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Política

DANIEL LIMA - 11/07/2022

O Instituto Badra transformou o Grande ABC em paraíso político-administrativo. O Grande ABC é uma Pasárgada de fundo subjetivo eleitoral. O resumo da ópera é o seguinte: os prefeitos locais são tão bem avaliados, mesmo alguns supostamente mal avaliados, que são muito melhores que os prefeitos dos outros, de grandes cidades. 

Para se ter ideia do quanto o Grande ABC seria privilegiado nas avaliações de gestores públicos, os prefeitos Paulinho Serra (Santo André), Orlando Morando (São Bernardo) e José Auricchio (São Caetano) contam com mais que o triplo de “aprovação” no confronto com Ricardo Nunes, prefeito da Capital.  

Mais que isso: Claudinho da Geladeira, prefeito até a semana passada de Rio Grande da Serra e o mais mal avaliado pelo Instituto Brada com 27,5% de “aprovação”, está muito acima também do paulistano Ricardo Nunes. 

ESCOLHA O CAMINHO  

Por conta desses resultados (que destrincho em seguida) só posso chegar às seguintes indagações: 

a. Que tonificante social miraculoso os prefeitos atuais ingerem diariamente para se tornarem extraordinários exemplares de competência administrativa? 

b. Como é possível chegar ao estágio anunciado numa região que vive duas décadas seguidas de perdas acumuladas, como se as perdas acumuladas das duas décadas anteriores já não fossem suficientes, e os estragos do Coronavírus seguem manchando as estatísticas econômicas? 

c. Até que ponto a sociedade da região é tão extraordinariamente positivista de modo a não enxergar um dedo à frente do nariz em forma da inquietação nacional com fortes contaminações locais? 

d. Qual é a receita do bolo metodológico do instituto de pesquisa para induzir a sociedade do Grande ABC ao paraíso de resultados tão generosos, mas seguir avarento ao impedir que os mesmos milagres não possam ser replicados a outros municípios que insistem em enxergar o mundo que os rodeiam de forma completamente diversa, com ceticismo a desconfiança?  

GELADEIRA SIMBÓLICO 

Outras indagações poderiam ser elaboradas com os mesmos conceitos do guarda-chuva de sarcasmo, quando não de cinismo propositalmente provocativo, mas acho que já basta.  

O Instituto Brada publicou ontem no Diário do Grande ABC que os prefeitos do Grande ABC são prefeitos para ninguém botar defeito. Até mesmo prefeitos do Grande ABC que supostamente estão abaixo da linha de cintura em matéria de competência. 

Vamos para um caso específico para que os leitores não pensem que estou a enrolar todo mundo.  

O prefeito mais incompetente entre os sete prefeitos do Grande ABC é Claudinho da Geladeira, de Rio Grande da Serra, onde vivem 55 mil pessoas e o PIB regional não passa de 0,2%.  

COMO RICARDO NUNES 

Claudinho da Geladeira foi avaliado pelo Instituto Brada enquanto era prefeito. Na semana que passou ele foi cassado por supostas irregularidades que tantos outros prefeitos Brasil-afora cometeram e se safaram durante a pandemia do Coronavírus, ao desviarem recursos públicos.  

Mas a pesquisa pegou Geladeira como objeto de avaliação porque Geladeira ainda ocupava o cargo. Claudinho da Geladeira registrou, segundo o Instituto Brada, 27,5% de aprovação e 63,2% de reprovação.  

Os números são conflitivos porque não batem com os critérios segmentados. Muita atenção a esse ponto, porque esse ponto é a travessia da ponte explicativa.  

VEJAM DADOS  

Publicou o Diário do Grande ABC que os entrevistados em Rio Grande da Serra afirmaram que Claudinho da Geladeira contou com 3,4% de avaliação “ótima”, 13,8% de avaliação “boa”, 32,3% de avaliação “regular”, ‘6,4% de “ruim” e 32,1% de “péssima”. 

Seguindo critérios do Datafolha, não do Badra, Claudinho da Geladeira teria 17,2%, “aprovação”, “38,5% de “reprovação” e 32,3% de “regular”.  

Para que não haja dúvida: a soma de ótimo/bom significa “aprovação”, a soma de péssimo/ruim “reprovação” e “regular” é “regular”.  

CONCEITO INCOERENTE  

Esse é o conceito do Datafolha que não foi seguido pelo Instituto Brada. Tanto que o “regular” desaparece do resultado publicado pelo Diário do Grande ABC, enquanto “reprovação” vai às alturas.  

É nesse ponto que mora não só o perigo, mas o escorregão metodológico. Afinal, se “regular” for mesmo “reprovação” no conceito do Instituto Badra, alguma coisa está equivocada.  Ainda não houve a submissão de “regular” por “reprovação” no léxico nacional. Menos para o Instituto Badra.  

Os dados publicados pelo Datafolha sobre o desempenho do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, há um ano no cargo, guarda certa similaridade aos registrados por Claudinho da Geladeira. A “aprovação” de Ricardo Nunes é de 18%, a “reprovação” de 31%. “Regular” registra 44%.  

Se o pior prefeito do Grande ABC, segundo o Instituto Brada, faz um jogo semelhante ao do prefeito da Capital, imaginem então o desempenho dos demais prefeitos da região.  

TRIO DE OURO  

Vamos comparar a extraordinária performance de Paulinho Serra, prefeito de Santo André, com o prefeito da Capital? É algo como sair do paraíso da ex-capital econômica da região e frequentar o inferno da vizinha mais poderosa da Região Metropolitana de São Paulo. 

Paulinho Serra (que empata tecnicamente com José Auricchio na avaliação estrita dos números) alcançou a marca de 72,5% de “aprovação” e apenas 22,5% de “reprovação”.  

O Instituto Badra produziu um efeito milagroso ao rifar o critério de “regular” que está entre as respostas. Parece incrível, mas é isso mesmo. A metodologia é um chute na canela em tempo de frio porque não tem consistência técnica. Até prova em contrário. 

CONFLITOS NUMÉRICOS  

No detalhamento dos dados da avaliação do prefeito Paulinho Serra (sempre nas páginas do Diário do Grande ABC, como os demais prefeitos), registraram-se os seguintes resultados: “Ótimo” – 13,4%; “Bom” – 37%, “Regular”, 35,3%, “Péssimo” – 7%, “Ruim” – 4,5%.  

Peguem esses números e façam as contas seguindo a lógica de aprovação e reprovação. Dá exatamente 50,4% de “aprovação” pelos critérios “ótimo” e “bom”, e 11,5% de “reprovação”, pelos critérios de “péssimo e ruim”. 

Observaram bem o remelexo dos dados? Como é possível, em seguida, quando transpostos os dados para a definição de “aprovação” e “reprovação”, Paulinho Serra saltar para 72,5% no primeiro quesito e registrar 22,5% no segundo?  

REGULAR METABOLIZADO  

Mais que isso: o que fizeram com as respostas relativas a “regular”?  O Datafolha mantém a condição natural de “regular” quando poderia qualificar como “regular-regular”, “regular-positivo” e “regular-negativo”. 

Praticamente todos os institutos de pesquisas parecem ter um pacto de tornar “regular” absolutamente “regular”, o que, lá adiante, ajuda a esgrimir a margem de erro, também margem de manobra. Afinal, nada melhor para um encaixe dos números na reta de chegada e a glorificação de um marketing de suposto acerto dos resultados das urnas.  

NÚMEROS ANABOLIZADOS  

O Instituto Brada transformou o “regular” em “aprovação” e “reprovação” sem nenhum sentido. É um terreno movediço que não encontra sustentação técnica.  Ou seria possível entender o contrário, ou seja, que o conjunto de eleitores que responderam “regular” disseram subliminarmente “aprovação” ou “reprovação”? 

Essa inconformidade não anaboliza apenas os dados do prefeito de Santo André, mas de todos os demais. É um equívoco metodológico de alguém que não sabe fazer simples operações matemáticas ou acha-se com poderes especiais, discriminatórios.  

Nem o Datafolha -- repita-se -- chegou a tanto. Tanto não chegou que “regular” fica intocavelmente como “regular”. Não toma o corpo e a alma de “aprovação” nem de “reprovação”. “Regular” do Datafolha não é um hibridismo analítico sujeito a chuvas de especulação e trovoadas de maquinações.  

O Instituto Brada, entretanto, promove sessão de contorcionismo numérico e de exorcismo conceitual para inchar os dados positivos dos prefeitos da região. Quando a esmola da “aprovação” é demais não há santo de ingenuidade que acredite. 

Em temporada de disputas eleitorais de interesse municipal como a atual uma pesquisa com essas prerrogativas gelatinosas pode ser observada como cidadelas promocionais.  

Retomando a disparidade de resultados, a pergunta que salta aos olhos é como pode um prefeito da Capital estar tão abaixo em “aprovação” diante de todos os prefeitos da região?  

Na competição como Paulinho Serra, Ricardo Nunes perde de 72,5% a 18%. Veja os demais: José Auricchio (71,3%), Orlando Morando (63,6%), Clovis Volpi (55,4%, José de Filipi Júnior (49,1%), Marcelo Oliveira (29,6%) e o já mencionado Claudinho da Geladeira (27,5%).  

GRANDE PASÁRGADA  

Traduzindo tudo isso para não embaralhar demais esse jogo: o índice de “aprovação” dos prefeitos das sete cidades da Grande Pasárgada é muito, mas muito superior ao da Capital paulista. E também nas disputas com os prefeitos do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte e de tantas capitais e cidades brasileiras que não têm o Instituto Badra como referencial de pesquisa.   

Para se ter ideia da extravagância numérica do Grande ABC, nem o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que conta com um dos índices mais elevados de aprovação no País, chega aos pés dos três primeiros colocados do Grande ABC.  

Zema, segundo o Datafolha, alcançou 50% de “aprovação”. Estatisticamente empatado com José de Filipi Júnior, prefeito de Diadema, penúltimo colocado no ranking regional do Instituto Brada.   

EMPACOTAMENTO  

Talvez volte ao assunto numa das próximas edições. Tenho evitado analisar pesquisas eleitorais (e a pesquisa do Instituto Badra é subjacentemente eleitoral, não custa repetir) porque o que era uma exceção no passado virou uma consequência irrefreável nestes tempos tenebrosos de interesses mais que complexos.  

Há nas prateleiras de marketing de convencimento e conveniências produtos para todas as encomendas e, dessa forma, o desconfiômetro é a melhor recomendação.  

Quando me refiro a avaliações dos prefeitos da região tenho batido na tecla de que o empacotamento analítico em forma de regionalidade pode embutir erro crasso: é uma forma de catapultar determinados gestores públicos a patamares de uma hierarquia de qualificação que subestima o contexto regional e nacional.  

SITUAÇÕES DIVERSAS  

Uma Santo André sem oposição mínima ao prefeito de plantão (o PT desapareceu na cidade) não tem semelhança alguma com uma São Bernardo de oposição petista e sindical sempre alerta.  

Uma Diadema de operariado de ramificações esquerdistas também enfrenta mais obstáculos com camadas de moradores de outras atividades econômicas. Sem contar a própria realidade físico-estrutural. 

Qualquer Município do Grande ABC comparado a qualquer Município do Grande ABC em forma de avaliação político-administrativa registrará particularidades que tornam o resultado final explicitamente claro quando visto no próprio território, mas contraproducente num confronto entre territórios.  

AFERIR TEMPERATURA  

As demandas dos eleitores de São Caetano, cidade madura, de baixa taxa crescimento demográfico e predominantemente de classe média tradicional, não são semelhantes às demandas de Diadema, construída quase que em regime de mutirão e de desenho sociológico distinto não só da cidade mais rica do Grande ABC, como das demais.  

Isso quer dizer que mesmo dados semelhantes não têm o significado de atuação positiva ou negativa igualmente semelhantes. A aferição da temperatura de eficiência de administradores públicos é uma vertente valiosa em qualquer pesquisa, desde que não se desprezem métodos igualmente eficientes.  

Num passado que ficou no passado cometi o erro de botar todos os municípios no mesmo saco – assim como todos o fazem até hoje. Eram tempos em que estava imerso no jornalismo diário (mesmo que dirigindo uma revista mensal, que se produz a cada dia, não no último dia de cada mês) e mal tinha tempo para tarefas-padrão, quanto mais para refletir detidamente. 

A pesquisa anunciada ontem pelo Instituto Brada é uma badalação aos prefeitos do Grande ABC, mesmo ao prefeito cassado. Números menos lustrosos revelariam mais credibilidade.  

Construir a ideia de que o ambiente político-administrativo no Grande ABC é o suprassumo da felicidade num País tão complexo é uma aberração. Uma aberração que se repete pela terceira vez. O Instituto Brada desfilou a mesma cantilena duas vezes no ano passado. Trata-se, portanto, de caso irreversível.  



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