Economia

Só gestão compartilhada daria
fôlego à Avenida dos Estados

  DANIEL LIMA - 27/06/2022

Havia um meio de caminho entre o Eixo Tamanduatehy (parcialmente executado) formulado pelo prefeito Celso Daniel durante o segundo mandato à frente de Santo André e a realidade econômica que se seguiu após a morte do maior homem público da história do Grande ABC.  

Entretanto, nenhum sucessor foi capaz de enxergar o óbvio. Por isso, Santo André está à deriva econômica desde muito tempo.  

Detentor de um mandato pífio na primeira gestão de Santo André, entre 1989 e 2002, Celso Daniel se tornou um prefeito reformista e revolucionário ao assumir pela segunda vez o cargo, em 1997. Celso Daniel conjugou competência técnica e inquietação social.  

Paulinho Serra de primeiro mandato pífio, entre 2017-2020, tornou-se um prefeito medíocre de vez ao ser reeleito. O viés populista-assistencialista se consolidou. Não parece haver espaço a uma guinada porque, diferentemente daqueles que rodeavam Celso Daniel com ideias e projetos, Paulinho Serra prefere o lambe-lambe triunfalista da maioria de assessores pouco qualificados.   

PRISÃO NO PAÇO  

Paulinho Serra está preso a uma estrutura gerencial que o torna refém de forças que o conduzem ao desfiladeiro de esperança de uma Santo André melhor.  

Fosse organizado e planejado sob estrutura conceitual que não observasse apenas a próxima eleição pessoal e também da mulher Carolina, fosse resistente às forças de pressão, Paulinho Serra teria fincado as estacas como um nome diferenciado da raia miúda de titulares do Paço Municipal ao longo da história. Acabou se juntando a eles. 

A transformação do Eixo Tamanduatehy legado por Celso Daniel em Eixo Avenida dos Estados colocaria Paulinho Serra num patamar de visionarismo invejável, mesmo que a léguas de distância do inigualável.  

MORANDO ATIVO  

Aliás, é o que tem sido Orlando Morando em São Bernardo no campo específico de acessibilidade e logística, pontos extraordinários a um salto econômico ou à resistência ao esvaziamento regional. 

O Eixo Tamanduatehy virou pó com a morte do prefeito que mais pensou a reestruturação econômica e social de Santo André nos últimos 50 anos.  

Paulinho Serra poderia ter transformado o Eixo Tamanduatehy em Eixo Avenida dos Estados por conta de necessidade de adaptação contextual.  

O futuro de Santo André (e também de São Caetano, um pouco menos de Mauá) passa necessariamente pela Avenida dos Estados. A competitividade industrial e consequentes efeitos econômicos da Avenida dos Estados, que começa na Capital, já foi para o beleleu há muito tempo.  

COMEÇO DE TUDO  

Aliás, Santo André começou a perder o título de Capital Econômica do Grande ABC (e o processo se tornou irreversível) a partir da chegada da Rodovia Anchieta. A Imigrantes e o trecho sul do Rodoanel completaram o serviço. Deslocou-se o eixo de competitividade regional em direção a São Bernardo.  

Por isso não é exagero rebatizar simbolicamente a Avenida dos Estados --no trecho sob a influência maior de Santo André – de Avenida dos Estragos. 

Não vou me estender agora sobre o que poderia ser preparado para que ainda se levasse adiante o Eixo Avenida dos Estados, mesmo com condicionantes que mitigariam os efeitos produtivos.  

COMPARTILHAR MESMO  

A síntese da equação é que talvez ainda haja tempo de Santo André compartilhar a gestão daquele traçado de deseconomias aparentemente inesgotáveis. Compartilhar é o conceito-chave e desafiador numa região especializada em individualismo institucional. 

Santo André teria de se aproximar de São Caetano e de Mauá, no âmbito regional, e da Capital e do Estado de São Paulo, extra-região, para desenhar reformulação de usos gerenciais e benefícios econômicos que retirassem a Avenida dos Estados do encalacramento histórico. Ou alguém tem dúvida de que a Avenida dos Estados é um amontado de problemas que conferem aos municípios por onde passa um entrave a qualquer proposta de reestruturação econômica?  

MEDIDAS LEGAIS  

O compartilhamento proposto não é um termo utilizado tendo como justificativa o léxico estilístico propriamente dito, mas uma proposta político-administrativa de um projeto que reúna essas instâncias de poder de forma compulsivamente comprometida.  

Não faltariam mecanismos técnico-burocráticos-legislativos que permitiriam a gestão específica da Avenida dos Estados por grupo multidisciplinar de representantes desses municípios.  

Uma força-tarefa que não subestime a participação de um ponto fundamental ao sucesso possível -- os especialistas em produção de riquezas, no caso empreendedores em geral. Eles dariam prioridade absoluta a uma completa recomposição de peças desse tabuleiro de complexidades no qual prevalecem entulhos e entravas ao Desenvolvimento Econômico.  

CLUBE DISPENSÁVEL  

Fosse minimamente útil, prospectivo e livre de amarras político-partidária, o Clube dos Prefeitos poderia assumir essa costura. Mas, como se sabe, trata-se de uma instituição ainda mais problemática que a própria Avenida dos Estados.  

O encontro das águas de entendimento entre os municípios diretamente envolvidos na questão de décadas da Avenida dos Estados é mais premente para Santo André. Afinal, aí está a raiz da derrocada econômica a partir do esvaziamento industrial daquele espaço.  

O Eixo Avenida dos Estados contemplaria preferencialmente aquele mal-traçado viário e o entorno mais próximo. Essa é a diferenciação principal em relação ao Eixo Tamanduatehy de Celso Daniel, muito mais completo, abrangente, reformador.  

Quem não tem cão de um aparato de alto nível reestruturante que cace com o gato da simplificação resolutiva. 

TAPA-OLHO  

A literatura regional consagrou a Avenida dos Estados como a prova provada de que vale a pena enrolar o distinto público com políticas repetitivas de reparos aqui e acolá que rendem manchetes, promessas e, claro, frustrações. 

O prefeito Paulinho Serra observa e age na Avenida dos Estados com tapa-olho. Ou seja: não tem a compreensão da relevância econômica histórica do traçado, base da industrialização no município.  

E não será necessariamente o Eixo Avenida dos Estados que reparará todos os prejuízos, mas teria potencial de mitigar os mais que previsíveis e prováveis danos no futuro e, quem sabe, abriria alguma perspectiva a novas modalidades de ocupação econômica no campo de serviços e comércio. Nada, claro, que sequer resvale no Eixo Tamanduatehy de Celso Daniel.  

SOPRO DE ESPERANÇA  

Estamos no início da terceira década deste novo século levados por uma torrente de más notícias na região, que segue a caminhada rumo a novas perdas econômicas. O Eixo Avenida dos Estados poderia dar um sopro de esperança, de otimismo.  

Como, aliás, tem oferecido ao público o prefeito Orlando Morando. O titular do Paço de São Bernardo empreendeu para valer uma vigorosa ação de investimentos públicos em logística, com obras viscerais à reorganização de um organismo duramente impacto pela desindustrialização automotiva neste século.  

Diferentemente de Santo André (e também de São Caetano) que não tem para onde correr com oferta de uma vazão à ocupação industrial, porque a Avenida dos Estados é o que é, Orlando Morando está potencializando São Bernardo para usufruir da Anchieta, da Imigrantes e do Rodoanel.  

O vazamento da riqueza produtiva de São Bernardo com a chegada do Rodoanel, por conta de baixa acessibilidade, provavelmente será corrigido com a potencialização do espaço municipal favorecido pela logística prioritariamente assentada nos últimos anos.  

Rodoanel, Imigrantes e Anchieta estão se tornando respiradouros à economia de São Bernardo, enquanto Santo André e São Caetano participam de uma corrida por competitividade sem se darem conta de que precisam do balão de oxigênio da Avenida dos Estados que, mesmo assim, nada garante que o tiro seria certeiro para estancar a sangria.  

Independentemente da mensuração de resultados que viriam, o que não pode mesmo continuar é a incapacidade de reação.  

OBRAS PONTUAIS  

Não serão obras pontuais, de algum resultado ao fluxo interno de veículos, como são os dois viadutos sob a mira do prefeito Paulinho Serra, que vão alterar o estágio de deterioração da Avenida dos Estados em forma de diálogo com as necessidades econômicas latentes.  

Em seguida, para que se entenda o tamanho que diferencia a gestão de Celso Daniel relativa (também) a Avenida dos Estados e o que veio depois, temporada a temporada, com seus sucessores, leiam o texto que escrevi em novembro de 1999, ou seja, há quase 23 anos. Me contenho para não chorar de frustração com o que temos tido. Foi-se embora o farol dos sete mares em fúria. Ficamos com lanterninhas de cinemas suburbanos.   

 

Santo André vai à

Bienal Internacional 

 DANIEL LIMA - 05/11/1999

 

O Eixo Tamanduatehy e vários dos projetos urbanísticos da Prefeitura de Santo André vão fazer parte da 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, programada para o período de 20 de novembro a 25 de janeiro. É a primeira vez que uma representação oficial do Grande ABC estará presente nesse que é considerado o maior evento do setor no País, reservado para o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera. Santo André vai participar de dois segmentos da mostra. Institucionalmente com um conjunto de projetos que estão sendo ou já foram executados, casos da reforma do Parque Duque de Caxias, da reestruturação dos centros dos bairros de Vila Luzita e Santa Terezinha, do Paço Municipal e também da região central da Oliveira Lima, entre outros que estão sendo definidos pelo secretário Klinger Luiz de Souza. Já o Projeto Eixo Tamanduatehy ocupará espaço técnico da exposição, sob a coordenação-geral de Maurício Faria e coordenação-técnica de Horácio Galvanese.  

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A participação na Bienal Internacional com o Eixo Tamanduatehy é mais uma investida da Prefeitura para sensibilizar investidores a descobrir o potencial de transformação urbanística e econômica do imenso corredor formado pela Avenida dos Estados e seus entornos, casos da via férrea e da Avenida Industrial. Lançado em abril no Palácio de Mármore, o Eixo Tamanduatehy já foi exposto no Masp (Museu de Arte Moderna de São Paulo) e despertou o interesse da comunidade acadêmica e profissionais de arquitetura por representar proposta de superação da posição de periferia do Grande ABC em relação a São Paulo.  

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O Eixo Tamanduatehy é formado por um conjunto de áreas que compreende cerca de 700 hectares ao longo de 10 quilômetros entre a divisa de São Caetano e o limite com Mauá. Os projetos são assinados por equipes encabeçadas por Cândido Malta (Brasil), Christian de Portzamparc (França), Eduardo Leira (Espanha) e Joan Busquets (Espanha), com a consultoria dos urbanistas Jordi Borja, da Espanha, e Raquel Rolnik, do Brasil. A aprovação da logomarca do projeto marcou no final de outubro o encontro de representantes da Prefeitura e da comunidade que compõem o chamado grupo promotor do Eixo Tamanduatehy. O trabalho aposenta a expressão Projeto Eixo Tamanduatehy. Será caracterizado apenas como Eixo Tamanduatehy para transmitir a imagem de algo concreto. Embora expresse potencialidades de transformações viscerais ao longo dos próximos 20 anos, os mentores do Eixo Tamanduatehy esperam transmitir a ideia de que se trata de proposta evolucionária, não abstração própria de projeto. 

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Inseridas nessa estratégia, várias obras já realizadas ou em fase de execução vão passar a contar com a identificação da logomarca de Eixo Tamanduatehy. São os casos da nova planta da UniABC, do ABC Plaza Shopping e do Extra, na Avenida Industrial, do GlobalShopping na Avenida dos Estados, da nova Rodoviária de Santo André e também da Cidade Pirelli, em fase final de lançamento. O Eixo Tamanduatehy faz parte do projeto Santo André Cidade Futuro, lançado em 1997 pelo prefeito Celso Daniel. Maurício Faria e Horácio Galvanese lembram que o Eixo Tamanduatehy, desenhado por especialistas nacionais e internacionais, será desenvolvido por etapas de curto, médio e longo prazos. Os dois executivos públicos passaram 14 dias de setembro em Barcelona, Bilbao, Madri e Lisboa para acompanhar de perto as transformações que inspiraram urbanistas internacionais contratados pela Prefeitura de Santo André.  

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Maurício e Horácio se hospedaram na casa de Jordi Borja em Barcelona, onde ficaram de 12 a 16 de setembro. No relatório de viagem eles expressam o entusiasmo com o que chamam de escola urbanística de Barcelona que, segundo afirmam, incorpora um refinado desenho urbano, com ênfase na vegetação, no detalhe do acabamento e nos tipos e qualidade dos materiais adotados. Registram também que a vista que se vislumbra a partir do escritório de Jordi Borja, no 11º andar do Edifício Colon, é de uma cidade absolutamente densa e aparentemente árida, com quase nenhuma área verde visível. "Entretanto, no nível do solo a cidade é completamente outra. Há poucas praças verdes concentradas, porém as calçadas largas e amplas, que se configuram como verdadeiros passeios públicos, possuem alto índice de arborização" -- afirmam.  

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Nos dias 17 e 18 de setembro Maurício Faria e Horácio Galvanese conheceram Bilbao, também na Espanha. O Museu de Guggenheim merece destaque especial no relatório. "Embora o Guggenheim tenha uma grande força como elemento referencial de transformação, a obra se inclui em uma estratégia mais ampla, constituída de um conjunto de projetos estruturantes" -- relatam. Três dias foram reservados para Lisboa, mais especificamente para a Expo-98, uma operação que envolveu seis anos de obras de infraestrutura urbanística e arquitetônicas numa das áreas mais deterioradas da cidade. "Passado o evento, as instalações do agora chamado Parque das Nações vão se adaptando a usos definitivos, além do desenvolvimento da segunda fase da operação com a construção de aproximadamente 20 mil residências. Desde o terminal intermodal que integra ônibus, trem, metrô e automóvel, passando por um centro comercial de terceira geração, até os pavilhões, torre mirante e todas as demais instalações, apostou-se muito na qualidade do projeto"-- contam os dois executivos. 

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Completando a viagem, mais três dias em Madri e as intervenções nas áreas não mais utilizadas pela Renfe, empresa ferroviária, que representam processo de urbanização expressivo. "Assim como todas as outras cidades visitadas, há prioridade em relação ao pedestre, com passeios amplos, largos, arborizados e ajardinados, inclusive ao longo das grandes avenidas, configurando espécie de parques lineares" -- afirmam Maurício Farias e Horácio Galvanese, sonhando com algo parecido no Eixo Tamanduatehy.

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