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Economia

DANIEL LIMA - 07/11/2024

As pretensões orçamentárias anunciadas pelo prefeito eleito Marcelo Lima junto ao governo do Estado (e suplementarmente no governo federal) estão em termos práticos a milhares de quilômetros políticos e econômicos do Grande ABC em relação ao presidente eleito Donald Trump.

Escrevo a propósito das intenções do prefeito de São Bernardo anunciadas como carro-chefe inicial de gestão e as possibilidade de o novo presidente eleito dos Estados Unidos abrir as portas ao incremento econômico do Grande ABC.

Entre uma coisa doméstica e  outra coisa de cunho internacional, é melhor descartar a segunda e ponderar cuidadosamente sobre a primeira. A segunda não passa de especulação sem fundamentação e a primeira é potencialmente viável, mas nem por isso salvadora da pátria.

Entre uma coisa e outra coisa e variáveis possíveis e imagináveis, a conclusão mais racional é a que sugere que não se tenha entusiasmo algum com o que está longe demais,  nos Estados Unidos,  e tampouco se exagere nas expectativas do que está tão próximo, no Palácio dos Bandeirantes.  

ILUSIONISMO TRANSFORMADOR

Em nenhuma circunstância faria qualquer correlação entre uma coisa e outra coisa, ou seja, entre o anúncio do governo de transição em São Bernardo, com direito a apresentação da equipe de trabalho, e pretensos desdobramentos regionais do governo norte-americano. Entretanto, como se deu que tanto uma coisa quanto outra coisa estão no mesmo dia no noticiário, vamos em frente.

Primeiro, vamos começar pelo ilusionismo transformador. A economia do Estados Unidos não está para o bico da economia do Grande ABC porque a economia do Grande ABC não tem competitividade internacional e participa residualmente da balança comercial entre os dois países. Pior que isso: sem perspectivas políticas e estruturais de dar um cavalo de pau.

Vivemos do setor automotivo, que mal dá contas do mercado sul-americano, perdendo de goleada até para a invasão dos chineses, e do setor petroquímico, às voltas com os importados. As demais cadeias de produção desapareceram da região com a desindustrialização. Há dezenas de análises sobre isso nesta revista digital.

Se não temos externamente nada além de resultados residuais no setor automotivo, ou seja, a nossa força industrial está capenga, como haveremos de participar de suposta festa de abastecimento ao mercado norte-americano que resultaria da elevação tarifária prometida por Donald Trump, mais punitiva aos chineses de mão de obra escravizante,  mas alargada também em direção a outros países, inclusive o Brasil?

A menção que se fez na reportagem do Diário do Grande ABC à indústria de armamentos sediada em Ribeirão Pires não faz cócegas na debitada estrutura industrial da região. A participação absoluta e relativa de armas e munições é pífia. Se for multiplicada por 10 vezes continuará pífia.

Dessa forma, é muita ingenuidade ou desinformação, ou triunfalismo ou obsessão, acreditar que vamos usufruir economicamente de prováveis novas políticas econômicas dos Estados Unidos. As condicionantes são uma montanha, como disse um representante do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), Rafael Cervone. O dirigente fez série de ponderações que eliminam qualquer resquício de entusiasmo para quem sabe o que significa competitividade. Mais que isso: o tom é de advertência, que vai na contramão dos entusiastas de portas abertas dos Estados Unidos

O que disse Cervone? Leiam: “A vitória (...) exige imediata análise por parte das autoridades econômicas do Brasil, no sentido de adotar medidas contingenciais e preventivas no contexto das políticas fiscal, de investimentos, redução de impostos e de eventual aumento das tarifas aduaneiras, anunciadas pelo republicano na campanha eleitoral”.

DIFICULDADES POSTAS

Mais adiante, o vice-presidente da Fiesp (Federação das Industrias do Estado de São Paulo) apenas confirmou a inviabilidade de sonhos regionais: “Cabe considerar que, em meio às crescentes disputas comerciais entre norte-americanos e chineses, que deverão acentuar-se, nosso País tem posição estratégica pelo porte de sua economia, protagonismo, no G20, como fornecedor de commodities e alimentos e, por outro lado, como um dos maiores mercados consumidores do planeta”.

É claro que o dirigente empresarial exagerou na dose. A participação do comercio internacional  do Brasil não passa de 2%. É uma espécie de Ribeirão Pires no PIB do Grande ABC. Mas acerta em cheio sobre nossas potencialidades agrícolas.

O problema é que a geografia do Grande ABC não comporta nada que se transforme em alimento.  Temos mesmo é demanda por alimentos. Preferencialmente a preços populares. Os restaurantes Bom Prato são a prova disso. Temos o equivalente a uma São Caetano e a uma Diadema de pobres e miseráveis para dar conta.

PREFEITO SOCIAL

Agora vamos chegar ao noticiário envolvendo o prefeito eleito de São Bernardo. Para ficar mais didático aos leitores, reproduzo um dos trechos mais importantes da reportagem publicada no Diário do Grande ABC e outras mídias da região:

 O prefeito eleito disse que conversou com o secretário-chefe da Casa Civil paulista, Arthur Lima, com o objetivo de agendar “para o mais breve possível”, reunião com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a fim de discutir novos investimentos para a cidade. “Temos convênios em andamento (com o governo paulista), inclusive para obras, como o do viaduto estaiado (na Avenida Roberto Kennedy), e do restaurante Bom Prato, o do Parque da Cidadania, que será entregue no meu governo. Além de fortalecer esses convênios, vamos em busca de outros”, disse.

Marcelo Lima revela desde o princípio do princípio do princípio da campanha eleitoral que o tornou vitorioso em São Bernardo uma preocupação praticamente exclusiva com pautas sociais. Daí ser natural que tenha em mente no pretendido encontro com o governador do Estado uma agenda dessa natureza.

Espera-se, entretanto, que à medida em que contar com uma organização interna renovadora nos espaços naturalmente vagos ou subestimados durante a gestão de Orlando Morando, anuncie medidas mais orgânicas. E medidas orgânicas passam obrigatoriamente pelo campo econômico.

HERANÇA POSITIVA

Diferentemente dos demais prefeitos eleitos ou que se reelegeram em outubro, Marcelo Lima conta com uma herança bastante positiva de Orlando Morando. O implacável Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros prova isso.

Nas três dimensões em que a métrica se complementa, a Economia ocupa a 46ª posição entre 404 municípios com mais de 80 mil habitantes. Mas há buracos  em alguns indicadores que precisam ser cuidadosamente observados e que, neste século, Debilita a qualidade de vida. Na Gestão Fiscal, São Bernardo ocupa a posição 39 e na Gestão Social está em 18º lugar.

Ou seja: há um equilíbrio de comportamento competitivo de São Bernardo que precisa ser cuidadosamente analisado para que eventuais políticas de incremento na área social não provoquem estragos típicos de um tropeço numa loja de cristais. Sem equilíbrio fiscal tudo pode se perder. Está aí o governo Lula da Silva como prova provada. Não bastasse Dilma Rousseff.

Nas métricas da organização especializada no Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros, o mais bem acabado produto à avaliação da realidade dessa esfera de poder no País, há inúmeros desafios a São Bernardo.

SEM MARQUETEIRO

O que pareceria relevante a uma boa gestão é um olhar atento e  de forma ampla. Embora faltem dados precedentes sob os mesmos critérios metodológicos, a derrocada de São Bernardo neste século, depois de acentuada queda econômica também nas duas décadas anteriores do século passado, introduz mecanismo retroalimentador de complicações.

Não seria, portanto, a prioridade de atuação no campo social que atenuaria as dores e as sucessivas quedas no  PIB paulista e brasileiro.  

A expectativa gerada com a apresentação da equipe de transição em São Bernardo é que ninguém estava escondido atrás das cortinas da realidade que sempre emerge. A contaminação da gestão pública por marqueteiros sem responsabilidade social é lugar-comum nestes tempos de comunicação exacerbada. Os profissionais da transição poderiam, além de apresentados, expor uma síntese dos respectivos currículos à mostra.

Um deles, Paulo Guidetti, já atuou como secretário municipal. Se a memória não falha, era titular na gestão de Walter Demarchi, em meados dos anos 1990. É dele uma frase que jamais vou esquecer, numa entrevista que ainda não consegui transpor da revista de papel LivreMercado às páginas digitais de CapitalSocial.

O que disse ele há 30 anos, depois de sobrevoar São Bernardo de helicóptero? “Você não imagina o que vi lá embaixo. Temos uma Vietnã” – disse ele. Trinta anos atrás, é bom repetir. O que seria hoje, então? O Grande Alvarenga, que conheci de passagem outro dia, e sobre o qual escrevi aqui, é um convite à depressão.

Por conta disso e de tantas outras crateras sociais da região, a pauta que mais interessa, a pauta transformadora, é relegada a terceiro plano. Enquanto o Desenvolvimento Econômico continuar subestimado, vamos seguir na toada de enxugar gelo.



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