estado de São Paulo de 40 milhões de habitantes há poucos juízes para cada uma das origens dessa burocracia. O aumento da população leva ao aumento de conflitos entre pessoas e à busca do direito sem um Judiciário preparado. Cada juiz julga por ano menos da metade dos processos que lhe competem.
Brasileiro é muito passivo, omisso e
desinteressado em relação às coisas
públicas, o que motiva os desmandos
Além da reforma da Justiça, são necessárias reformas culturais e de comportamento. O brasileiro ainda é muito passivo, desinteressado e omisso em relação às coisas públicas e esse é um dos motivos dos desmandos que ocorrem no País. O aumento dos gastos públicos em proveito próprio deve ser atacado pela voz do povo, assim como devemos agir sobre estes cenários que coloco para reflexão:
Não podemos proibir o trabalho de menores com 12 anos de idade. Desde que estudem e trabalhem em serviços compatíveis, é a grande saída para diminuir a violência, aumentar a receita familiar e melhorar a educação. Até as drogas ficariam mais distantes. Se houver menos hipocrisia e demagogia, o menor pode trabalhar salutarmente. O trabalho é a melhor escola da vida. Previne e não reprime o jovem. Eu aprendi assim.
Menores de 16 anos devem responder por seus atos. Só no Brasil garotões adultos com 16 anos não são responsabilizados por suas condutas. Nos EUA e Europa o juiz decide a culpabilidade ou não de jovens após análise psicológica. Aqui o menor sabe que praticou um crime, mas sabe também que é impune.
A situação das periferias é um chamamento para o crime. A violência deve ser combatida com medidas educativas e esportivas. Escolas são depredadas e jovens são levados para o tráfico de drogas pela sua impunidade. Os bandidos perderam o respeito pela polícia. É preciso reverter esse quadro.
Encargos legais e sociais nas folhas de pagamento, principalmente dos menores, devem ser retirados. O menor paga previdência para a aposentadoria, só que ele só se aposentará a partir dos 55 anos de idade. Um seguro de vida e acidentes resolveria o problema e seria mais econômico.
As empresas devem também empregar velhos com mais de 40 anos. Há famílias desempregadas e sem saída por causa da idade.
São valorizados os direitos humanos só dos bandidos. A população vítima e o policial não têm o mesmo tratamento. Criminoso preso tem de trabalhar para custear os prejuízos que causou e causa à sociedade que labuta. Direitos humanos para humanos direitos.
Tributa-se o contribuinte brasileiro com mais de 50 impostos, contribuições e taxas, alguns em cascata. Converse com qualquer comerciante e ouça o que tem a dizer. Isso também é Custo Brasil. O produto estrangeiro não tem imposto em cascata como no Brasil.
Falta no País planejamento para famílias carentes. Os mais miseráveis são os que mais filhos têm. Não falo em controle de natalidade, falo de planejamento familiar.
Metade do PIB do Brasil está concentrada em apenas 51 cidades. No lado pobre é preciso juntar 1.338 cidades para chegar a 1% do PIB.
Entidades empresariais e sociais devem se conscientizar de que só podem virar o jogo por meio da união e luta constante. O empresário não tem condições de lutar sozinho. Tudo o que for contra o livre mercado deve ser combatido, assim como os privilégios.
O povo joga lixo nas vias públicas e bueiros e depois reclama que há enchente. Parte da imprensa tem medo de escrever sobre isso e malha os governantes. Todos são culpados, povo e governantes.
Devemos estimular a cidadania. A volta do estudo das religiões nas escolas, o respeito a nossa Bandeira, o canto do Hino Nacional, a difusão do civismo fazem parte de uma boa base de brasilidade.
As TVs continuam nos massacrando com novelas e programas imbecis ao estilo Big Brother. Essa é a forma de educar melhor com ferramenta tão preciosa como a TV? Esse quarto poder sabe a força que tem.
Deve-se permitir o acesso gratuito e digno à saúde, e não só em planos de saúde particulares, caros e inatingíveis.
Deve-se escancarar a desigualdade social. Somos 22 milhões de miseráveis sem renda para uma refeição básica. Aí entra o assistencial Bolsa Família. Segundo o Dieese, o desemprego da população negra é quase o dobro do da branca. Além de injusta, a pobreza é imoral, deprimente e triste. A melhor forma de combater a pobreza é arrumar emprego para os pobres. Os 10% mais ricos são donos de 50% da renda nacional, enquanto os 40% mais pobres têm apenas 10% dessa renda.
Os movimentos de sem-terra estão acima das leis e das autoridades. Há exemplos diários mostrando essa verdade. Agora os invasores terão aposentadoria, contado o tempo da invasão produtiva. Absurdo premiar o ilegal.
Chego à conclusão de que os problemas não são só do Grande ABC. São principalmente do Brasil. Por isso penso que os entraves regionais são bem menores que os nacionais. Dependemos muito da solução dos problemas brasileiros para caminhar. Não dá para andar sozinho. O problema é macro, está na raiz. A miséria não é regional, a má educação também não e a violência não é exclusividade nossa. O crescimento econômico social deve ser sustentável, que garanta o futuro de nossos netos com qualidade de vida. Agora que estamos em baixo grau de risco econômico e político, quero crer que temos tudo para ser um País sólido, sério e sustentável. Só falta trabalhar para ter o investment grade social.
Deus queira que eu nunca me conforme ou fique omisso com as injustiças sociais do País. O ideal seria que não existissem, mas como isso parece impossível, quero continuar sempre combatendo as arbitrariedades e ajudando a construir um mundo melhor. Se cada um de nós fizer um pouco, rapidamente melhoraremos nossa qualidade de vida. Seja ensinando o bem a uma criança, seja dando emprego, seja ajudando um idoso. Seja contribuindo, material ou espiritualmente, para alguma causa, seja transmitindo um pouco de amor e solidariedade ao próximo. A responsabilidade é de toda a sociedade. A missão de todo cidadão responsável é incluir os excluídos na cidadania.