Economia

Quatro momentos históricos
do esvaziamento industrial

  DANIEL LIMA - 30/06/2022

Quem quer entender a derrocada econômica e social do Grande ABC desde o século passado, das duas últimas décadas do século passado, e que segue em frente neste século, não pode deixar de consumir essa edição. São quatro tempos de uma crise prolongada e aparentemente sem prazo para terminar. Ainda mais que no horizonte próximo o choque da eletrificação automotiva deverá provocar mais complicações.  

O coração, os músculos e a alma da Economia do Grande ABC estão no setor automotivo. Nossa Doença Holandesa, que impacta mais duramente São Bernardo, Diadema e São Caetano, é uma troca de guarda sempre comprometedora entre o bônus nos tempos de alta produção e o ônus em tempos de crise, como agora, ou desde a recessão provocada pelo governo Dilma Rousseff, após anos de crescimento artificial do governo Lula da Silva, como se já não fossem suficientes as perdas regionais do governo Fernando Henrique Cardoso.  

COLHENDO PROVAS  

Para entender com clareza o começo, o meio e o fim (temporário) da crise regional, capturamos no arquivo de CapitalSocial (sucessora da revista de papel LivreMercado) três textos históricos.  Para completar, acrescentamos uma análise da repórter especial do jornal Valor Econômico, Marli Olmos, especialista em indústria automotiva. 

O primeiro texto-análise, de março de 1990 (portanto há 32 anos) foi publicado na primeira edição da revista LivreMercado. Então um tabloide com vocação a destrinchar a economia da região órfã da cobertura da imprensa local, mostramos uma situação conjuntural permeada de perspectivas que se confirmaram certeiras. 

O segundo texto-análise, de 1998, além de inédito no jornalismo brasileiro, mostra a indústria automotiva antes que o novo século chegasse. O sindicalismo tão ostensivamente santificado teve as vísceras escancaradas como um dos obstáculos ao futuro já comprometido. 

O terceiro texto, do ano passado, expõe a situação de mercado do produto automotivo do Grande ABC no País, com participação relativa muito abaixo do que se imaginava.  

E o quarto texto, de Marli Olmos, publicado no Valor Econômico de ontem, traça os caminhos nebulosos do setor automotivo brasileiro em tempos de eletrificação, assunto que CapitalSocial abordou nesta semana pela primeira vez, justamente na esteira de seguidas reportagens daquela jornalista.  

NÃO MAIS QUE 20% 

A reprodução dos três primeiros textos, originais de LivreMercado, é apenas parcial. Decidimos editar não mais que 20% do total de cada análise, porque são extensas e profundas em detalhes.  

Todo o material que se segue é uma oportunidade especial para quem sabe, o Clube dos Prefeitos sair de uma institucionalidade vegetativa de três décadas e busque medidas cautelares e prospectivas para interromper o curto-circuito permanente que impacta a economia da região.  

Evitar a eletrocussão automotiva regional já seria uma gloria. Pelo menos impediria a consumação de um desastre ainda maior – de aniquilamento do setor automotivo do qual o Grande ABC depende excessivamente por falta de alternativas de matrizes econômicas de sustentação à mobilidade social há muito comprometida.  

 

Esvaziamento industrial da região

compromete poderio econômico 

 DANIEL LIMA - 27/03/1990

 

O Grande ABC não está com a bola toda, como muitos imaginam, ou como considera uma parcela razoável de investidores nas áreas de comércio e de serviços. Se é verdade que nos últimos anos descobriu-se o filão dos grandes shoppings centers e das lojas de departamentos e as principais representações de serviços deslocaram baterias principalmente para o A e o B do ABC, não é menos real que o esvaziamento industrial, ditado pelo crescente êxodo de grandes e médias empresas, acentua-se discreta e perigosamente. 

Mais grave que as perdas econômicas estrategicamente enrustidas pelas representações empresariais e contundentemente sentidas pelos trabalhadores, é a política suicida de ignorar ou mascarar os fatos. O Grande ABC está empobrecendo a olho nu. É verdade que a situação macroeconômica do País esparrama diretamente sobre a região uma onda de desalento. Mas é inconcebível que as autoridades dos mais diversos setores e calibres permaneçam praticamente imobilizadas. O ABC perde cada vez mais sua face industrial, situação que poderá empalidecer seus indicadores econômicos e sociais. 

Embora faltem estatísticas na região, como de resto ao Brasil, os poucos números coletados e distribuídos por algumas instituições são elucidativos. Reduz-se a força industrial da região e tolos são aqueles que acreditam que os setores comercial e de serviços assumirão automaticamente os espaços que se abrem e, desse modo, evitarão o pior. Sem produção, já está provado no grande palco do capitalismo, os Estados Unidos, não há resistência do comércio e dos serviços. 

O que mais assusta é a falta de unidade entre as representações políticas, empresariais e sociais no Grande ABC. Se organizar de forma conjunta os sete Municípios do Grande ABC parece ser tarefa impossível para os políticos, sobretudo quanto às questões da produção industrial, porque há bloqueios naturais do ponto de vista doutrinário a desestimular tal proposta, pelo menos as bases empresariais da região poderiam unir-se para uniformizar gestões junto às prefeituras, de modo a que surgisse algo como um plano industrial. 

Se, dada a falta de união empresarial, essa proposta fosse avaliada como absolutamente irrealizável, então que se limite o empresariado a trabalhar em seu Município. Quem sair na frente provavelmente forçará os demais municípios a deixarem o berço esplêndido em que estão enfiados. Afinal, o esvaziamento industrial e econômico do Grande ABC atinge a todos, indistintamente. Há particularidades em cada cidade, mas globalmente existe forte semelhança: ninguém ainda se deu conta de que o sucateamento que se junta ao esvaziamento levará a região a ser apenas lembrança de passado poderoso. 

Se a ciclotímica crise econômica brasileira serve de atenuante ao empresariado regional que insistentemente se mostra arredio a formulações coletivas, o mesmo não se pode dizer das autoridades públicas, como prefeitos e vereadores. Eles só raciocinam em termos eleitorais, com raras exceções. E voto significa imediatismo de ações, porque quatro anos passam rapidamente e quem descuidar fica a ver navios. Assuntos econômicos ligados à produção raramente são debatidos. A falta de projeto econômico para cada cidade da região e para o ABC como um todo é algo tão acintoso que a simples sugestão de que se pense no assunto pode chocar. 

Não se pode dizer, nesse caso, que os políticos da região seguem à risca o figurino da classe. Os políticos do interior do Estado e também de vários municípios de Minas Gerais e Paraná já tiveram a sensibilidade tocada pela importância de ativar a economia pelo lado da produção. Eles oferecem rios de vantagem para quem lá se estabelece. Além de isenções tributárias, doam imensas áreas já terraplenadas. O governador, estocado pelo avanço de mineiros e paranaenses, parece reagir. 

Mas reação não se faz isoladamente. É preciso tornar o incentivo à produção marca efetiva da administração. No ABC, principalmente onde o PT elegeu prefeito, é notório o estremecimento com os empresários. Os índices de aumento de IPTU têm forte conotação corretiva, de anos e anos de política tributária nocivas de administradores relapsos, bem como um ranço ideológico que tem alguma semelhança com a Ilha do Caribe frequentada por Fidel Castro e seus companheiros. 

É verdade que não há identidade comum entre as administrações petistas. O prefeito Celso Daniel, de Santo André, por exemplo, tem tido pessoalmente bons contatos com representantes empresariais. Maurício Soares também não é símbolo de radicalismo. Entretanto, falta a ambos e à estrutura de recursos humanos do primeiro escalão que os cerca o apetite próprio dos capitalistas, sintetizado na constante volúpia de proporcionar investimentos. Facilidades para a implantação de novas unidades fabris poderiam soar como heresia ao partido. Já os prefeitos da região fora da órbita petista pecam mesmo pela omissão. 

Sem a boa vontade dos políticos, os empresários procuram encontrar saídas individuais para superar os obstáculos. Raramente questões que afligem o setor industrial na região são debatidas em grupos de empreendedores — e quando o são não têm a devida repercussão ou continuidade. 

Por isso, prevalece o individualismo pragmático. Muitas empresas já preferiram redirecionar investimentos a regiões dóceis, ou mais que isso, a regiões que acolhem os novos investidores como heróis de guerra. O presidente da Cofap, Abraham Kasinski, recebeu o título de cidadão de Lavras há três anos, pouco antes de inaugurar naquela cidade do sul de Minas uma nova unidade da empresa que nasceu e se consolidou no ABC. 

Sabe-se que as entidades de classe empresarial evitam divulgar a relação dos retirantes. Teme-se que grande leva de empresários deixe o ABC por causa do feixe de contratempos e infortúnios que os assolam. Certo mesmo é que figuram na lista dezenas de deserções nos últimos cinco anos. Entre ser recebido por banda de música em aprazíveis cidades interioranas e o bacamarte do radicalismo sindical, misturado com o descaso das autoridades públicas, é claro que o empresário não precisa pensar duas vezes até decidir-se pela transferência. 

Mais ainda se se considerar a quebra de qualidade da mão-de-obra regional, que atinge sobretudo as pequenas e médias empresas, por causa de uma combinação de fatores que vai da perda salarial contínua à limitada oferta das escolas técnicas oficiais. Sem contar que também a mão-de-obra qualificada não resiste à ideia de uma transferência para o Interior. 

Predominantemente formada de pequenas e médias indústrias, situação aliás pouco lembrada diante do asfixiante domínio econômico dos grandes montadores de veículos, a região sofre também com os percalços históricos desse segmento. Não existe no País qualquer projeto de estímulo às pequenas e médias empresas. Diferentemente da Itália. 

Se estivesse, pois, em qualquer posição geográfica do País, a grande maioria das indústrias do ABC teria um quadro de infortúnio a açoitá-las. No ABC, então, agrava-se o desconforto, porque as grandes indústrias são referenciais obrigatório das reivindicações trabalhistas. Nos últimos 12 anos, o setor de pequenas e médias empresas, principalmente das unidades dirigidas de forma convencional, passou o sufoco do enfrentamento com a Central Única dos Trabalhadores – CUT -que, todos sabem, não é exatamente compreensiva com os empresários. Máquinas e equipamentos da maioria das empresas estão obsoletos, sem condições de dar respostas aos anseios de produtividade do Governo Federal. 

 

Quem desativa essa bomba? 

 DANIEL LIMA - 05/08/1998

 

Uma bomba-relógio ameaça agravar o declinante poderio econômico e a ascendente ruptura social do Grande ABC. Representantes de empresas que sustentam a principal atividade microeconômica da região — a indústria automobilística e as autopeças que a rodeiam — acabam de preparar espécie de dossiê que aponta quadro de gradual trombose em suas atividades. A anomalia atinge quatro áreas que respondem diretamente pela capacidade de competir num mercado que se torna cada vez mais concorrido internamente, com novas montadoras que se instalam no País, e internacionalmente, com a globalização em ritmo frenético. 

Num trabalho inédito da Câmara Regional do Grande ABC, liderado pelo prefeito Maurício Soares, de São Bernardo, coordenador do Grupo de Competitividade do Setor Automotivo, os subgrupos de Relações Trabalhistas, Infraestrutura, Impostos e Desenvolvimento Tecnológico praticamente esmiuçaram os pontos principais de algo que pode ser resumido e simplificado como Custo ABC, embutido em algo igualmente desestimulante para a atividade empresarial, o Custo Brasil. 

O subgrupo de Relações Trabalhistas é o mais explosivo. O relatório é contundente. Coloca a nocaute velhos mitos regionais. Desmistifica, por exemplo, a qualidade da mão-de-obra. Estudo mais atento do relatório, que está sendo detalhado a cada reunião dos grupos de trabalho, coloca sob suspeição os eventuais e propalados efeitos econômicos positivos do surgimento do Novo Sindicalismo, como é chamado o movimento liderado 20 anos atrás pelo então ferramenteiro Lula, pela terceira vez candidato à presidência da República. 

O que nos tempos de mercado fechado poderia ser considerado Benefício ABC, como alardeiam os sindicalistas, cada vez mais ganha corpo de Custo ABC. Se antes montadoras e autopeças mantinham-se a salvo da competição, a partir do início dos anos 90 a situação começou a se alterar. Quem mais sofreu foram as autopeças, sem proteção alfandegária. As montadoras conseguiram erguer barricadas tributárias respaldadas pelo Regime Automotivo, mas os competidores avançaram e se estão instalando no País. 

Sem pretender tapar o sol com a peneira, qualquer analista que se debruce sobre o estudo chegará à conclusão de que o Grande ABC está na mesma situação dos brasileiros depois de Taffarel sofrer dois gols de cabeça do carrasco francês Zidane na decisão da Copa do Mundo e que só mesmo muito esforço conjunto possibilitará reavaliação séria e desapaixonada que garanta sustentação no ranking. 

 

Adivinhe quanto perdemos de

PIB Automotivo em 14 anos? 

 DANIEL LIMA - 18/05/2021

 

Faço um desafio aos leitores, desafio que já está posto na manchetíssima de hoje: tente acertar a quanto se reduziu o PIB Automotivo do Grande ABC (montadoras e autopeças) nos últimos 14 anos medidos por duas profissionais da Fundação Seade. Faça um teste. Para ser mais direto: qual é a participação do PIB Automotivo do Grande ABC no Estado de São Paulo? Vamos mais longe ainda, e é o que vale para o que segue: a quanto se reduziu o bolo regional no PIB Automotivo do País?  

Se querem saber mesmo, nem o amplo, detalhado, profundo estudo das duas especialistas da Fundação Seade chegou à parcela regional no âmbito nacional.   

O estudo limitou-se -- no bem sentido do termo -- à fatia regional no Estado de São Paulo. Mas como consumi o material de 36 páginas no fim de semana, e fiz alguns cálculos, cheguei à referência nacional. Que é uma tragédia regional. Nossa Doença Holandesa, ou seja, a dependência do setor automotivo, é nosso cadafalso econômico.  

Trata-se de tragédia que alguns ainda insistem em negar porque entendem que redução de participação relativa não significa redução da participação absoluta. No caso do Grande ABC, são as duas coisas. Irmãos siameses.  

Participação relativa condicionada à preservação da participação absoluta significa que o tamanho de produção física do setor automotivo do Grande ABC poderia ter sido mantido ou mesmo aumentado no período anunciado. Teria sofrido apenas perda relativa se outras localidades nacionais tivessem elevado a riqueza sobrerrodas a patamares mais elevados. Não foi isso que ocorreu.  

O que ocorreu com o PIB Automotivo do Grande ABC é que perdemos participação relativa (os demais endereços nacionais ganharam fatias de geração de riqueza) e perdemos participação absoluta (produzimos menos riqueza do que anteriormente).   

Vamos então ao teste da verdade? Afinal, qual é a participação do PIB Automotivo do Grande ABC no PIB Automotivo Brasileiro?  

1. Mais de 30%.  

2. Entre 21% e 30%.  

3. Entre 15% e 20%  

4. Entre 10% e 15%.  

5. Menos de 10%.  

Errou redondamente quem fez qualquer opção que não fosse o enunciado “e”. Isso mesmo: o PIB Automotivo do Grande ABC que já foi praticamente 100% do PIB Automotivo do Brasil nas primeiras décadas do século passado, hoje não passa de 9,16%. Se você está surpreso, não roa as unhas, porque também estou. Fiz os cálculos três vezes, desconfiado de que pudesse estar equivocado. Lamentavelmente, estou certo.   

 

Parque automotivo em  

xeque no Brasil 

 Marli Olmos -- 29/06/2022

  

Dos dez maiores produtores de veículos do mundo, três ainda não definiram uma nova matriz energética para os carros que circulam em seus territórios ou são produzidos em suas fábricas: Índia, Brasil e Rússia, que, respectivamente ocupam sexta, nona e décima posição nesse ranking. 

Os quatro primeiros - China, Estados Unidos, Japão e Alemanha - têm planos claros de eletrificação. No mercado alemão, os elétricos já representam 26% das vendas. Na China, a fatia desses veículos dobrou de 6% para 12% em um ano. Nos EUA, os volumes são ainda baixos (4%), mas o governo anunciou um plano milionário para eletrificação do transporte e infraestrutura de carregamento de baterias. No Japão, que saiu na frente com os híbridos, mais de um terço das vendas é formada por esses veículos. 

Na Espanha, a fatia também ainda é pequena - 8% das vendas. Mesmo assim, o plano de eletrificação está claro. 

Entre os que sobram da lista, o México junta-se aos EUA no esforço da eletrificação, principalmente por ser o mercado americano o principal destino da produção de veículos nas fábricas mexicanas. Processo semelhante ocorre na Coreia do Sul, país com uma forte indústria automobilística exportadora. Mesmo assim, os carros eletrificados já representam 12% do seu mercado, que é menor que o do Brasil. 

Já no Brasil, híbridos e elétricos somaram 1,7% das vendas em 2021. Com fatia menor ainda, a Rússia tende a perder posições nesse ranking como resultado do boicote das empresas em represália à guerra na Ucrânia. 

A Índia, onde a eletrificação chega a menos de 1% dos veículos de quatro rodas, já mostrou interesse na experiência brasileira com o etanol e na possibilidade de seguir a ideia lançada por parte da indústria, no Brasil, de fazer do país uma base de produção de híbridos movidos a etanol. Nesse conceito, o derivado da cana, uma energia renovável, abastece o motor a combustão que, num veículo híbrido, ajuda no carregamento das baterias do motor elétrico. 

A Toyota já faz esse tipo de carro no país. Recentemente, aderiram à ideia a brasileira CAOA, que produz a marca chinesa Chery, e a também chinesa Great Wall, que se prepara para produzir no país. Mas a maioria dos ainda poucos carros eletrificados vendidos no país é formada por marcas de luxo, todos importados. 

As iniciativas que por aqui despontam são insuficientes para dizer que o Brasil e sua indústria automotiva estão prontas para escolher um caminho. Por um lado, isso é compreensível. Um país emergente não tem o mesmo fôlego dos três que sempre estiveram no topo da lista dos maiores fabricantes de veículos - Estados Unidos, Japão e Alemanha. Esse tri está, obviamente, mais preparado para investir no caro desenvolvimento de veículos elétricos e, mais importante ainda, oferecer incentivos fiscais ao consumidor para aderir a esse novo tipo de veículo. 

O mesmo ocorre em países menores da Europa. Na Noruega, campeão dos elétricos, 80% das vendas hoje, são carros que dependem de tomada para carregamento de baterias. 

Mas existe uma indústria forte em regiões menos desenvolvidas, que ali se instalou para aproveitar a força de seus mercados, como é o caso do Brasil, ou o baixo custo de produção e de exportação, como ocorre de forma mais nítida no México. Assim como a Índia. O que acontecerá com alguns desses imensos parques fabris quando o carro a combustão desaparecer? 

No Brasil, sétimo maior mercado veículos do mundo, a questão não é só saber que tipo de carro vai ser vendido no país, mas, principalmente, onde será produzido. 

O que está em jogo é um parque cuja grandeza dos números fala por si só. Mais de 50 fábricas de mais de 20 montadoras globais se espalham hoje em 40 municípios brasileiros. A capacidade de produção dessas linhas chega a 4,5 milhões de veículos por ano. É mais do que produz a Alemanha. O setor envolve 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos. Além dos 101 mil funcionários na indústria automobilística, 156 mil trabalham em cerca de 600 fábricas de autopeças e outros milhares em quase 5 mil concessionárias. 

Alguns analistas e executivos do setor acreditam que, por uma questão óbvia, um país com mercado de mais de 2 milhões de veículos por ano não importará a totalidade desse volume. Hoje são vendidos em torno de 250 mil importados por ano, incluindo os que vêm de regiões com as quais existe acordo de livre-comércio, como a Argentina. 

Mas alguns sinais vermelhos já acenderam. Ford e Mercedes-Benz já optaram por deixar de produzir automóveis no Brasil. A maior parte das demais continua a investir. Mas, são planos cuja programação não vai muito além de 2025. 

A questão é saber o que vai acontecer a partir de 2030, data em torno da qual grandes empresas têm estabelecido como limites para atingir as mais elevadas metas globais de descarbonização. Como o desenvolvimento de um veículo leva, em média, três anos, não sobra mais tempo para divagar. 

Alguns acreditam que o parque não vai desaparecer se prevalecer a ideia de produzir carros híbridos movidos a etanol. Como o carro híbrido não dispensa o motor a combustão, as mesmas milhares de peças que compõem os veículos feitos aqui hoje continuariam a ser necessárias. O veículo elétrico é muito mais simples. 

Mas o problema é que não existe consenso na indústria em torno dessa questão. Por isso, as montadoras vão, mais uma vez, divididas falar com o governo quando a questão girar em torno de qual tipo de energia receberá os maiores incentivos fiscais. Ou, colocando de outra forma: quais tipos de energia serão mais taxadas por não serem produzidas localmente. 

Nessa indústria, as coisas sempre funcionaram com forte mobilização junto ao poder público. Uma das épocas mais marcantes foi a criação do chamado carro popular, que, para ter incentivos precisava ter motor 1.0. As vendas desse tipo de veículo chegaram a representar quase 70% do mercado em 2001. Ainda hoje são elevadas - 43,8%. Não porque o carro continue popular. Mas porque esse tipo de motor - que foi, depois, “turbinado” pelos fabricantes - continua a ter IPI menor. 

Embora as conversas já estejam acontecendo em Brasília, a indústria sabe que o jogo do carro do futuro do brasileiro não será definido antes da chegada do novo governo. Há um esforço enorme, de um lado, para promover o etanol para carros híbridos e outro, igualmente intenso, no sentido que indica o modelo 100% elétrico - aquele abastecido diretamente na tomada - como tendência global e irreversível. 

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