Política

Paço quer conquistar
eleitores de Zacarias

  DANIEL LIMA - 31/07/2024

Não é possível chegar à outra conclusão sobre os últimos dias de embates eleitorais em Santo André. Trata-se do seguinte: entre o assassinato  de reputações e feridos graves de críticas, o escalpo do vice-prefeito dissidente Luiz Zacarias está exposto na praça pública impressa e digital coordenadamente controlada.  

O Paço Municipal bem aparelhado  na guerra por votos, especialidade cada casa e dos aliados, quer humilhar o adversário até a última gota serena de competividade.

É cristalino o objetivo central dessa estratégia entregue de bandeja pelo próprio concorrente oposicionista que até outro dia frequentava o Paço Municipal com desembaraço de possível indicado à sucessão é claro: transferir o eleitorado do agora desafeto candidato  ao concorrente. Pretende-se transferir ao concorrente apoiado pelo grupo de prefeito Paulinho Serra.

Fazer de Zacarias vilão popular numa operação em que também é vítima, seria a consagração de um marketing de campanha de extraordinário poder persuasivo. Só falta combinar com o eleitorado atento aos desdobramentos do caso que começou no palco de um cinema e saltou para a vida política como dramalhão mexicano.

RICOCHETEAR PERIGOSO

O que se pretende com a operação de demonização ou despreparo ou precipitação ou incompetência de Zacarias  é alcançar nível de adesão popular de que a medida preservaria uma aliança eleitoral que teria como finalidade evitar que a esquerda e a centro-esquerda voltem ao comando do Paço Municipal. Sacrifica-se o candidato Luiz Zacarias com uma mão e doutrinam-se seus eleitores com a outra. Como se o passado do grupo do prefeito Paulinho  Serra não fosse uma aliança com petistas que abandonaram o barco do então prefeito Carlos Grana, varrido do mapa na correnteza dos estragos de Dilma Rousseff, como tantos outros prefeitos do partido.

Entretanto, porém e todavia, a possibilidade de o tiro do exagero sair pela culatra de um ricochetear suicida ou algo semelhante não pode ser desprezada. Até porque Luiz Zacarias não parece ceder à tentação de capitular. Se o fizer, dizem conselheiros do candidato, alimentaria a fornalha de maledicências que o colocariam como um trapalhão e descuidado  concorrente que teria consumado uma pixotada proposital com a finalidade de voltar a frequentar o ninho tucano e reforçar os situacionistas rumo à disputa de outubro próximo.

A insistência de Luiz Zacarias em sustentar uma candidatura fortemente abalado não sugere que tenha preparado uma farsa com ares de esperteza que de esperteza não passaria mesmo de uma farsa.

GILVAN DE CAMAROTE

Gilvan Júnior, jovem secretário de breves e várias pastas,  assiste a tudo de camarote. Enquanto isso,  os oposicionistas do Paço Municipal, Eduardo Leite e Bete Siraque, de centro-esquerda e esquerda, permanecem em silêncio. Até parece que não disputam o eleitorado.

O Coronel Sardano, do Novo, não perdeu a tranquilidade desde o princípio: prefere que o jogo seja jogado dentro de campo, embora condenasse a iniciativa de Luiz Zacarias não como ultrapassagem da linha regulamentar da Legislação Eleitoral, mas do bom-senso e da experiência parlamentar do concorrente. Já André Ribeiro do Viva pronunciou-se favorável à intervenção da Justiça Eleitoral como força reparadora da pretensa irregularidade. Sardano e André do Viva, segundo sondagens eleitorais, somam votos suficientes para ajudar a levar a decisão para o segundo turno.

Fiz uma lista dos pontos principais que envolvem o momento eleitoral em Santo André. Vale a pena uma breve avaliação: 

1. DERRAPADA NO CINEMA.

2. GOLPE DA SUSPEIÇÃO.

3. CONGELAMENTO TÁTICO.

4. AGRUPAMENTO DISSOLVIDO.           

5. ENCONTRO FANTASIOSO.

6. INTERFERENCIA PROGRAMADA.

7. NUANCES ELEITORAIS.

8. NOVOS LANCES.

De maneira breve, mas de modo que não se perca a sequência desses acontecimentos que embaralham para valer a situação eleitoral em Santo André, vamos a desembaralhamentos possíveis, uma missão complexa dado o conjunto de contraditórios e conflitos. 

 DERRAPADA NO CINEMA

Luiz Zacarias participou tangencialmente da solenidade de reabertura ou reforma de um cinema histórico da Vila de Paranapiacaba na manhã de sábado retrasado. Nada que caracterizasse crime eleitoral, como enfatizou numa entrevista ao Diário do Grande ABC o especialista Alberto Rollo.

Zacarias permaneceu num canto do palco ou da tribuna ou do palanque, algo assim. Chegou a ser barrado visualmente de fotos e audiovisuais por uma mulher de identidade não revelada. Não há registros materiais de que tenha sido mencionado oficialmente pelo  cerimonial, embora o prefeito Paulinho Serra, numa entrevista ontem, tenha declarado o oposto.

A se confiar na palavra do prefeito, a intencionalidade de um flagrante delito teria partido do próprio Paço Municipal. Não teria havido intencionalidade de Zacarias. Resta saber se o prefeito está falando a verdade.

 GOLPE DE SUSPEIÇÃO

A retaguarda jurídica da campanha de Gilvan Júnior se manifestou na edição de segunda-feira da semana passado do Diário do Grande ABC, assim como representante da maioria dos demais candidatos. A ficha foi lançada à mesa: os situacionistas acionariam a Justiça Eleitoral para impugnar a candidatura de Luiz Zacarias.

A ponderação em forma de ausência de ilegalidade do ato foi exposta aos leitores de forma menos destacada do que a suposta infração em si. Alberto Rollo, o especialista, enfatizou o que diz a legislação: Luiz Zacarias nem flertou com irregularidade.

 CONGELAMENTO TÁTICO

O vácuo reativo da candidatura de Luiz Zacarias prevaleceu nos dias seguintes. Assumiu-se culpabilidade inexistente ou se desconsiderou qualquer gravidade. Os assessores do vice-prefeito dissidente perderam tempo à reação. Poderiam convocar uma entrevista coletiva e esclarecer tecnicamente a situação. E denunciar o esticamento de um tapetão expressa nas declarações dos representantes do Paço Municipal.

A candidatura de Zacarias sofreu um golpe psicológico, com efeitos dilacerantes: ele estaria sujeito a ter a cabeça cortada eleitoralmente, por mais que não houvesse crime previsto na legislação. A massificação pública de suposta irregularidade conforme a coreografia desenhada pelo Paço Municipal  tornaria sua candidatura permanentemente sujeita a impedimento. O esvaziamento eleitoral seria compulsório. Ninguém gosta de votar em candidato sob o risco de ser alijado do baile no tapetão sempre sujeito a chuvas de interesses políticos e trovoadas de trapaças eleitorais de tribunais supostamente especializados em preservar a democracia. 

 AGRUPAMENTO DISSOLVIDO

Um encontro reunindo partidos que dariam suporte à candidatura de Luiz  Zacarias chegou a ser anunciado. Não se tinha com clareza o objetivo, além da suposta e esperada solidariedade à candidatura. Não faltaram interpretações diversas. Sobraram especulações, inclusive dando conta de que poderia haver troca de candidato a prefeito entre as agremiações consorciadas.

 COLETIVA APRESSADA

No mesmo dia em que o encontro dos partidos que dão apoio a Zacarias foi cancelado, uma gravação do vice-prefeito dissidente anunciava entrevista coletiva na manhã do dia seguinte. As declarações de Zacarias trafegaram por duas vias: sustentação da candidatura e uma mensagem  quase messiânica em que, pela primeira vez, direcionaria espécie de tática eleitoral que transformaria a disputa em agenda internacional,  entre direitistas e esquerdistas.

O identitarismo tomaria parte do espaço do municipalismo eleitoral, uma cartilha do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto. Zacarias chegou a dar como exemplo a Santa Ceia na abertura dos Jogos Olímpicos em Paris.

Zacarias fez elogios à Administração de Paulinho Serra,  da qual faz parte, mas também, mesmo confuso e contraditório, desfilou exemplos detestados pelo Paço Municipal: Santo André é uma cidade problemática que se empobrece a olhos vistos. Quase nada ou pouco falou sobre agremiações supostamente parceiras.   

 ENCONTRO FANTASIOSO

Na mesma data em que chamou a mídia para uma entrevista coletiva, o candidato Luiz Zacarias realizou evento noturno para difundir os conceitos de direita bolsonarista, também seguindo recorte ideológico de Valdemar Costa Neto.

Publicou-se nas redes sociais peça promocional reunindo vários das principais estrelas da direita, de Bolsonaro a Michele Bolsonaro, de Tarcísio de Freitas a tantos outros. Passou-se  mensagem subliminar, quando não explícita, de que todos estariam presentes ao encontro. Um evidente exagero de marqueteiro desastrado.

No fundo, a peça de propaganda enaltecia figuras que se identificam com o conservadorismo. A repercussão na mídia, especialmente no Diário do Grande ABC, que reservou a manchetíssima do dia seguinte ao que considerou um vexame, não poderia ser outra, com esvaziamento ainda maior do que restaria de credibilidade da candidatura de Luiz Zacarias. A imagem da campanha de Luiz Zacarias é de um candidato perdido no tempo e no espaço. Tudo a partir das cenas no palco do cinema em Paranapiacaba. Não houve alguém com capacidade de estancar uma crise que se alastra.

 INTERFERENCIA PROGRAMADA

Presidente Nacional do PL, Valdemar Costa Neto mandou um recado pelas redes sociais: Zacarias estaria se aproximando ou teria sido recomendado a se aproximar do prefeito Paulinho Serra. Um possível retorno ao ninho tucano estaria sendo ensaiado. Tudo para combater os esquerdistas em Santo André. Havia um cheiro de composição no ar, nas palavras do cacique do PL. 

 NUANCES ELEITORAIS

Não é nada difícil entender por que o Paço de  Santo André quer tirar Luiz Zacarias da disputa ou, de outra forma, mitigar o quanto possível o universo de eleitores geralmente de classe social popular do concorrente do PL.

Quanto menos concorrentes à disputa pelo Executivo, sobretudo do espectro conservador, mais o candidato Gilvan Júnior se apresentaria como força de direita contra eventual adversário de esquerda ou centro-esquerda, casos de Bete Siraque e Eduardo Leite.

Além de um competidor a menos elevar a possibilidade de a disputa se encerrar no primeiro turno, planta-se adicionalmente o terreno para um segundo turno supostamente mais confortável. Sem um concorrente de direita para valer, no caso Zacarias, o Paço Municipal poderia contar com o apoio de caciques liberais, especialmente do governador Tarcísio de Freitas.

O passado que também é presente de associação gerencial da Prefeitura com dezenas de petistas de  Santo André iria para o acostamento do pragmatismo. O passado avermelhado do tucanato em Santo André está permanentemente nas redes sociais, que furam a hegemonia situacionista nos veículos impressos e digitais.

 NOVOS LANCES

Talvez seja necessário a prática de cartomancia ou equivalente para procurar especular sobre os novos lances envolvendo o vice-prefeito dissidente e também a arquitetura defensiva e ofensiva do Paço Municipal.  Há atmosfera de contínua desidratação da imagem de Luiz Zacarias.

Na medida em que parece haver distanciamento quase inexplicável entre o PL de Zacarias e as demais agremiações associadas à candidatura, mais se desconfia da possibilidade de exaustão da alternativa. Não estaria descartada, entretanto,  alternativa que contemplaria um candidato indicado oficialmente fora do PL de Luiz Zacarias e que também não contemplaria os interesses imediatos do Paço Municipal.

A convenção que deverá homologar a candidatura de Luiz Zacarias foi transferida para o final de semana,  e contrapõe holofotes de luminosidade esclarecedora à escuridão do momento: o candidato do PL  teria a benção pública de Valdemar Costa Neto sem que a definição incorra necessariamente em adesão ao governismo de Paulo Serra e seu grupo no primeiro turno.

Afinal, para quem sabe lidar com o poder, Valdemar Costa Neto não entregaria com facilidade os cordéis de Santo André a um grupo de poder que no poder durante oito anos compartilhou o poder com adversários ideológicos. Trata-se apenas de uma porção de cautela e caldo de galinha, ou Valdemar Costa Neto não seria assim tão ardiloso e estrategista como difundem?

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