Política

Pesquisa que compara ações
de prefeitos tem coerência?

  DANIEL LIMA - 14/01/2022

No final de dezembro do ano passado o Diário do Grande ABC publicou uma pesquisa de opinião pública encomendada ao Instituto Brada. Mediu-se a temperatura de aprovação e reprovação dos prefeitos da região. Houve preocupação em destacar a aprovação geral, mas, até porque não se podem esconder os dados, o prefeito Paulinho Serra foi considerado o melhor. Isso é sustentável? 

Não estou me referindo ao resultado favorável a Paulinho Serra, mas estritamente ao conceito de comparabilidade entre os sete prefeitos. Se você coloca tudo no mesmo recipiente avaliativo, é melhor prestar atenção.  

Acho que a quase totalidade pensa assim, ou seja, que uma coisa e outra coisa mais alguma coisa entre outras coisas são a mesma coisa.  Vou mostrar que é possível desmontar com argumentação forte essa teoria alquebrada.  

Identidade frágil 

Não fosse o período de férias, já teria analisado o assunto. Nunca é tarde, entre outros motivos porque o tema ultrapassa o imediatismo para se alojar em recônditos sociológicos complexos de uma área sub-metropolitana cuja identidade social e econômica esfarela-se a cada nova temporada e tudo parece que não terá fim nos próximos tempos. 

A verdade é que a primeira iniciativa de quem tem acesso aos dados da pesquisa é mesmo escrever que Paulinho Serra conta com a maior aprovação e Claudinho da Geladeira, prefeito de Rio Grande da Serra, a pior. A pesquisa, da qual o jornal é escravo na interpretação ou mesmo na simples enunciação de dados, obriga a esse raciocínio. 

O estranho, mas não tão estranho assim, é que Claudinho da Geladeira comemorou o resultado, mesmo ocupando a lanterninha na região. Como isso é possível?  

Conceito equivocado 

Sem qualquer juízo de valor sobre o resultado numérico da pesquisa, faço restrições ao conceito geral de embate interdependente dos prefeitos. Provavelmente já incorri nessa esparrela conceitual, mas experiência só tem sentido se for para reparar equívocos. Pobre da alma humana que teima em lutar contra fatos e evidências.  

Para não deixar dúvidas aos leitores, condicionantes que desenho abaixo são o que chamaria de provas vivas de maturidade a esse tipo de sondagem.  

Em outros tempos provavelmente também iria no ritmo de uma regionalidade imperfeita, ou seja, de comparar realidades diferentes. Colocar o selo do Grande ABC acriticamente no mesmo saco de gatos de avaliações é um perigo. Há temáticas que exigem essa premissa, enquanto outros cenários obrigam a rompimentos dessa teia invisível. Nem tudo que brilha nos sete municípios é ouro de sabedoria regionalista.  

Morando melhor   

Para que não fique dúvida sobre dúvida, ou seja, para que não se destilem a ideia de que pretendo favorecer algum candidato nessa avaliação, antecipo que não escondo de ninguém que, no conjunto da obra, em cinco anos de dois mandatos incompletos, Orlando Morando tem efetivamente mais a mostrar do que seus parceiros de jornada. Até porque São Bernardo é um prato potencialmente com mais tempero econômico gerado pela indústria automotiva. 

Expresso esse ponto de vista faz tempo, da mesma forma que, ao que parece, o prefeito Paulinho Serra começa a descobrir as veredas de uma nova configuração do terreno em que pisou durante os primeiros quatro anos. Paulinho Serra não seria o primeiro nem o último exemplo de chefe de Executivo da região que avança em qualidade na medida em que mais tempo tem de mandato. Resta saber até que ponto a gestão pública voltada para a cidade e as naturais ambições de fazer carreira não seriam autofágicas.  

Não há como descartar pelo menos quatro enormes condicionantes a demarcar a atuação dos prefeitos da região em seus respectivos territórios: 

1. Ambiente municipal 

2. Ambiente regional 

3. Ambiente metropolitano 

4. Ambiente nacional  

Já se foi o tempo em que apenas o quadro municipal pesava na balança de avaliações. Ou numa escala muito abaixo e subordinada o ambiente regional e o ambiente metropolitano.  

Influência externa 

Depois que o mundo mudou em todos os sentidos e a qualidade de vida no Grande ABC e na maior metrópole latina passou a patinar, é impossível afirmar categoricamente que o morador de Santo André, de São Bernardo e dos demais municípios não é influenciado nos humores e horrores por acontecimentos em geral, independentemente da área territorial que ocupa. 

Não bastasse tudo isso, o vetor “ambiente municipal” é completamente distinto politicamente em Santo André e em São Bernardo. E isso influencia muito o resultado final de uma sondagem que pretende saber o grau de eficiência de um prefeito.  

São Bernardo é muito mais conflagrada entre conservadores e esquerdistas do PT, berço que é do sindicalismo.  

PT dizimado 

Em Santo André, por outro lado, o PT foi dizimado nos últimos anos entre outras razões porque tem viés menos trabalhista que São Bernardo e Diadema, situação que gera baixo grau de resiliência programática e ideológica.  

Raízes petistas em Santo André são menos frondosas. Celso Daniel precisou de tempo e de muita competência para conquistar a classe média. E mesmo assim houve tamanha resistência que até perdeu em algumas urnas do Centro conservador, em 2000, para o invasor Celso Russomanno, concorrente ao Paço Municipal.  

Ora, se mais petistas se manifestam em São Bernardo, é natural que o índice de aprovação do tucano Orlando Morando sofre maiores desgastes que Paulinho Serra em Santo André.  

Já em São Caetano, onde o PT praticamente inexiste, o prefeito de plantão tem mesmo como adversário a insatisfação de extratos da população por razões menos político-partidárias e muito mais por ações administrativas.  

Confronto emblemático 

Talvez a comparação envolvendo Orlando Morando e o então prefeito interino de São Caetano, Tite Campanella, seja mais ilustrativa às ponderações que devem ser feitas quando há uma competição entre prefeitos. 

O resultado do Instituto Brada colocou Tite Campanella à frente de Orlando Morando. Tite Campanella foi aprovado por 59,3% dos entrevistados e reprovado por 32,4%, enquanto Orlando Morando alcançou 56,5% de aprovação e 37,2% de reprovação.  

Não há termos de comparação entre os então dois titulares de paços municipais. Orlando Morando vinha de cinco anos de mandatos obtidos nas urnas e Tite Campanella atuava por desígnios da Justiça Eleitoral.  

Mas esse é um ponto quase irrelevante ante o desempenho de um e de outro. Morando vem transformando São Bernardo num Município potencialmente competitivo em Economia e faz de obras que chamo de varejo, no bom sentido do termo, coleção de sucessos. Já Tite Campanella mal teve tempo de se ajeitar na cadeira, dada a transitoriedade iminente da titularidade emprestada. 

Disputar desiguais  

Outra variante especulativa da pesquisa do Instituto Badra se deu com a métrica de votos conquistados nas eleições de novembro do ano passado e os índices de aprovação do eleitorado nos dados divulgados. 

A aprovação de Paulinho Serra, de 65,1%, ficou um pouco abaixo da votação nas urnas, enquanto praticamente todos os demais registraram números superiores na sondagem no mesmo molde comparativo. 

Confrontar votos apurados e o índice de aprovação é claramente um equívoco. Mas Claudinho da Geladeira, contestadíssimo prefeito de Rio Grande da Serra, não perdeu tempo para avocar para si sucesso na administração ao apontar que teve mais “sim” agora dos eleitores do que votos favoráveis um ano atrás.  

O obstáculo maior para que se leve a sério uma coisa confrontada à outra coisa é que uma pesquisa que mede aprovação e reprovação de um prefeito não tem o mesmo tônus de competitividade de uma disputa eleitoral materializada nas urnas.  

Utilidade específica  

Traduzindo: enquanto numa eleição de verdade há todo um aparato ao voto e os candidatos são concorrentes de verdade, que lutam por cada sufrágio, numa pesquisa de aprovação e reprovação o adversário é invisível, menos competitivo e embates acalorados nas redes sociais inexistem.  

Entretanto, jamais cometeria o deslize de dizer que pesquisas semelhantes às da Brada são inúteis e encaminham a resultados insustentáveis. Não é isso.  

Pesquisa de aprovação e reprovação é importante a qualquer prefeito, governador e presidente da República. Tomar a temperatura da sociedade em vários aspectos de uma administração faz parte do marketing de aperfeiçoamento e correções.  

Mas pesquisas de aprovação e reprovação não podem extrapolar referenciais. Principalmente no caso do Grande ABC, onde larga escala da sociedade é economicamente interativa e as percepções políticas e partidárias são tão especificas quanto generalizadas, dependendo da situação posta.  

Os resultados eleitorais acumulados ao longo dos tempos na região revelam essas nuances com recortes personalizados de acordo com o histórico sociológico de cada Município e as influências externas do momento.  

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